Tio Walt - Parte 8: Freio no Cartão
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Bela Adormecida fez sucesso na crítica, mas foi ridiculamente custoso. Os designs muito específicos em alta definição fez com que o retorno do projeto não fosse muito bom, o que levou Walt a demitir maior parte do pessoal pra reduzir custos.
Entretanto, Ub Iwerks, responsável pelos processos especiais e criador da câmera multiplano, fazia experimentos com o processo de xerox. Goliath II foi o teste que o estúdio fez pra ver se era viável.
Após o sucesso do experimento, os animadores apertaram suas mãos tal qual os cientistas da NASA ao descobrirem que em Marte há uma raça de alienígenas governada por um vulcão de bicarbonato, e Walt deu luz verde pro próximo longa: 101 Dálmatas.
Que por algum motivo aqui no Brasil, na época, se chamava A Guerra dos Dálmatas.
Eu nem consigo fazer uma piada com isso.
A história conta sobre Pongo, o dálmata cujo dono é um compositor de músicas que mora num kitnete em Londres. Pongo tá cansado da vida de solteiro, e decide arranjar uma parceira pro seu dono. Graças às Leis da Conveniência Universal, ele encontra uma moça bonita com uma dálmata igualmente bonita.
Eles se casam, os dálmatas tem dalmatinhas, que logo ficam na mira de uma amiga de faculdade da moça, Cruella DeVil. Que com um sobrenome desses, eu imagino que ela tenha algum parentesco com a Rainha Mariana da Branca de Neve.
...hm...
...foco! Tamos falando de dálmatas!
Enfim, Cruella contrata dois capangas pra raptar os dalmatinhas pra fazer um casaco de peles, mas os animais se ajudam, blablabla, latidos, carros, lucros.
O processo de xerox de fato diminiu drasticamente os custos de produção. Antes, os animadores faziam as sequências em papel normal, e então mandavam pros pintores, que iam passar a limpo a animação bruta pra folha de acetato, removendo os traços de rascunho. No entanto, esse era um processo caro e demorado, mas com o processo de xerox adaptado por Ub, era algo quase instantâneo, mas que tinha seus contras.
Por exemplo, a animação final fica com um aspecto mais "sujo", tu nota mais os traços de rascunho dos animadores, e isso pode acabar distraindo um pouco.
A animação em si continua boa, mas tu nota que eles tiveram um orçamento beeeem reduzido. Várias vezes uma animação é reutilizada, às vezes mais de uma vez. Mas isso gerou algumas idéias muito criativas, como fazer o processo de rotoscopia na perseguição dos carros usando modelos de papelão.
Mas infelizmente o filme em si é "meh". Eu diria que é o primeiro longa Disney que me passou esse sentimento (fora os filmes pacote). Pela primeira vez, não consigo sentir aquela empolgação, aquela criatividade, aqueles designs interessantes ou bichinhos fofinhos, como em Dama e o Vagabundo. O único design que é interessante é o da Cruella, e a personagem em si é divertida. Mas ela passa pouco tempo na tela, logo não tem muito o que gostar dela. Suas motivações são quase tão imbecis quanto da Malévola, só que Cruella é bem.. cruel.
Eu queria ver mais de Cruella, pra então ter uma base melhor pra odiar ela, e me divertir odiando ela.
Todos os outros personagens seguem muito o padrão básico, não tem muita surpresa. O que é engraçado, porque foi baseado em um livro, e a autora queria mesmo que o estúdio fizesse um filme sobre o livro. E na opinião dela, eles até melhoraram a história. (O que faz sentido, personagens e conceitos foram cortados ou alterados pra história fluir melhor, e no original tinha bem mais coisa)
Mas a idéia geral que o filme dá é que não foi totalmente pensado. Sente-se que falta algo, falta aquela paixão, aquela emoção dos outros longas. Não há isso aqui, embora o filme tente colocar e até funciona em alguns momentos. Mas é uma história travada, lenta, e o filme não se esforça muito pra que ela se torne interessante.
Agora, eu AMO os cenários desse filme. |
Talvez menos desenvolvido, mas né. Babes in Toyland (conhecido na nossa terrinha da pizza com rapadura como O Mundo Encantado dos Brinquedos).
O Espantalho chega na casa de Mary, onde a propõe casamento. Daí a história se desenrola, e tem outro plot onde eles vão parar na fábrica de brinquedos do Chapeleiro Maluco, blablabla, nanicolina, brinquedos, lucros.
Ok, comecemos então pelo pontos fracos do filme: os personagens são ridiculamente mal desenvolvidos.
