Hoje iniciarei uma linha nova de artigos, intitulado de Editorial, onde farei uma avaliação geral de algum determinado assunto.
Já faz algum tempo que quero falar sobre isso, e hoje irei fazê-lo, já que não é um assunto que aparece constantemente, e é algo que acredito que deve ser debatido no meio artístico: O que é algo "infantil"?
Segundo o Dicionário Aurélio, "infantil" é: 1-Próprio da infância, ou para crianças; pueril 2-Próprio de quem age como criança; tolo, ingênuo.
É interessante ver essa descrição, visto que hoje, muitos filmes infantis estão na moda e têm atraído, com uma frequência maior, pessoas mais velhas que seu público-alvo, as crianças. Mas já faz um bom tempo que isso vem ocorrendo, devido ao fato de que, se você gosta de uma coisa quando criança, a tendência é não vai deixar de gostar dela ao crescer, mesmo que um pouco.
Muitos veem isso como um problema, mas vamos primeiro dar nomes aos bois.
Pessoalmente, não gosto de usar o termo "infantil", pois traz a ideia de "pouca maturidade". A palavra "infantil" não deveria ser usada como gênero (na minha humilde opinião), mas sim algo a ser analisado. Por isso, prefiro usar o termo "para crianças", porque não necessariamente algo para crianças é infantil. Muito pelo contrário, muitas vezes produções pra crianças são mais maduras que produções pra adolescentes e adultos.
Um exemplo disso seria "My Little Pony: Friendship is Magic" e os filmes da Disney e da Pixar.
Esses filmes são considerados "infantis". No entanto, se analisarmos a fundo, veremos que eles são mais maduros do que pensamos. Isso porque esses filmes são focados na família, para que a família assista junto e todos se divirtam, ou que haja algo o que pensar, não apenas as crianças. "Toy Story" trata não apenas das aventuras de brinquedos, mas também de um garoto que está crescendo e aos poucos abandonando algumas coisas de criança, além de tratar sobre a amizade e fidelidade, de uma forma bem complexa, de modo que os crescidos também se identifiquem. "Procurando Nemo" trata sobre o relacionamento entre um pai e um filho rebelde, e como o amor entre eles é grande, coisa que muitos de nós passamos ou vemos algum conhecido passar, ou até mesmo a falta desse amor.
E mesmo assim, tem filmes pra família que acabam sendo... Infantis demais. Como os filmes de "Transformers".
Isso sim é um filme infantil. Ignorando o fato de que os Transformers são praticamente soldados em uma guerra (o que é um elemento interessante e maduro, considerando o modo que é usado ou visto), há piadas sobre masturbação, apelo sexual extremamente dispensável, machismo, e coisas do tipo.
Colocar elementos habitantes do mundo adulto em um filme pra família, e ainda por cima sem nenhum motivo, é idiotice, é falta de foco, é infantilidade.
Um exemplo da mesma franquia sendo bem usada seria o recente "Transformers: Prime", onde sim, há seus momentos mais bobinhos, mas ao mesmo tempo mostra uma história sobre uma guerra, com traição, espionagem, e sentimentos pessoais. Pelo que vi da série, há muito isso vindo de Arcee, uma personagem que me cativou muito. Primeiro, ela é uma mulher num ambiente normalmente masculino, e mostra o quão boa militar ela pode ser, com suas habilidades em combate. Mas ao mesmo tempo demonstra fragilidades, como quando descobre o assassino de seu fiel companheiro Cliffjumper, e o assassino estando em posição de refém, ela se mantém honrada e o solta para derrotá-lo num combate justo. Claro que isso custou a fuga dele, mostrando que foi uma decisão errada que acarretou sérios problemas para os Autobots. (Lembrando que manter o refém preso foi uma ordem direta de Optimus.) Uma série pra crianças como essa não se pode ser taxada como "infantil".
