O Grilo Feliz





Eu gosto de ver coisas pra criança, e quando são brasileiras tem uma coisa especial a mais.
...às vezes.

Parece que por estarmos muito acostumados às produções vindas de fora, quando se faz algo 100% nacional tem alguma coisa diferente. Eu não sei bem explicar o que é, mas às vezes alguns produtores não sabem bem como encaixar elementos nacionais numa história que faça sentido ou que seja ao menos divertida. (Isso porque normalmente se pensa que se tem uma obrigação de botar pelo menos um personagem mitológico no meio)

Ou quando tentam mesmo criar algo que não apele aos elementos nacionais ou ao elemento educativo, falta um certo refino de... Tudo.

Mas quando eu resenhei Cassiopeia, eu não pude deixar de me lembrar de outro filme que ficou gravado na minha mente. Não porque eu assisti na época (levou uns 4 anos até eu ver esse filme na TV Globinho), mas porque era assunto de uma edição da revista Recreio.


Então, hoje falaremos de O Grilo Feliz.






A história é absurda, mas nada tão diferente dos padrões de filmes pra criança. Feliz é um grilo que compõe e canta músicas em sua viola sem cordas, porque "a música vem da alma".

...nem pense em fugir.

Um belo dia, quando ele termina uma música sobre ecologia (porque é um filme que tem insetos como protagonistas, é claro que eles vão exaltar a mata) que foi inspirada por uma estrela chamada Estrela Linda (fique firme), um lagarto chamado Maledeto invade a floresta e se autodeclara rei. E como ele não gosta de música, a proíbe.


E não só isso, mas também rouba a Estrela Linda, e Grilo parte com seus amigos pra regsatar a estrela e se livrar de Maledeto.





A primeira coisa que se nota é que a animação não é das melhores. Orçamento apertado de quase 25 mil FHCs, os personagens se movem de forma estranha e pouco orgânica. E não só isso, eles parecem ter uma obrigação de se mexer, sendo quase impossibilitados de ficarem completamente parados. E como são usados poucos quadros, os movimentos parecem ligeiramente forçados ou totalmente anaturais.


A melhor descrição que eu posso dar é Ferngully. Não só na animação, aliás.
Ferngully tentava emular o estilo Disney, enquanto o Grilo Feliz tenta buscar algo mais próprio; o que é bom, na verdade, mas o resultado ficou estranho. Acostumável, mas estranho.




O que realmente não combina de jeito nenhum são os modelos 3D que vira e mexe aparecem no meio. Algumas não tem muito motivo pra existir (como um bichinho peludo sem nome) ou a própria estrela quando cai. Mas pode-se passar por experimentação, afinal o desenho do Homem Aranha de 94 já usava isso.

Não, sério! Porque o
porta-retratos é feito em 3D??

O tom do filme é beeeem pra crianças, o tipo de coisa que tu veria no canal Gloob, por exemplo. Ele tenta pegar uma faixa etária dos 5 a 8 anos, mas o modo que os personagens falam e a forma que eles mandam a mensagem ambiental parece ter saído de um desenho do Discovery Kids. Não é tão forçado, mas é algo que poderia ter dado um polimento melhor.


Mas o que destronxa o filme mesmo são os diálogos e a edição. Oh, que dor!


O tamanho dessa joainha
me deixa confuso.

Os diálogos são o mais clichê possível, fruto de uma possível inexperiência em ler o roteiro e pensar "hm, eu acho que dá pra reescrever isso aqui". Piadas fracas, personagens mal desenvolvido cuja impressão final é de um token, e simplesmente uma falta de tentativa de fazer algo que nos faça se importar com o que acontece.


O Maledeto vai cortar as árvores pra mandar cupins fazer estátuas dele? Wathever. Feliz perdeu a viola? Ok. Feliz e Bituquinha vão ser esmagados por espinhos vivos? Como raios isso funciona, aliás?


Os cortes de uma cena pra outra geralmente acontecem sem timming nenhum. Normalmente quando há a passagem de cena mudando o ambiente, tem-se um pouco de tempo para nos situarmos (a menos que a sensação de claustrofobia seja intencional). Fora os personagens falando um atrás do outro, e com efeitos sonoros, e as vozes agudas demais ou caricatas demais sem precisão. Às vezes eu me sentia assistindo The Magic Voyage ou Felix the Cat: The Movie. Graças a Deus isso não era frequente, mas ainda assim dava um certo desconforto.


É isso aí, majestade,
Vai na minha!

Mas há uma cena específica, quando Maledeto consegue a estrela. Literalmente DO NADA, os capangas dele começam a cantar um rap ostentação, com direito a metade do orçamento indo pra modelagem de uma mansão em 3D, e assim como veio, se foi. Sem nenhuma explicação. Um exemplo legítimo de um Big Lipped Aligator Moment.
...ou calango, eu sei lá o que o Maledeto é. Se sinta satisfeito porque eu lembrei o nome dele, oras.

As músicas (que deviam teoricamente ser o ponto forte do filme) acabam caindo no mesmo ponto dos diálogos: são fracos, sem inspiração, e parecem músicas cantadas na escola na primeira série, só que piores.

No entanto, eu vou dizer isso. O rap dos capangas é tão grudento, que após quase uma década que eu assisti esse filme, essa era uma das únicas coisas que eu conseguia lembrar bem.



Eu realmente entendo que naquela época ainda se pensava muito mais em animação como algo literalmente infantil, mas esse é um daqueles filmes que provavelmente nem crianças próximas da faixa etária se interessariam. Tem uma ou oura coisa interessante em termos de arte, os cenários são bem-feitos, o conceito geral não é ruim. Mas é tudo atropelado por uma confusão de estilos, derails, e simplesmente uma falta de sensação de divertimento.


Eu gosto de coisas genuinamente pra crianças. Turma da Mônica teve seus dias estranhos e ruins, mas os desenhos recentes são muito bons e com roteiros criativos. Doraemon também é um ótimo exemplo de como fazer algo pra crianças do modo certo.


Um tucano mágico que pode mudar de forma.
Eu nem

Eu não consigo culpar tanto esse filme pelas falhas, ele tem boas intenções, o cara aparentemente fez pros filhos dele (algo meio na linha de Pequenos Espiões 3D), e o filme ganhou uma sequência em 2009, em parceria com a Fox (que sim, está na lista).

Eu pessoalmente recomendaria apenas pra propósitos de estudo, assim como Cassiopeia. É uma parte da história da animação no Brasil, afinal.