Tom e Mary são a quintessência do casal de contos de fada perfeitinhos, mas nem passar o charme o suficiente eles conseguem. Há muito pouco espaço pros atores fazerem algo de interessante com os personagens, embora eles tentem e em alguns momentos os personagens tem até sequências divertidas, mas que não são o suficiente pra manter os personagens como gostaríamos.
Entretanto, eu creio que haja um bom motivo pra isso. Toda a produção tenta pegar o clima de conto de fadas, de cantigas de roda, de coisas que acontecem movidos mais pela emoção que pela razão.
E o design de produção é lindíssimo. O filme se apresenta como sendo literalmente uma peça de teatro.
...uma peça com efeitos visuais e cortes de câmera, mas ainda assim!
O cenários são criativos e não tem aquela necessidade te tentar te enganar: tu sabe que é falso, mas é tão bonito que tua única reação é deixar passar. Fora as performances de dança, em especial na abertura, nos ciganos, e no Espantalho.
Oooh sim, a melhor parte do filme, junto com o Chapeleiro Louco. Rapaz, como o vilão é divertido. Ele é o antagonista esteriotipado vaudevilliano, com cartola, bigode, capa preta, e Ray Bolger se empolga e se diverte ao interpretar o personagem. O único motivo que eu consigo imaginar pra ele não ser um dos vilões Disney mais bem lembrados é porque ele não é 2D e porque o filme não tem uma boa divulgação.
Isso até eles anunciarem remake né. Eu duvido nada.
Além dos designs de set e algumas atuações divertidíssimas, o filme tem alguns momentos em que tu primeiramente coça a cabeça e depois só aceita a situação.
Por exemplo, um dos meus momentos favoritos foi quando Garcia e Bernardo foram anunciar a Mary que Tom havia se afogado. Eles tavam disfarçados de piratas e começaram a cantar. Porque motivos!
Tem outro momento em que Mary pondera se deve casar ou não com Barnaby. E então ela começa um número musical sob as mesmas substâncias dos Elefantes Rosa sobre como ela não sabe fazer cálculos financeiros.
É sério.
E já que falei nas músicas, elas tem um papel fundamental na história. Vários diálogos são levemente cantados (se é que isso faz sentido), e são rimas gostosas de se ouvir, quase que um padrão Seussiano.
Sim, algumas coisas conseguem datar demais o filme, como os equipamentos do asisstente do Toymaker, que tem uma forte influência da época. Mas eu não sei, ainda é um filme deveras divertido. É muito memorável? Não necessariamente. Digo, Barnaby e os capangas são ótimos, Ed Wynn é ridiculamente engraçado e divertido de assistir, e as sequências musicais tem aquele clima de peça teatral que dá um gosto especial. Se você conseguir passar pelos protagonistas planos e uma história argumentalmente fraca, vai encontrar muito o que gostar daqui. Não é um clássico atemporal ou a melhor adaptação da história (ao menos é melhor que a versão de 1934 com o Mickey-pesadelo), mas ainda é divertida o suficiente e com uma ou outra coisa memorável. Vale a pena assistir sem muito compromisso.
Ah sim, e isso aconteceu |
No entanto, não era pra ser esse filme. Não senhor, Walt tinha um projeto em mente desde Branca de Neve, e agora parecia a melhor hora pra fazê-lo. Um projeto apresentado no seu programa Disneyland pelos Mouseketeers, The Rainbow Road to Oz.
Há tempos quero escrever sobre esse projeto e agora me parece o momento ideal.
Até porque não daria um episódio de A Maravilhosa Resenha de Oz, porque... Bem, tem 10 minutos.
Eu também demorei a falar sobre isso porque olha isso dá medo mano se lascar |
Enfim, nesse especial temos algumas artes conceituais e demonstrações de sequências musicais e dança. E... É, não funciona. Tu pode ver no final do episódio que Walt parecia notar naquele exato momento que não ia funcionar.
O Mágico de Oz de 39 é atemporal, tinha uma ciência muito exata. Tanto é que uma das sequências deletadas, Jitterbug, datava o filme de uma forma incrível. Embora tu note traços do tempo nas outras sequências, elas se sustentam muito bem até hoje. Rainbow Road não, tu nota que pega muita referência da época, e os elementos simplesmente não batem muito bem. Embora sejam bem executados, e o trabalho de maquiagem e figurino seja muito bom.
O Leão claramente sofreu corte de orçamento em comparação o da MGM, mas nota-se que teve um esforço ali.
Walt sabia que isso não ia funcionar, e que ia causar muitas comparações com o clássico de 39, que ia afundar ainda mais o filme. Então deu luz verde pra Babes in Toyland, onde tu nota que ainda tem muitas influências conceituais desse projeto, por se passar em uma espécie de palco, um set de gravação, sem tentar te enganar.
