Riverdale (Temporada 1)


Mesmo não sendo um fã de longa data dos quadrinhos Archie, eu não consigo não ter uma admiração pelas histórias. Análogo à Turma da Mônica (ou Turma da Tina, mais especificamente; Little Archie seria mais próximo das histórias com a dentuça), são histórias rápidas, fáceis de entender, engraçadinhas, e que não necessita de uma ordem cronológica.
A menos que você seja um nerd gordo que prefere ler na ordem cronológica de lançamento. Que nem eu.

Eu sempre admirei a inocência, a leveza com que as histórias eram tratadas. Os quid-pro-quos, as piadas relativamente ingênuas... Obviamente eu tive alguma resistência quando anunciaram Riverdale.
Digo, o reboot do quadrinhos é mais realista, com cronologia, e foi até precedido por um grande evento onde Archie morria. Mas ainda assim, não sei se uma série adolescente sombria era o conceito que eu queria ver de um live-action baseado em Archie.

Mas né, é o que tem pra hoje. Vale a pena?




A história começa com o assassinato de Jason Blossom no feriado de 4 de Julho. A partir daí se você só conhece Archie pelos desenhos, pode se perder já que ele nunca apareceu em forma de acetato animado, ou ao menos nunca foi proeminente. Mas ok, prosseguindo.

A família Blossom entra em crise, especialmente a irmã de Jason, Cheryl. Mas várias versões do ocorrido começam a surgir, especialmente de Archie que estava de namorico com a professora de música, Sra. Grundy. Em meio a esse caos, aparece Veronica Lodge, filha de um empresário que foi preso por uma pancada de corrupção ou algo assim.
Até que pouco tempo depois, acham o corpo do moleque com nome de assassino serial, e começa-se a investigar quem matou Jason e porque.

No decorrer da série, conhecemos Archie, Jughead, Betty e Veronica, que serão basicamente os protagonistas. E o Kevin porque... Ele teve destaque nos quadrinhos pré-reboot?



Antes de tudo, a escolha pro casting foi estranha. Digo, os atores conseguem passar seus personagens bem, e Betty e Veronica se parecem demais com suas contrapartes de nanquim. Zack&Cody também faz um ótimo trabalho trazendo um Jughead mais melancólico, sombrio, mas que não é sem motivo. Betty é uma mocinha alegre e chocolatante, mas que no decorrer da série aprende a ser mais pé no chão e a ser mais firme em suas decisões, e a atriz consegue mostrar essa evolução. Assim como Veronica Lodge, interpredada pela brasileira Camila Mendes, que mesmo sendo o primeiro papel em uma série ou filme, consegue passar sua interpretação com bastante firmeza e carisma, principalmente.


Na real, a personagem mais parecida com os quadrinhos atuais é a Veronica, que tem de fato um arco interessante de redenção, mas aqui é tratado com um caminho diferente, mas análogo. Ela quer se livrar do status de "patricinha fria"; nos quadrinhos isso é motivado pela sua paixão por Archie, em Riverdale é pra tentar se distanciar dos problemas com seu pai.
E embora todos eles (incluindo os personagens secundários) tenham ótimas interpretações, KJ Apa não convence como Archie.

Nem se fosse pra ser algo mais análogo ao reboot nos quadrinhos.


O Archie nos quadrinhos sempre teve a característica de ser o cara normal, o mais normal possível. Mas que por algum motivo é cobiçado pelas duas (ou três) gurias mais bonitas do colégio. Ao mesmo tempo, ele é um pouco atrapalhado, e há sequências nos quadrinhos que mostram até que ponto isso chega.

Aqui, ele parece um esportista bonitão (o que de fato acontece), e o ator não consgue passar o carisma necessário, tornando Archie, o suposto personagem principal, incrivelmente sem sal e simplório.

Embora ele seja um personagem ativo e com um arco narrativo próprio, a presença dele não evoca o tom necessário, ou mesmo o peso que devia ter. É o personagem que leva o nome da editora, pelo amor de Deus! Até o Mickey, que normalmente é uma Mary Sue da vida, vira e mexe tem histórias legitimamente engraçadas e interessantes, seja ele explorador/aventureiro ou o Cara Comum.


O tom da série é claramente diferente dos quadrinhos, mas acaba chegando mais perto dos seriados do tipo. Não que eu possa dizer muito sobre isso, eu mesmo vi bem pouco. Mas eu só vejo comparações a Twin Peaks, então... É.

