A Bela e a Fera (2017)


Às vezes eu me pergunto se o público entende um filme, bem como seu legado. Porque, veja bem, eu entendo um público leigo gostar de Malévola ou mesmo de Alice do Burton. São filmes feitos pro denominador comum e não se importam em cagar em cima do original sem nenhuma cerimônia.
E eu me sinto ofendido por esses filmes não tratarem o legado de seu fundador com mais respeito, mas eu sou um nerd obecado e apaixonado pela forma como o estúdio revolucionou a animação, eu claramente não sou o público-alvo desses filmes. Não senhor, esses filmes são feitos tendo o tumblr em mente, isso eu tenho certeza.

Mas sinto muito, não vai ser agora que eu vou parar de reclamar e xingar esses filmes que insistem em destruir o legado de Walt Disney. E sim, a resenha vai ter spoilers, como sempre nesses casos, eu tou fazendo um favor a você.

Então falemos sobre A Bela e a Fera.


Pra você que viveu debaixo de uma pedra se alimentando de vermes e fotossíntese nesses últimos 30 anos, primeiro reúna cientistas e relate o que viveu, depois volte que eu vou lhe contar sobre o filme.


Bela e a Fera foi um filme animado parte da Era conhecida como Renascença Disney, onde o estúdio se salvou de mais uma crise financeira, e trouxe algumas das melhores animações de sua História. O filme narrava sobre um príncipe que, por ser babaca e negar abrigo a uma mendiga, foi amaldiçoado a se tornar uma besta eternamente, a menos que ele aprendesse a amar e ser amado em retorno. Seus criados se tornaram parte da mobília como parte da maldição.


Até que em uma bela manhã de sol, um inventor de uma aldeia viaja pra vender seu invento, mas acaba prisioneiro no castelo do príncipe Fera. Sua filha Bela, ao saber, troca de lugar com seu pai e acaba descobrindo sobre a maldição do castelo e talvez seja a única capaz de quebrar o encanto.
Blábláblá, jantar, Gastão, rosa, lucros.



Esse live action faz algumas mudanças boas, então comecemos por elas, já que vai ser um tempo bastante curto.


Quando o filme começou, eu achei que iríamos ter algo até bom. Ao invés de contar o backstory da lenda como vitrais (o que funciona perfeitamente no original), ele “show, don’t tell” literalmente. Até que ele começa a mostrar suas falhas, quando o príncipe não faz o que o narrador narra.

Mas ao menos eles dão uma justificativa pra ninguém se lembrar do castelo ou de seus moradores, porque a maldição apaga as memórias do povoado.
...o que ainda não tem muita justificativa, porque dava pra levar a história sem isso, mas ok, bota o castelo e seus habitantes como um universo à parte, e dificulta o quebramento da maldição porque... Sei lá, a bruxa era cruel. Eu vou trazer isso de novo lá pra frente, nem se preocupem.

Outra coisa boa, Kevin Kline. A primeira cena que ele aparece é um primor da narração visual, tudo que tu precisa saber tá na tua frente, de uma forma natural e sutil, e a atuação dele realmente paga. Ele é sério, gentil, esforçado, e é claramente um homem traumatizado pela morte da esposa.

Eu vou trazer isso lá pra frente também. Vocês vão notar um padrão.


Que mais, que mais... Ah sim, as sequências de Gaston e Be Our Guest são fantásticas, mas cada uma tem seus próprios problemas que acabam distraindo do resultado final, e eu já já falo disso.

A única cena que eu consigo imaginar que é 100% ideal é a The Mob Song, mas porque se você consegue estragar The Mob Song, você vai fazer isso de propósito e com muito esforço. Se bem que a maioria dos problemas aqui veio de propósito, então eu sei lá.
Isso porque eu tou ignorando a sequência aleatória de atitudes do Gaston antes dessa música.

Ah, e a trilha sonora do Alan Menken, que tá no nível Broadway mesmo, vide a versão Broadway de Corcunda de Notre Dame. Mas algo me diz que a história de Quasímodo teve um melhor resultado que esse filme. Sei lá, a música de Corcunda é cheia, volumosa, grandiosa, mas ao mesmo tempo parece mais focada, ao contrário de Beauty and the Beast.