Veja que, quando eu falei que o fato de os Transformers são soldados em uma guerra ser um elemento maduro, eu falei isso tendo em vista que é uma franquia para crianças. Para uma franquia para crianças, ter soldados em guerra usando a alegoria de robôs é algo maduro, coisa que seria normal se fosse para adolescentes ou adultos (que não deixaria de ser maduro, mas seria algo mais previsível, por assim dizer).
Uma obra para adultos não é necessariamente SÓ para adultos. Há obras que são maduras, focadas em um público adulto, mas que podem ser apreciadas por um público mais jovem sem nenhum problema, por não conter violência, ou sexo, ou nudez, ou palavras de baixo calão. Ou conter algumas delas, mas com doses não exageradas, como "O Conde de Monte Cristo", ou "E o Vento Levou". Ou simplesmente tem mais drama e tensão, como "Kamen Rider ZO" ou "Kamen Rider The First" e "The Next".
Uma obra adulta não precisa necessariamente mostrar sangue ou nudez, mas se, dentro de um contexto, se isso for importante para a história/narrativa, ou se mostrar um lado a mais da psique de algum personagem, ela não hesitará em mostrar, supondo que seu público terá maturidade suficiente para absorver aquela informação e relacioná-la à história.
Obras que contém muitos elementos adultos tais como: fanservice, nudez, sexo, sangue, violência, e não se preocupam em contextualizá-las em uma história coesa e bem estruturada, nem uma narrativa bem desenvolvida, podem ter a classificação +18, mas há uma chance muito grande de que a idade mental da obra seja inferior, seja infantil.
Mas só porque alguma coisa é infantil, quer dizer que ela é ruim?
Claro que não.
Dr. Seuss (pseudônimo de Ted Geisel) é um escritor estadunidense, e escreveu 60 livros para crianças (como "Como o Grinch Roubou o Natal", "The Cat in Hat", "Horton Hears a Who", e "O Lorax"), boa parte deles rimando. Seuss é tido por muitos como um mestre da rima, pois escrevia histórias simples, com rimas inteligentes. Escrever uma poesia é uma coisa, escrever um livro de poesias é outra, escrever um livro com uma história narrada por rimas é uma terceira coisa.
Eu, com 18 anos, fiquei admirado com o modo de ele contar histórias. Não só as rimadas, como também alguns livros narrados em prosa, que contém algumas críticas políticas. E não só admirado, como também ri levemente em alguns momentos, devido ao nível de nonsense que as histórias chegavam, ou à narrativa usada.
Prova de que suas histórias são imortais é que até hoje recebem adaptações para filmes. São, em geral, adaptações fracas e que tiram boa parte da graça e pureza da obra original, mas mostram a força de seus livros.
E é fascinante como alguns de seus livros, como "Horton Hatches the Egg" (1940) e "Thidwick the Big-Hearted Moose" (1948) se mantém extremamente atuais. mostrando falhas da natureza humana facilmente identificáveis, uma em especial que eu me encaixo, a de ser gentil com todo mundo.
Essa é uma característica que provavelmente herdei de meu pai. Procuro ser agradável e gentil com todo mundo, mesmo que resulte em problemas. Essa é uma característica que eu venho procurando ajustar, porque eu sei que algumas pessoas precisam levar uma mãozada na cara (literalmente ou metaforicamente) pra poder aprender alguma coisa. Coisa que o Alce Thidwick deveria ter aprendido quando seus chifres viraram um zoológico de escorões.
Outro livro que leva alguns a mais de uma interpretação é "The Cat in the Hat Comes Back". Surgiu recentemente um historiador afirmando que o livro seria uma alusão à Guerra Fria, com o Gato sendo analogia da URSS. Não sei se entendi bem a alusão dele, mas o Gato seria uma personificação do Comunismo, que chega de intrometido na casa de duas crianças (que já tinham recebido a visita desse mesmo Gato) e deixa uma mancha rosa (comunistas eram conhecidos vulgarmente como Pinkos) impossível de limpar em uma série de objetos. E só com o Voom foi possível tirar a mancha, que fez um estardalhaço imenso para tirar a mancha rosa da neve. Uma referência a armas nucleares e suas consequências, deixando-os limpos de "Pinkos".