Mas falando do que eu entendi: é uma série mais sombria, apelando pra demografia adolescente, e "sexy", seja lá o que isso signifique. Eu obviamente achei que fosse uma direção errada. Não que trazer Archie pra um contexto mais sombrio não fosse funcionar ou não fosse bom pra franquia, mas os primeiros episódios eram TÃO distantes do que os quadrinhos vinham fazendo, que eu me perguntava "porque raios eles não fazem logo um negócio totalmente original?"

E até o fim do primeiro subplot, esse sentimento percorreu a série. Mas depois disso as coisas começam a fazer mais sentido.


O tema principal da série é que "nem tudo é o que parece", e é bem trabalhado no decorrer dos 13 episódios, mostrando personagens com segredos ou passados escusos, alguns até criminais. O que é interessante, pegar esses personagens conhecidos, tradicionais, e mostrá-los de uma forma totalmente diferente e realista. Mais ou menos o que a ABC fez com os Muppets, mostrando eles no dia-a-dia, com as falhas que todos nós temos e blablabla.

E o tema combina até com o mistério do assassinato, que é de fato o melhor personagem da série. Não o morto, mas o mistério em si.

A forma que eles guiam a história, fazendo parecer com que cada um seja suspeito não é necessariamente muito detalhada, mas é bem construída a ponto de te prender pra saber quem raios matou o moleque Blossom. Provavelmente episódios de Monk sejam mais trabalhosos e bem construídos que essa série, mas ela dividiu o foco entre o mistério e o desenvolvimento de personagens, e consegue fazer um bom trabalho em ambos. Então ok.


Cada personagem de fato se sente como uma versão mais realista dos quadrinhos, e... É algo que eu consigo comprar. Os quadrinhos sempre foram incrivelmente surreais, por serem comédia. Um drama só funcionaria se esses mesmos personagens fossem mais pé no chão. Aliás, eu gosto de como o Jughead basicamente sente falta dos tempos antigos, mais simples, que foi o que o deixou melancólico e estranho. Isso até ajuda a trazer a os comentários sarcásticos, característica clássica do personagem.

E há referências sutis aos quadrinhos, que fãs vão reconhecer, mas que não confundem o telespectador que nunca chegou perto dos gibis; pelo contrário, as referências são... Mínimas, mas tão lá, e ajudam a construir esse mundo. Geralmente essas referências são mais outros personagens do universo, como a família da Betty e do Jughead, ou personagens secundários como Reggie e Dilton.


Riverdale é um dos momentos onde eu felizmente queimei a língua. No momento que eu vi o que eles tavam fazendo, que eu vi que Josie e as Gatinhas seriam todas negras ao invés da formação clássica, Archie seria um bombadão galã, e a série seria sombria e blablabla, eu logo fiquei desacreditado. "Sim, eles vão acabar com muita coisa clássica dos quadrinhos, mas pra que fazer isso se eles podem só fazer algo original? Não faz sentido." E fora o Archie que ainda me deixa inquieto por não parecer o Archie a um nível argumental, a série consegue balancear momentos mais leves e divertidos com momentos mais tensos. E até Josie e as Gatinhas tem uma motivação pra não serem uma ruiva, uma loira e uma negra, que é a fixação da mãe de Josie em ter uma marca musical forte como seu pai, que... Trabalha com jazz? Hip Hop? Rap? Algo assim, eu sei que os pais de Josie são muito controladores quanto ao que ela faz na banda, o que reflete até como a própria Josefina gerencia as Pussycats. O que pode ser um plot interessante pra explorar na próxima temporada.

O único problema grande relacionado ao mistério é o de que não conhecemos Jason. A primeira vez que vemos o cara ele já tá morto, bem dizer. Só conseguimos sentir a dor da perda através da Cheryl e da forma que todo mundo age na cidadezinha. Não é muito palpável. Funciona, mas poderia ter sido muito melhor se tivéssemos passado um tempo conhecendo ele antes.


Riverdale não é NADA parecido com os quadrinhos. Parece uma fanfic de Universo Alternativo. Mas é uma boa fanfic de Universo Alternativo. Se tu não conseguir engolir, eu totalmente te entendo. Mas o que eles fazem na série é interessante, geralmente tem um propósito, e consegue guiar uma história e um mistério de forma interessante. E mais importante: tu não precisa acompanhar os quadrinhos ou ter lido 500 edições pra saber quem é quem.



É uma série de nicho, sim. Talvez não agrade aos fãs mais tradicionais ou hardcore dos quadrinhos, que esperavam uma adaptação live-action mais fiel. Bem, eu mesmo ainda espero. Mas até lá, Riverdale tem sido uma série boa a seu próprio mérito.

E mais Veronica por motivo nenhum exceto que eu adoro ela.