Ok, já falei as coisas boas. Vamos pra segunda parte da crítica, a qual eu chamarei carinhosamente de “vamos fazer alguns inimigos”.


A história é uma merda. Eu vivo dizendo aqui, eu compreendo completamente que mudanças precisam ser feitas numa adaptação, mas ao mesmo tempo ter o espírito do original.

Esse filme sequer tem um espírito por si só.

Certos filmes como Jungle Book tentam te fazer lembrar do original, mas ainda te dar algo novo dentro do universo que ele criou agora. E funcionam, Jungle Book respeita e admira o filme de 67. Outros tentam fazer algo totalmente novo e diferente, como Oz: The Great and Powerful. E em certa medida, funciona. Muito se deve ao fato de Oz não ter nenhuma animação Disneyana pra se basear, mas ainda assim ele pega uma ou outra referência de algumas produções de Oz pra fazer a própria história. Alice do Burton tentou fazer algo totalmente original e falhou miseravelmente em todos os sentidos.


Bela e a Fera tenta fazer quase uma refilmagem do original ao mesmo tempo que tenta ser um pouco original, e falha miseravelmente em ambos.


Comecemos pelo elenco. Dan Stevens não é necessariamente ruim como Fera, e a princípio seria uma criatura totalmente feita por efeitos práticos. O que seria sensacional por si só, aliás. Mas resolveram fazer o rosto em CG e... Rapaz... Não funciona muito bem. O Fera original tinha presença, a silhueta era massiva, mas ao mesmo tempo confortável. Ele conseguia ser amável e ameaçador ao mesmo tempo, e havia humanidade em seus olhos, que eram bastante expressivos. Aqui, você tem sorte se conseguir olhar pro Fera e não ver um cara usando trocentos sensores na cara pra animar um modelo em 3D. A atuação é boa, mas o conceito atrapalha o resultado final.

Embora o figurino dele funcione no decorrer do filme, mostrando uma certa evolução do personagem, não fez mais do que a obrigação dele, já que o clássico de 91 também fazia isso.



Emma Watson... Como eu consigo ser delicado?
Emma Watson tem tanto carisma quanto um pacote de batata Ruffles, e atua tão bem quanto uma banana cujas manchas na casca acidentalmente fazem um rosto.

Ela basicamente tem duas expressões: testa franzida e olhando pra uma tela verde com uma cara de pastel. Ela tenta fazer outras expressões, mas convence tanto quanto aquela sua tia que diz que "segunda-feira eu começo o regime".


Eu juro, não é piada: em vários momentos do filme eu ria compulsivamente da atuação da Emma, pelo simples fato da moça parecer tão perdida, tão sem foco, sem emoção. Eu não conseguir ver a Bela, eu só via Emma Watson fazendo um cosplay da mascote do Leite Moça e que por alguma coincidência se chamava Bela. “É ISSO que eles querem que a gente leve a sério?”, eu pensava cada vez que eu via aquela expressão de R$ 2,50 estampada na cara da Hermione.

Um exemplo perfeito é a sequência de Be Our Guest. Toda a sequência é bem feita, divertida, fiel ao original ao mesmo tempo que toma liberdades, é um espetáculo e funciona a favor do roteiro, ao mostrar o quanto aquela mobília queria servir alguém, assim como no original. Mas o que estraga a experiência, o que distrai de toda a parte divertida, é quando eles cortam pra Emma olhando pro vazio com a mesma empolgação que tu assistia aula no Ensino Médio. Eu juro, eu quase consigo ver o reflexo do pano verde-fuschia nos olhos dela, de tão falsa que ela aparenta.


O que é interessante, porque essa falha tu pode notar no maldito trailer do filme; e algumas pessoas ainda tiraram seu tempo pra fazer vídeos e gifs animados comparando a primeira vez que Bela vê a Fera e se assusta. Tu nota claramente que a versão animada é muito mais emotiva e palpável do que Emma, e ainda assim tinha gente “Ai nossa ela tá perfeita como Bela <3” MINHA FILHA ESSE GIF QUE CÊ ACABA DE POSTAR PROVA POR A+B QUE ELA É UMA ESCOLHA TÃO BOA QUANTO RICK MORANIS COMO BATMAN.



Se você gostou da Emma como Bela, provavelmente é baseado na sua nostalgia por Harry Potter, ou por Disney em geral.