...You know, for kids!
Ok, vamos ignorar por um momento a história da URSS, e pegar outro livro dele, "Como o Grinch Roubou o Natal". Fala sobre uma criatura verde que mora em uma montanha e odeia o Natal e tudo que ele representa. E a Vila dos Who se prepara alegremente para a celebração. O Grinch, já cansado de tudo, resolve roubar os elementos natalinos. O que acontece? Os Who celebram o Natal mesmo assim, e o Grinch aprende o significado do Natal e passa a ser o que mais ama a festividade.
Sim, é uma história bobinha e previsível, e o livro em si até que não é lá essas coisas. E quem se importa? É preciso saber apreciar as coisas mais simples e belas da vida, da mesma forma que essa história. Mesmo ignorando toda a metáfora e estudos do comportamento humano, são boas histórias pra criança e são gostosas de serem lidas.
Talvez a chave para tudo isso seja permanecer com uma alma de criança. Você não vai conseguir gostar dos livros (e das adaptações animadas) do Dr. Seuss, ou os quadrinhos da Turma da Mônica, se não possuir uma simplicidade que só uma criança teria. A criança não vai analisar a fundo a psique dos personagens, não vai perguntar "isso faz sentido nesse contexto?", ela simplesmente vai tentar tirar o máximo de proveito daquilo. À medida que ela cresce, é que essas perguntas irão surgir.
Quando eu era criança mais crescida, eu lembro-me de questionar esse tipo de coisa constantemente. Como no primeiro filme do Scooby-Doo, ou do Jimmy Neutron. Coisas que não faziam nenhum sentido, tanto da lógica básica (por que raios o Scooby-Loo é o vilão?) como de física (como raios os guris respiram em pleno espaço?). A primeira pergunta nem precisa de resposta, deve ter sido uma escolha aleatória do roteirista. Ele deve ter pegado papeis com os nomes de personagens que apareceram no desenho do Scooby-Doo e jogado pra cima. O que cair na mão dele é o vilão e ponto. Mas a segunda é algo que comecei a ver que algumas coisas você deve ignorar pra beneficiar a narrativa, e ainda me impulsionou para pensar em como explicar aquele fenômeno ou como ajustá-lo a fim de que fique mais realista. E isso ajuda muito, especialmente quem quer trabalhar escrevendo histórias.
O que me entristece é ver o número de mini-adultos crescendo. Em certa medida, é normal. Quando você é uma criança você tende a querer se espelhar em alguém mais velho (em geral, o pai ou a mãe). Mas quando em doses exageradas, é extremamente prejudicial. Crianças que não querem mais fazer coisas de crianças ou que querem uma mentalidade de um adulto, que coisa triste. Se nós que aproveitamos nossa infância sentimos saudade dessa fase, que dirá esses mini-adultos.
Certa vez, estava assistindo "Ultraman M78 Love and Peace", quando meu pai chegou, viu cerca de 10 segundos e disse "Por que tu tá assistindo isso? Isso nem o Fulaninho quer mais assistir, ele diria que é coisa de bebê."
Nem preciso dizer que foi um dos meus primeiros momentos de "Haters gonna Hate", muito antes de eu se quer saber o que é isso.
O escritor C.S. Lewis escreveu: "É natural que as coisas novas queiram crescer. Porém, quando se mantém na meia-idade ou mesmo na juventude, essa preocupação em 'ser adulto' é um sinal inequívoco de retardamento mental." Ou seja, é necessário manter essa alma de criança, de saber apreciar certas coisas com mais simplicidade, sem deixar de lado a razão e a maturidade."
Até hoje, eu sofro um pouco por gostar de My Little Pony: Friendship is Magic, Ben 10, e os desenhos do Snoopy. Mas hey, são bons desenhos, boas séries, que são mais do que os olhos podem ver. E mesmo que não fossem, são divertidos, e isso é o que importa.
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