Se tiver curioso, o episódio em questão tá aqui, e aqui tem um extra do DVD de Oz: The Great and Powerful sobre a história do estúdio com Oz.
Também foi lançado um LP chamado The Songs of Wizard of Oz, pela Disneyland Records, bem como adaptações da história em áudio (The Story and Songs of Wizard of Oz e The Story of The Wizard of Oz da linha Read Along).
...hm, talvez dê pra fazer um episódio da Maravilhosa Resenha. Pensarei no caso.
Pois bem. Sword in the Stone (conhecido na terra do Zé da Viola como A Espada era a Lei) teve uma história parecida.
Nos anos 40 mesmo, Walt estava com um projeto sobre a história do galo Chanticleer, que liderava uma fazenda porque todo mundo achava que o seu canto que fazia o sol aparecer. Walt juntou a idéia ao projeto da raposa Reynard, mas acabou envagetado até os anos 60. Dois animadores acharam o projeto e uniram ao desejo de fazer algo mais parecido com um espetáculo da Broadway, e começaram a desenvolver o filme. Enquanto isso, Roy tentava convencer Walt a parar com as animações pra poder injetar dinheiro nos dois parques, ao qual Walt respondeu com uma gargalhada.
No entanto, ele sabia que um dos projetos deveria ser engavetado, e Sword in the Stone foi escolhido porque animar humanos era mais barato que animar animais. (Mas se tiver interessado, tem concepts na Disney Wiki)
Eu imagino que a decisão de transformar os personagens em animais em vários momentos do filme seja de algum animador zueirão, mas divago.
A história nos conta sobre a morte do rei, que levou a um tempo em que a Inglaterra ficou desgovernada, prestes a ser quebrada em pedaços. Vindo da manga do roteirista, aparece uma espada em uma pedra, com a inscrição de que aquele que conseguir puxá-la, será o novo rei. Muitos tentaram, todos falharam. Então o povo decidiu que o novo rei seria escolhido através de uma peia federal, porque é mais divertido assim.
É o que eu sempre digo, o governante de uma nação deveria ser escolhido no ringue de MMA ou em um duelo Pokémon.
Hoothoot voltou pra pokébola! |
O conceito do filme não é ruim. Ao invés de focar nas lutas de espadas, cavalos, e em originar piadas de Capitão Planeta, eles falam mais sobre animais, um pouco de filosofia, e etc. Mas... É basicamente isso. E embora seja um conceito massa, não é bem explorado.
Acaba sendo um filme extremamente maçante de se ver. Eles tentam ser algo mais pra criança, sim, mas ainda assim, não é interessante, ou contado de forma atraente. É bem direto e simples, mas precisava de algo mais pra tornar divertido.
Por exemplo, as transformações são criativas, mas a forma que eles passam as lições são muito limitadas, quando o conceito era pra ser mais ensinando um moleque como ser um bom rei, um homem justo, e blablabla. Aí eles se prendem a coisas mais banais, ou a cenas de ação, ou engraçadinhas, e a mensagem acaba ficando em segundo plano.
A animação é... Rapaz... Digo, eu sei que o estúdio tava passando por dificuldade financeira na época, mas pelo amor do raio, algumas sequências tão quase do nível de Hanna Barbera. Além das cenas recicladas, aqui há mais daqueles momentos onde um personagem fica parado e a animação consiste no mínimo necessário, como olhos piscando ou barbatanas mexendo. E graças ao processo de Xerox, as falhas ficam ainda mais evidentes.
E em alguns momentos, tu nota que os personagens ou a câmera não se movem com a mesma fluidez de antigamente. É distrativo.
Mas os cenários ainda tão supimpa. |
O melhor personagem ali é o Merlin, de longe. A forma que ele fala, que ele é animado, a dinâmica entre ele e a coruja tsundere Arquimedes, a magia, o fato dele ser de fato sábio e saber quando e como usar os poderes, ele é um personagem muito divertido de se ver. Em Kingdom Hearts ele tá melhor, na minha opinião. Ele tem um peso maior, e há o mesmo tipo de respeito ao personagem.
E sim, ele foi baseado em Walt Disney, assim como Yen Sid.
É um filme interessante pra crianças, elas podem gostar das transformações, do pouco slapstick que tem (e nem tão bem executado no segundo ato), de algumas cenas com cavaleiros, e até aprender uma coisa ou duas. Mas se quer um filme com mais conteúdo, mais bem produzido, e mais interessante, esse é um pra deixar passar.
E não só isso, mas esse foi o primeiro filme animado dos Irmãos Sherman, que já trabalhavam com o estúdio e os parques há algum tempo.
E na próxima parte, veremos um dos grandes feitos dos irmãos, bem como, na minha opinião, o melhor filme Disney até hoje.
Clique aqui pra ler a próxima parte
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