[Opitorial] Sobre a Resolução 163 e a Publicidade pra Crianças




Muito se tem falado sobre a nova lei do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), sobre a publicidade voltada a crianças. Inclusive, tem-se feito terrorismo sobre ser "Uma norma pra acabar com os quadrinhos nacionais". O que não é de todo mentira, mas é um título sensacionalista. A poeira baixou (pelo menos até onde pude ver), mas ainda sinto que é necessário falar algumas coisas.

Nesse texto, eu pretendo traçar algumas ideias sobre toda essa marmota.





Ok, então, pra início de conversa, o que é o CONANDA?
É um órgão vinculado à Secretaria dos Direitos Humanos que atua como instância máxima de formulação, deliberação e controle das políticas públicas para a infância e a adolescência na esfera federal, fiscalizando o cumprimento e a aplicação eficaz das normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Ou seja, ela pode criar políticas para proteger as crianças e adolescentes segundo o ECA.
Então, o que ela fez que causou tanto rebuliço? A Resolução 163. O que ela diz? Ela torna abusiva o direcionamento de publicidade a crianças.

Isso inclui personagens, desenhos, bonecos, apresentadores, música, ou qualquer outra coisa com apelo para crianças.

Apenas nesse ponto já podemos fazer alguns questionamentos, mas voltemos a ele mais tarde.

Essa Resolução apresenta alguns problemas... Sim, ela tem boas intenções, proteger as crianças de abusos, não incitar a violência e etc. No entanto, algumas questões devem ser levantadas.


1-Segundo o site defesa.alana.org.br, o CONANDA considera a publicidade infantil "(...) se aproveita da vulnerabilidade da criança para persuadi-la ao consumo de um produto ou serviço, desrespeitando sua condição de indivíduo em desenvolvimento e atentando contra seu direito à inviolabilidade física e psíquica, além de contribuir para o aumento de problemas sociais como a obesidade infantil, a violência, a erotização precoce, dentre outros."

Uhm... Não é isso que quase toda propaganda faz? Não é o certo a se fazer (segundo o Código de Defesa do Consumidor), mas sabemos que nas entrelinhas é isso que elas normalmente fazem.

Digo, digo. Vamos por partes. Uma propaganda te diz pra comprar produto X porque senão você não vai ser "descolado, moderno", etc. E ela não diz explicitamente com eu coloquei, apenas mostra cenas de pessoas alegres, jovens e bonitas consumindo o produto.




E sinceramente, eu vi SIM muitas propagandas pra crianças nesse sentido, em especial voltados pra meninas, sobre maquiagem e etecéteras de "beleza".

Raios, no meu tempo (até onde lembro) não era comum ver meninas de 12-14 anos usarem maquiagem (como hoje vejo pirralha de 6 anos que mais parece o Palhaço Macarrão e se acha ~DYVA~).  Então, nesse ponto, a medida é boa, certo?

...eeeeehm.

Digamos que você, indivíduo mentalmente adulto, vê uma propaganda de suquinho, mostrando pessoas alegres e com energia bebendo o suquinho, o que você faz? Você entra em depressão se não tomar o suquinho porque quer ser "da galera" ou você diz "meu Deus que propaganda cartunescamente ridícula" e muda de canal?

"Ah mas uma criança não sabe diferenciar realidade de propaganda" Segundo o ECA, "criança" é o indivíduo até 12 anos. Com 10 anos já deve ter uma boa noção do que é certo e errado, então não é um indivíduo imbecil. Então, de 12 anos pra baixo, já deve ser ensinado à criança de que "o gato Tom leva martelada na cabeça, mas porque ele é um desenho e desenhos não se machucam". Então, qual a dificuldade de ensinar à criança a mesma ideia quanto à propagandas? É até mais fácil de explicar se ela já tiver o repertório dos desenhos animados e seriados.

"OOOOHHH NÃO OS BIXIM NÃO PODE SE EXPOR À VIOLÊNCIA TOM E JERRY PICA PAU MUITO VIOLENTOS OOOOH"

Vá à merda.

Não, sério. Vá. À. Merda.

Não pra você que pensa assim, mas pra essa ideia.



Tom e Jerry, Pica Pau e variantes são desenhos que admitem a dor como parte da vida, e de certa forma, nos ajudam a conviver com ela. E são mostradas de uma forma tão cartunescamente irreal quanto a "violência" de Power Rangers. Claro que há crianças que não suportam ver o gato Tom sofrer tanto (e há quem considere Jerry o vilão, mas isso é assunto pra outro dia), mas isso varia de indivíduo pra indivíduo.

