The Flintstones: On The Rocks


Responda rápido: quando uma empresa tem em mãos uma IP antiga e querida por adultos nostálgicos com muito tempo livre, o que essa empresa faz?
Exatamente, ela faz uma versão adulta dessa IP!

...NÉ?

...

Ok, essa é uma estratégia que pode dar certo, mas que pode dar merda também. Adaptar e atualizar uma IP clássica pros tempos modernos sem perder a essência do original é um trabalho hercúleo. Toda a equipe estará pisando em ovos pra manter toda a iconografia e sentimentos da obra original de uma forma que a nova geração compreenda e se interesse, sem perder o amor da antiga geração.
Ou cê pode ser a Disney e fazer qualquer merda de qualquer jeito e ainda assim lucrar o equivalente ao PIB da Malásia.

Enfim, lá pros anos 90/2000 a Hanna-Barbera (recentemente comprada pela Turner, dona da Warner e do Cartoon Network) começou a produzir desenhos de versões kids de seus desenhos, como Yo Yogi! e Tom e Jerry Kids. O que não era estranho pra eles, já que em 86 eles produziram uma versão kids dos Flintstones.

Mas aí eles perceberam que as crianças tavam meio de saco cheio das reprises, e queriam atingir num novo público: os adultos nostálgicos com muito tempo livre.



Foi nessa época que o Adult Swim (cê sabe, o bloco adulto do CN) começou a fazer remakes de desenhos da Hanna-Barbera pra adultos, como Space Ghost Coast to Coast, Sealab 2021, e aquele que o Homem-Pássaro brinca de Ace Attorney.

Ou... Ace Atooney, como preferir.

Foi nesse mesmo período que alguém achou uma boa idéia botar John KRIQUEFALUSCHE pra animar uns curtas de Zé Colméia e Jetsons. O resultado dos curtas em si é maçante e sem graça, mas o pior foi que com isso ele conseguiu grana pra produzir Ren e Stimpy: Adult Party Cartoon, que eu tenho quase certeza que viola no minimo 3 pontos dos Direitos Humanos.


Enfim, nessa leva foi também um filme pra TV dos Flintstones, que tentava resgatar o clima das primeira temporadas, que era mais voltado pra adultos. Cê tá ligado, aquelas propaganda de cerveja e cigarro que deve ter visto em algum vídeo de trivia solto pelo YouTube? Pronto, é dessa época que tamos falando. Mas aqui esbarramos num problema: nas outras temporadas e subsequentemente durante o resto da vida, Os Flintstones passou a ser mais voltado pra crianças/família, tendo licenciamento pra brinquedos, suplementos vitaminares pra crianças, e os famigerados cereais Cocoa Pebbles.

Como RAIOS tu vai fazer algo que tenta ser mais maduro mas ainda pra crianças?

Sei lá, mas temos The Flintstones On The Rocks (ou, no Brasil, Os Flintstones e o Diamante, tendo Guilherme Briggs dublando Fred. Eu achei POUQUÍSSIMA informação sobre o desenho no Brasil, único link que eu achei pra baixar tava fora do ar, no Hanna Barbera Show Parte 2 ou algo assim. Enfim).


Ok, qual o plot desse filme?


Fred e Wilma estão tendo problemas no casamento. Ao contrário do que acontecia na série, onde normalmente tudo se resolvia em 20 minutos após várias trapalhadas, aqui o negócio é feio, já que com menos de 10 minutos eles já tão se agredindo fisicamente e Fred tá usando a psicóloga como escudo humano.


Enquanto isso, Barney ganha uma promoção na pedreira, e com o dinheiro extra, ele e Betty levam Fred e Wilma pra Rockapulco, pra desopilar e desestressar, e na esperança deles se reconciliarem.

Enquanto isso, um ladrão rouba um diamante e acaba caindo nas mãos de Wilma, que acha ser um presente de Fred pra ela. O circo agora tá armado, com o ladrão querendo dar em cima da Wilma pra retomar o diamante e Fred se sentindo um merda e assumindo todas a culpa.


Eu nunca vi os desenhos das primeiras temporadas de Flintstones, e minha paciência foi gasta nesses últimos meses com faculdade e Cavalo de Fogo, logo eu não vou ver tão cedo. Mas o plot consegue funcionar bem dentro desse contexto. Temos um problema do mundo real, mas com o tratamento de uma animação, com os típicos exageros pra criar efeito cômico ou dramático. Embora... Os personagens ajam muito fora do que conhecemos.

Fred é simplesmente um babaca com todo mundo e a todo momento, mas no fundo é um cara legal e tem dificuldade de botar sentimento pra fora. Ainda assim, passamos o filme todo com esse maluco descontrolado pé no saco, o que pode ser incômodo pra quem cresceu vendo Flintstones. Ou pra quem cresceu vendo Flintstones e tem sensibilidade demais com nostalgia e trata como algo perfeito e intocável.

O que faz com que a personalidade babaca de Fred funcione melhor é que ele aprende com os erros, e em dois momentos dá um discurso sobre como, pouco a pouco ele perdia Wilma, e como era tudo culpa dele, além do quanto ele valoriza ela. O primeiro é um discurso até realista e identificável, mas o segundo é o típico clichê de desenho... Que funciona à sua maneira.

Ainda assim, o momento onde ele chama o Dino só pra esfregar na cara dele que ele não vai com eles na viagem me parte.