E não, ela não consegue cantar como deveria, música é metade emoção e ela não consegue te entregar isso. No caso de Emma, a outra metade é autotune, até porque a voz dela é suave, não consegue alcançar notas mais altas. Ao menos eu imagino que seja, pelo que eu ouvi da OST. Eu vi no cinema dublado e Deus sabe como eu não pretendo ver esse filme de novo tão cedo.

A propósito, Lily Collins tava na lista de provável Bela, mas não pegou o papel. Dá uma googleada no nome dela e tu vai ver como só nessas imagens ela tem 10x mais cara de Bela do que a Emma Watson.


A mobília, que seria o casting mais estranho e errado do filme, acaba não sendo tão estranho ou errado como eu imaginei. Se bem que, de novo, eu vi a versão dublada.


Mas os designs da mobília são meio estranhos ainda, em especial Cogsworth, que não tem tanta expressão quanto deveria. Mas eu não sei exatamente quem culpar, eu entendo e aprecio o conceito dele ser um personagem mais mecânico. E boa decisão em tornar Plumette em uma espécie de ganso, dá mobilidade pra ela voar e limpar áreas altas das salas.

Gaston e Le Fou parecem se divertir enquanto fazem seus papéis, e até exploram mais o backstory de Gaston, explicando porque ele é o herói do povo.

E sim, falemos sobre o elefante na sala. Toda a polêmica sobre LeFou sendo gay (que eu pessoalmente não acho que seja um conceito que deva ser explorado em um filme familiar e/ou pra crianças), o diretor (que tem seu nível de babaquice) disse que era um “momento pequenininho”.


Não, não é. São vários momentos, esfregado na tua cara, enfiado na tua goela. E sim, é algo que distrai, especialmente porque já se criou toda a polêmica, e isso acaba saindo pela culatra no resultado final.

E mesmo que não tivesse, é algo que é obviamente um movimento político, feito pra seguir uma agenda, é colocado ali porque os gráficos disseram, porque os acionistas querem, e isso é trazido à tona, exageradamente, artificialmente, de novo e de novo e de novo.

“Ah mas crítico tal disse que é quase nada” ou ele é burro ou desonesto.


E o roteiro, bem como sua execução, são uma bosta.


Quando se faz um remake, se espera que a história se mantenha fiel à original, mas adicione plotpoints que expandam a história. E nas formas sutis, eles fazem isso: Gaston lutou na guerra; regras da maldição são melhor explicadas; o pai da Bela não é só um inventor meio maluco, mas sim uma espécie de Gepeto; e há até uma relação interessante entre as pétalas caindo e o castelo sendo destruído.


Mas ao mesmo tempo, ele coloca plotpoints que não fazem o menor sentido, te dão a ilusão de que vão pra algum lugar com isso (como Jungle Book, que tem um elemento novo e de fato o usa bem e tenta dar um certo contexto pra isso), mas no final acabam nunca mais sendo mencionados ou não fazem a menor diferença no final, e acabam sendo oportunidades desperdiçadas.

Um deles é que Fera teve uma infância difícil com um pai abusivo. Ok, aceitável, faz sentido. Aí cortamos pro flashback da morte da sua mãe e ele pirralho cantando pra ela ou algo assim. Então chega seu pai e o tira de lá.

...é isso? Sério? Com licença, mas que raio foi isso?

Bastava ter dito que o pai era abusivo, explicaria a atitude mimada do He-Man. Pra que raio mostrar um flashback, e pior ainda, nesse flashback sequer mostrar algum momento do pai sendo abusivo? Eu jurava como ia ser uma sequência um pouco mais longa e mostrando como gradativamente seu pai ficava mais e mais agressivo após a morte da esposa, intercalando com a reação do Fera lembrando desses momentos e entrando em agonia.


E sim, o nome do Fera é Adam, e na primeira dublagem brasileira do original, o dublador foi o Garcia Jr., que também dublou He-Man E  Gaston.

Agora você sabe, e saber é metade da batalha!

Oh, e fica melhor.


O Fera mostra a biblioteca pra Bela, e mostra até que é um rapaz estudado. O que faz sentido, sabe-se lá quanto tempo ele tá lá, o que ele tem pra fazer fora ler, chorar em posição fetal, e talvez dar um susto nos funcionários vez ou outra?