Tem criança que consegue ver filme de terror (embora eu acredite que não seja saudável), enquanto outras ficam com medo até de coisas que normalmente crianças não tem medo (sim Tv Cultura, estou olhando pra você e pros seus porcos do Rá-Tim-Bum).

"Ah mas ela vai influenciar negativamente meus filhos" E cadê VOCÊ assistindo com ele, dizendo e perguntando o que é certo e errado? "É certo bater nos outros, meu filho?" "Ó, isso aí que ele tá fazendo, é certo?" Talvez, sei lá, EDUCAR seu filho. É, talvez isso seja necessário, caso não tenha pensado nisso quando soube que ia ser pai/mãe.

Televisão e escola NÃO substitui a SUA educação. Elas não existem pra você jogar eles lá o dia todo esperando que eles se formem pra vida e se tornem um excelente ser humano! Na visão desses pais imbecis, se o guri chega em casa falando palavrão e xingando, "a culpa é da tv", se ela tira nota baixa nas provas, a culpa é do professor que não sabe ensinar. Ao invés de, primeiro, ver como ele tá educando o filho, as conversas que ele anda tendo, saber que dificuldades tá tendo na escola, o que anda assistindo...

A culpa é SUA que não ensinou a ele a não ser uma esponja e a culpa é SUA de não acompanhar os estudos dele ou de deixar ele o dia todo na tv ao invés de estudar.  NÃO USE QUALQUER COISA COMO BODE EXPIATÓRIO PRA SUA CULPA, SUA IGNORÂNCIA!

O que me leva ao próximo ponto.



2-De novo, segundo o Alana, "Toda publicidade que até então tinha como alvo o público infantil deve ser alterada e direcionada ao público adulto, o qual é o verdadeiro responsável por fazer a devida mediação da mensagem comercial com as crianças."

Aaahh, entendi. Então ao invés de dizer à criança "Você precisa desse boneco pra ser feliz", vamos dizer "SEU FILHO precisa desse boneco pra ser feliz".

Hm. Muito bem. Não, ok, ok, tá tud-ISSO É ESTÚPIDO PRA RAIO!

Ok, ok... *respira* Vamos analisar com calma. Algo parecido já vem sendo feito há MUITO tempo.
Alguns mais velhos (que eu) devem se lembrar das histórias contadas por telefone, que diziam pras crianças pedirem autorização dos pais. Ou, mais recente, cards de Pokémon e jogo online de BeyBlade que diz a mesma coisa, mas pra internet (sendo que o comercial de BeyBlade era feito com adolescentes maiores de 16 anos, num clima bem mais de torneios ilegais que se vê nos filmes, ou seja, eles tentavam pegar um público-alvo maior, mas ainda mantinham as crianças no foco).

 


Ou seja, se há alguma chance da criança estar lidando com algo que ela desconheça (seja custo de ligação de telefone, internet, ou fazer tekitos), eles mandam pedir ajuda/autorização aos pais.

Em teoria, esse ponto não tá errado. No entanto, quem vai consumir o produto, são as crianças ou são os pais?

Se é pros pais, que se faça voltado pros pais. Se pras crianças, que se faça voltado pra elas, que elas se encarregam de chegar no pai e dizer "pai eu quero isso" e o pai vai analisar a situação do produto e/ou financeira pra dar a palavra final.

...porque isso é tão difícil de entender?

Criança não trabalha, então não ganha dinheiro. O máximo é ganhar mesada, mas aí cabe aos pais decidir quanto vai ser, com que periodicidade, e quando a criança vai ter maturidade pra saber gastar.



3-A norma proíbe relacionar os produtos com personagens com apelo ao público infantil.

Como eu falei no início, personagens, desenhos, bonecos, celebridades e músicas com apelo às crianças estão banidos.

...me corrijam se estiver errado, mas isso seria o mesmo que proibir a Sabrina Sato de aparecer num comercial de motos. Se ela faz parte o público alvo das motos, não é lógico botar ela pra chamar atenção?

Isso não é publicidade básica? Bote algo que seja do interesse do público-alvo como isca pra então fisgá-lo com seu produto, ou pelo menos com a imagem/música/etc relacionado ao produto?
Então... Porque? Isso sequer faz sentido, e ainda por cima, nos traz àquela velha tecla batida por todo mundo que eu vi reclamar dessa lei:

NÃO VAI TER MAÇÃ DA TURMA DA MÔNICA!

*DUN-DUN-DUUUUUUUN*

Não só a Maçã da Turma da Mônica, mas também qualquer produto que traga junto um personagem/celebridade com apelo ao público infantil.

O que me leva a pensar que "público infantil" é um termo extremamente vago.