...CACHORROS SÃO CACHORROS MESMO SENDO DINOSSAUROS, ME DEIXE.

SÉRIO OLHA A CARINHA DELE
DÁ UM DÓ
Betty em alguns momentos também é diferente da sua contraparte original. Há uma piada recorrente sobre um casal ficar ouvindo os "barulhos e risos" que o outro casal faz na hora de dormir. É uma piada que vai passar pelas crianças como algo inocente, mas os adultos vão entender.
Isso fica mais claro no final quando o macaco dublado pelo Bob Esponja começa a tremer a cama de Fred e Wilma, com a piada tradicional de "It's a living!".

Enfim, depois que Fred "dá" o diamante pra Wilma, Betty começa a reclamar com Barney que ele nunca deu um diamante pra ela, e nem salvou ela de um ladrão no meio de um vulcão.
Hah! Mulheres! Elas nunca tão satisfeitas, sempre tem que fazer mais e mais por elas.


O resto dos personagens é ok. Barney é o amigo abobado e gente boa e Wilma é a esposa neurótica mas que uma parte dela ainda ama Fred.
E sendo uma comédia, a forma que eles resolvem o problema não é realista, claro. Raio, Wilma esbraveja que vai se separar de Fred (não necessariamente nesses termos) e 10 segundos depois vê o diamante e fica disposta a perdoar tudo que ele fez.

...pois é.


A comédia do filme é bem... uh... É.

Ficou claro que tem uma pancada de piada adulta e eles realmente não tentam esconder que é uma produção pro pessoal com mais de 20 anos que cresceu vendo o desenho. A maioria delas não tem muita graça.

A outra metade de piadas é pra crianças porque slapstick é engraçado. É bobinho, funciona por um tempo, mas depois perde a graça. Ao menos eles não focam muito nisso e deixam o plot andar.

E aí tem uma piada onde Fred e Barney andam pela piscina com uma sunga européia que deixa a bunda de fora.

Eu vou lhes poupar das imagens.

Curiosamente, isso meio que aconteceria
de novo no crossover dos Flintsones com a WWE.
E há outros innuendos do tipo, como quando o vilão tenta seduzir Wilma/Betty, parando em frente a elas de roupão, com a câmera olhando pras moças por trás das pernas do cara, aí ele deixa o roupão cair. Ou quando Fred e Wilma comem suas refeições apaixonadamente olhando um pro outro enquanto gemem.

...como eu disse, a maioria das piadas nem tem graça, mas... cumprem seu papel em serem... constrangedoras?




Aliás, parando pra pensar, essa cena é um ótimo contraste do começo do filme, onde temos uma longa cena muda de quando Fred chega em casa e Wilma prepara o jantar e eles comem em silêncio.
É uma cena perturbadora, mas por ser muito realista.

Tem vários momentos onde a cena dura mais do que deveria, no entanto, como quando o Fred fica tocando a buzina pra ser atendido no hotel, que pelas minhas contas nos dá 30 segundos do pássaro berrando e parando e berrando e parando e berr-cês entenderam.


A animação é provavelmente a melhor coisa do filme. Ela tenta emular o estilo de baixo orçamento do desenho original, mas ao mesmo tempo ter um estilo próprio, que alguns chamam de "estilo da CalArts". Provavelmente porque o produtor desse desenho foi Genny Tartakovsky (Laboratório de Dexter, Samurai Jack) e foi o primeiro trabalho de direção de Chris Savino (Kick Buttowski, criador de Loud House, demitido da Nickelodeon por ser acusado de assédio sexual).

Tudo parece ter sido feito pelo John CROCFALYSCHEN, mas tendo aquele cara com a cabeça no lugar dizendo "não mah tá muito exagerado, aquieta um pouco" enquanto John pregava uma foto de Ralph Bakshi na bunda e gritava "EU SOU O DESTRUIDOOOOOOOOOOOOOOR!!!11!!ONZE"

Tem um estilo intermediário entre o clássico e o moderno e que encaixa bem no contexto. Eu adorei.


Assistindo o filme dá pra tu entender porque ele é raro, só passou uma vez nos EUA (tem relato de reprise, mas só achei uma, então...) e nunca viu um lançamento em VHS, DVD, Blu-Ray ou seja lá o que inventarem pra implantar nos nossos cérebros dentro de 5 anos.

Não é algo que apele bem pra crianças, já que as situações são totalmente fora do interesse deles, sem contar os innuendos e piadas; mas também não apela muito pro público adulto porque... não tem muita graça.

Ah, sim, e tem essa sequência em stop motion
ridiculamente bem trabalhada.

No final das contas... gostei de ter visto. É parte de um período estranho na Cartoon, quando os caras tavam sem muita idéia e atirando forte pra um público que talvez nem se interessasse pelo produto (tipo hoje), e é uma interpretação curiosamente fiel aos Flintstones, mesmo sendo totalmente diferente do que estamos acostumados.

Vale a pena dar uma olhada nem que seja pela curiosidade. E sim, só vai achar por torrent ou no web archive, de nada. Achei que tinha no Youtube, mas só achei cenas soltas mesmo. Mas eu deixei o link pro web archive ali, uma vez que o Cartoon se recusa a passar de novo... Eu acho que tá ok deixar o link aqui.

Sim, só pelo erro de animação
nos olhos da Betty.