[Mês do Dr. Seuss] The 5000 Fingers of Dr. T



E hoje vamos dar uma olhada no único live-action de Dr. Seuss que envolve uma narrativa semelhante ao que estamos acostumados.

Uma história de fantasia, sonhos, e que de certa forma mostra muito como Dr. Seuss se sentia (e eu tenho quase certeza de que você também passou ou passa por isso).

Então, siga-me, hoje vamos ver The 5000 Fingers of Dr. T!






O filme nos apresenta Bart (interpretado pelo guri de Lassie), um garoto que está estudando piano, sob a tutela do Dr. Terrwilliker (interpretado pelo Capitão Gancho), que tal qual o pai de Michael Jackson, exigia nada menos que a mais pura perfeição. Se Beethoven liberasse o sétimo sentido, o Dr. T ainda acharia meia-boca.

Mas o problema é que o guri não se interessa muito pelo instrumento, mas tanto o Dr. T quanto a sua mãe só querem que ele pratique e pratique. Seu único amigo é o encanador, August Zabladowski (qual era a do Seuss com esses nomes?), que segundo o guri, entende muito mais de piano, mas é tímido. Além disso, o garoto tem a impressão de que o Dr. T hipnotizou sua mãe.



Então, no meio da prática de piano, ele dorme tal qual Dorothy em O Mágico de Oz e sonha que o Dr. T é um músico megalomaníaco com o propósito de ter uma academia exclusiva para crianças tocadoras de piano, literalmente prendendo-as na tal escola, hipnotizando a mãe de Bart para que ela seja sua esposa e secretária e vice presidente da escola (pelo que eu entendi), e Bart descobre que qualquer um que tocar outro instrumento que não seja o piano será jogado nas masmorras.

Agora cabe a Bart e Zabladowski sabotar os planos do Dr. T, arruinando a inauguração da sua escola, com 500 crianças tocando num piano gigante.



O roteiro do filme é bem simplório, na maior parte do tempo. Tudo gira em torno de Bart não querer tocar piano, mas ser obrigado pelo Dr. T a fazê-lo, apenas para alcançar suas exigências megalomaníacas. O garoto se vê sem saída, já que não pode recorrer à própria mãe. Ele vê em Zabladowski uma figura paterna que relutantemente aceita seu papel, depois que descobre que de fato há algo de errado em torno de Dr. T.

O filme não tem grandes reviravoltas, grandes personagens, ou grandes cenas. Acaba sendo uma criança que desabafa os sentimentos num sonho, mais ou menos como Doug fazia. Só que menos assustador.

Sério, Doug era uma série estranha.



Mas hey, Dr. Seuss nunca precisou de personagens extremamente complexos, os livros que ele escrevia eram simples, mas identificáveis, e é o que temos aqui. Bart representa toda criança que é obrigada a aprender alguma coisa que detesta, só pra agradar a alguém (geralmente aos pais, mas também vale pra instituição de ensino). Não é que ele não tenha aptidão pro instrumento (e o final deixa a entender que ele não o abandonará), ele simplesmente quer fazer outras coisas, jogar baseball, brincar com o cachorro, montar uma barraquinha de limonada, etc.

Mas não é um livro de 20 páginas, e sim um filme de 1h30. É aí que entra o roteiro escrito em conjunto por Seuss e Allan Scott, que trabalhou em Top Hat, que ajuda a deixar o filme mais durável em termos de narrativa.



O que chama atenção no filme, logo de vista, é o visual nos sonhos. Ele tem todo o toque visual típico de Seuss, mas ao mesmo tempo mantém o equilíbrio da realidade, como por exemplo no design das masmorras. E é muito bom poder ver um genuíno trabalho seussiano (que não seja inspirado apenas, como os filmes recentes) em forma de live action. A primeira cena do filme, onde Bart é perseguido por guardas exemplifica melhor o que eu digo, e dá um tom pro visual do mundo dos sonhos.



O ritmo do filme é algo que pode incomodar um pouco. Ele começa lento demais, demora pra engrenar a história e os conceitos, mas quando o faz, é uma boa experiência. Sendo um musical que leva o nome do Doutor, ele tem toda a métrica de rima e as palavras semi-inventadas que já estamos acosutmados, aliados ao estilo de produção da época (o filme foi lançado no mesmo ano de Cantando na Chuva), cria uma atmosfera divertida e interessante, nunca sendo desperdiçada 100% dentro do filme.



Por exemplo, a cena onde os prisioneiros começam a tocar seus instrumentos (que é uma das minhas favoritas do filme), não só é usado o estilo visual seussiano nos instrumentos, como também é desprovida de letra, sendo uma sequência baseada unicamente em sons e imagens em movimento. Pode parecer uma perda de tempo, e ser uma sequência demorada demais (não julgarei quem achar, eu entendo perfeitamente), mas serve pra mostrar o tanto de talentos perdidos nas masmorras, pelo fato do Dr.T abominar todos os outros instrumentos, por achar que apenas o piano é a raça ariana dos instrumentos musicais.

Mais ou menos o que os otaquinhos fazem quando abominam qualquer coisa que venha de outro país senão o GRORIOSO NIPPON.

E essas pequenas (ou grandes) coisas servem pra nos lembrar que é tudo um sonho de Bart, nada precisa necessariamente fazer um sentido (como o quase deus ex machina no final).


No geral, é um filme bem ok, mas daqueles filmes que você tem que ver pelo menos uma vez. O roteiro é simples, os personagens são simples mas identificáveis, os efeitos visuais impressionam mais pelo design que pela técnica em si. Se tivesse mais música, seria um equivalente a O Estranho Mundo de Jack. 

É um raro trabalho de Seuss, um live-action que leva sua assinatura. E conhecendo um pouco mais da história de vida dele, podemos entender melhor alguns elementos da história, em especial o Bart como uma espécie de alter ego do Doutor. É um equilíbrio entre animações seussianas com os musicais dos anos 50, que vale muito a pena ver.



E semana que vem, com sorte, voltamos à programação normal.