Veja bem, o Superman é um personagem com apelo ao público infantil. Crianças adoram ele, querem ser legal como ele, etc. No entanto, se essa lei for realmente reinar com mão de ferro, imagino se vai deixar de existir camisetas/canecas/etc do Superman feito pra você, leitor de HQs/cinéfilo/fã de longa data do Superman.

Ou as bonecas de My Little Pony do Mac Donald's, que tem forte apelo com o público infantil, mas que também tem sua base de fãs nos seus 20 anos.

Isso pra não falar nos bonecos/capas de gibis/alimentos.
Porque segundo a Resolução, se o personagem está num produto ou está ajudando a vender ele, está "persuadindo a criança e se aproveitando da pobre flor frágil que não pode sequer levar uma palmada ou ser contrariada a comprar aquilo".

Quanto à lei em si, ela NÃO é de todo ruim. Ela é feita com boas intenções, sim, e tem pontos como não incitar a violência. No entanto, a filosofia por trás dela é que me irrita.

Basicamente, ela exclui o papel dos pais, por, ironicamente, fazer que a propaganda seja voltada para os pais.

Que há propagandas pra crianças abusivas? Claro que há. Não só pra crianças, propaganda para todos os públicos imagináveis. Algumas mais diretas, outras menos diretas. Assistam 5 minutos das propagandas da Polishop e verão o que eu quero dizer.

Na verdade, as propagandas pra criança que costumeiramente passam vem com avisos como "movimentos produzidos por computador". Imagina se propagandas de maquiagem decidissem fazer algo parecido e narrassem "resultados produzidos por computador"?



E a própria Lei do Consumidor já deixa claro que as propagandas devem "primar por uma apresentação verdadeira do produto ou serviço oferecido, esclarecendo sobre suas características e funcionamento, considerando especialmente as características peculiares do público-alvo a que se destina".

Ora, se ele manda considerar as características peculiares do público-alvo, porque não só aumentar fiscalização em cima disso, NÃO SÓ PRA PROPAGANDAS INFANTIS, ao invés de "CORTA TUDO MANDA PRO LIXO"?

Criança não é burra, criança entende das coisas. Basta que alguém as ensine a diferença entre a realidade e a ficção/propaganda. Mas o que esses inteligências querem é justamente diminuir o trabalho dos pais (que, convenhamos, a maioria já está sendo muito preguiçosa no quesito "educar os filhos") de ensinar pra que a criança receba tudo mastigadinho porque ela é "muito vulnerável".

Além do Estado querer intervir na criação dos filhos (com a "Lei da Palmada"), agora vem com essa estúpida filosofia. Isso porque eu nem me demorei no fato de que isso vai praticamente matar a indústria de desenhos animados, gibis, bonecos e variantes no Brasil, já que não vai ter publicidade pra eles. Já não temos desenhos na TV aberta há alguns anos (o monopólio das manhãs ficou com o SBT com aquela porcaria que o Bom Dia e Cia. se tornou. Falo sobre isso outro dia, me cobrem. É sério.).



Então, resumindo a ópera. O Estado proíbe os pais de punirem seus filhos, praticamente diz "seu filho é incapaz de pensar por si próprio até os 17 anos, então cabe a você ver as propagandas dos produtos que ele TALVEZ queira, igual a gente faz com bebezinho", o que causará a passos lentos (ou não) a morte de produções audiovisuais pra crianças e adolescentes no Brasil. O Estado diz como você deve criar seu filho, se você disciplinar a criança já é abuso e você é um criminoso; se passa uma propaganda anunciando o boneco do Max Steel sugerindo um cenário de brincadeira, "a criança é incapaz de diferenciar a realidade da propaganda" (mesmo que o narrador fale o tal aviso que eu mencionei). Ou seja, ele nos diz pra criar a criança numa redoma de vidro sem nunca fazer elas pensarem, nem disciplinar elas como elas fazem por merecer, nos levando a um estilo de vida que louvaria os pais que precisam de ajuda da Super Nanny.

E ainda me perguntam porque eu não quero ter filhos.

Concorda? Discorda? Quer mandar uma ameaça de morte? Deixe nos comentários abaixo.

Fontes:
http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=4026&titulo=Uma_norma_para_acabar_com_os_quadrinhos_nacionais

http://defesa.alana.org.br/post/82994668848/entenda-a-resolucao-que-define-a-abusividade-da
http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=4&data=04/04/2014

http://www.feedbackmag.com.br/a-lei-da-publicidade-infantil-e-como-ela-afeta-a-producao-cultural-para-criancas-no-brasil/

Agradecimento à Nanda  Bender do http://arcaderabiscos.blogspot.com.br/ que achou as imagens das tele-histórias.