Mas ele mostra a ela um livro que a feiticeira deixou como “uma piada cruel”, porque o tal livro mágico pode levar ele pra qualquer lugar do mundo.
...oh, não, por favor, tudo menos isso…


Além de ser um plotpoint sem sentido com uma justificativa frouxa (na teoria seria pra mostrar que mesmo que o Fera viaje o mundo todo, todo mundo vai ter medo dele; mas a gente nunca vê isso na prática então... qual seu ponto?), poderia servir pra satisfazer o desejo de Bela na sua canção de apresentação (“I want adventure in the great wide somewhere “), de ver o mundo e blablabla. Mas não, NUNCA MAIS esse livro é mencionado, nem antes, nem depois, jogando pela janela todo um leque de possibilidades.


E o layout de cena vira e mexe é sufocante demais, especialmente na sequência musical de Gaston. Enquanto no original era belo, grandioso e bem coreografado, aqui ainda pega aquele clima brega de musical live-action Disneyano (lembrou alguns momentos de Pete’s Dragon e Darby O’Gills), mas o trabalho de layout não te deixa respirar, os personagens e elementos tudo muito perto uns dos outros em uma taverna minúscula, estragam o clima que poderia ter. Talvez se tivesse menos gente seria mais bonito de se ver.


Eu nunca fui muito fã do original de 91. Mas depois de começar a estudar a História do estúdio, eu consigo gostar e respeitar o filme que mostrou pros bossais do Oscar que animação era arte, e isso é muito. Foi o primeiro e único filme indicado pro Oscar de Melhor Filme, e criou o Oscar de Melhor Animação, numa época que o Oscar ainda tinha alguma moral. E esse é um legado muito difícil de sequer chegar perto.

Esse filme me fez gostar ainda mais do original, todo o esforço, toda a emoção. Quando Bela vê que seu pai está em perigo, o Fera só diz “vai lá”, enquanto no original tu consegue sentir a dor dele, tanto nas expressões como no tom de voz, ele tem uma certa dificuldade de dizer que ela não é mais prisioneira dele.


Ou a sequência da dança, onde no original seja um momento relativamente rápido, há um build-up, o momento em si é simples, doce, mas carregado de sentimento, há aquele momento onde os dois começam meio tímidos, mas aos poucos, principalmente Fera, vai se soltando, sorrindo, ele olha pra Lumiére e pra Cogsworth e eles tão lá torcendo, e Fera se sente realizado. No live action, acontece porque no original também acontece. É como se fosse aquele teu trabalho do colégio sobre o Barroco, tu fez o mínimo possível porque era o que tu precisava fazer pra ganhar uma nota.


E o que mais me irrita, é que tudo, TUDO, desde a polêmica com Le Fou, a escolha de Emma Watson, os visuais realistas (que acabam sendo sombrios demais pro 3D, e olha que eu não tive problema com Godzilla de 2014), é TUDO feito pra ganhar uma grana fácil. Depois que a Disney descobriu com Alice do Burton que essa era a hora certa pra investir em remakes live action (porque já tivemos outros no passado, como dois longas de Mogli, dois de 101 Dálmatas, Flubber, dentre outros), eles vão botar o mínimo de esforço e certeza que vão lucrar 4x mais em bilheteria, venda de merchandising, e músicas no iTunes. E logo que o DVD sair, eles vão absolutamente esquecer dessa bosta e vão voltar suas atenções ao original, por ser clássico e atemporal.

E na real, essa é a melhor opção. Esqueça essa versão, ignore. Ela é literalmente esquecível, dispensável, irritante, e desnecessária. Os próprios produtores do original disseram que não dá pra replicar o sucesso de Bela e a Fera, então pra que tentar? Só pra ganhar uns trocados às custas do legado do estúdio.


Bela e a Fera de 2017 é basicamente um tolete de matéria fecal com glitter, e nem o glitter é suficiente pra te fazer dizer “nossa que brilhante”.
E se você ainda gostou desse filme e acha que a Disney não pode errar, talvez esse seja o real caso de Síndrome de Estocolmo.

Sério, gaste teu tempo com algo bem mais curto e mil vezes mais proveitoso, tipo esse vídeo.