Descendentes 2


Se você lembra bem, há dois anos eu escrevi uma resenha de Descendentes , filme original do Disney Channel que me fez perder vários neurônios por vários fatores problemáticos, principalmente relacionado à construção do mundo.
Mas eu admiti que havia bons conceitos ali, só que estavam sendo usados com tanta habilidade quanto um orangotango míope manejando um arco e flecha em chamas.
Aliás, o orangotango seria mais útil, porque acabaria botando a si mesmo em chamas e correndo pelos inimigos, espalhando o fogo. Um sacrifício nobre de sua parte, se me perguntar.

Enfim, quando anunciaram a sequência eu naturalmente fiquei preocupado. Vão voltar a gastar dinheiro em uma franquia que não sabe o que fazer consigo mesma, e quer passar a seu público-alvo a impressão de que eles tão recebendo mais do que a realidade.
Mas esse parece ser o modus operandi comum da Disney hoje, especialmente se tratando de suas IP's clássicas.

E aqui no SRT, quando podemos, trabalhamos com pontualidade, qualidade e traquinagem. Então resolvi gastar meus neurônios me preocupando com a saúde de meu computador que passou quase dois dias inteiros pra baixar esse filme, só pra gastar mais alguns neurônios e exercer meu papel de pitaqueiro semi-profissional.

E assim como o primeiro filme, eu fui assistir esperando pouco.
E fui surpreendido.
Positivamente.

Vocês me ouviram.


A história começa quando Mal sente falta da sua vida antiga na Ilha. Ela se sente deslocada e sob muita pressão em Auradon, namorando o jovem rei Ben, e e prestes a se tornar uma dama do reino ou algo assim.
A guria de cabelo roxo sente falta da vida mais simples e divertida na Ilha, brigando com outras gangues, roubando doces, e espancando otakus tal qual um jovem saudável de classe média. Bate a louca na Mal e ela resolve voltar pra Ilha e retomar sua área. Ben se sente culpado por botar muita pressão na Mal e resolve ir convencê-la pessoalmente a voltar, junto do resto da gangue. Enquanto isso, Uma, filha da Úrsula, descobre que Mal está de volta e quer acertar as contas.


Embora o plot principal seja bem simples, há vários subplots durante o filme, que são... Até interessantes. Jay tem um desacordo com Chad, após ver que Lonnie tem habilidades com esgrima. Sim, esqueça aquele jogo que misturava futebol americano com duelos medievais, por nenhum motivo (exceto que eles vão lutar contra piratas no final do filme(, o foco esportivo agora é esgrima. Mas segundo o livro de regras, garotas não podem participar, o que causa o conflito entre os personagens.
E não, nunca é trazido um discurso facebookista de "empoderamento feminino", é tudo feito na sutileza, o que é um ponto favorável.

Carlos (agora interpretado pelo Whindersson Nunes) tenta chamar Jane pra ser seu par no baile, o que leva seu cachorro a poder falar.
...eu sei, colocado desse jeito soa imbecil.

Evie também está supersatisfeita em seu novo negócio de designer de moda, e junto com Doug, o casal gerencia uma espécie de loja dentro do colégio. E os dois são tão fofos o quanto você espera, sem ser tão melosos.
...eu acho. Eu provavelmente tenho algum tipo de bloqueio pra detectar essas coisas.

Tem um subplot entre o Chad e a Audrey, mas vamos ser francos, foi só pra não ter que pagar a atriz, ninguém se importa com eles mesmo.


O primeiro ato do filme serve basicamente pra contar todos esses subplots, e embora isso seja feito de uma maneira debativelmente preguiçosa (vamos de um ponto pro outro quase fazendo uma checklist), é um pouco mais desenvolvido do que você espera. Os diálogos não soam TÃO forçados, e conseguimos compreender bem os dilemas dos personagens. Ao menos pro nível Disney Channel.

Uma das melhores coisas do original (aliás, uma das poucas coisas boas) eram as interações entre os filhos dos personagens clássicos, e o filme faz um ótimo trabalho em focar neles. Os moleques são legitimamente personagens interessantes, com problemas e personalidades palpáveis ao seu público-alvo. Evie parece ter passado por um processo de amadurecimento incrível durante esses seis meses que separam os filmes, e a atriz consegue mostrar isso. Ela é uma mulher de negócios, uma estilista, age menos como uma criança maravilhada com castelos e vestidos e mais como uma jovem adulta com boleto pra pagar e uma vida a viver.

E isso é natural, aquele encantamento inicial se acabou e o que ela mais teme é ter que voltar pra Ilha e ficar lá. Mas ela enfrenta isso pela Mal.


Embora Carlos e Jay não tenham tanto foco quanto as meninas e Ben, eles também mostram sinais de amadurecimento. Carlos começa a sair da sua zona de conforto, e começa a tomar algumas decisões que não são de seu feitio (como forçar os 4 a se sentarem e conversarem abertamente sobre seus problemas), mas que faz parte do desenvolvimento dele.
Lá pro fim do primeiro ato somos apresentados a Uma e sua tripulação e...É uma das melhores coisas do filme.


Porcelana Ana McClaim faz um ótimo trabalho e se diverte com uma personagem que, sinceramente, não é difícil de fazer se você se diverte na temática. Ela é uma pirata, ela é má, é respondona, e mesmo sem ter uma história de fundo bem explicada, ela consegue ser interessante de se assistir. O cara que faz o Harry Hook tá desesperadamente tentando um papel de jovem Jack Sparrow em algum lugar, e Gil é basicamente o Moose dos quadrinhos Archie.

Mas sim, a fotografia é
bem zoada.
Oh sim, Gil é filho do Gastão. O único personagem que faz sentido existir mesmo com seu pai estando morto. Sabe-se lá quantas novinhas Gaston se envolveu antes de Bela e a Fera.

E a título de curiosidade, segundo os livros, Capitão Gancho teve três filhos.

Assimile isso por um segundo.


E já que falamos nisso, esse é um dos pontos que me deixou do mesmo jeito que eu fiquei no primeiro filme. O modo "MEU DEUS DO CÉU ALGUÉM EXPLICA ALGUMA COISA", porque eles só jogam informação na tua cara e continuam não dando explicação de onde raios surgiu esses moleques.

Felizmente, dura pouco e o único progenitor a ter algum destaque mesmo é Úrsula, e só vemos um tentáculo renderizado num 486 movido a gás e uma fala feita pela Red Flower em Descendentes.


As atuações em geral são até boas, considerando que alguns ali são incrivelmente novatos. Jane, por exemplo, não tem outros créditos no IMDB além de Descendentes, e consegue passar uma personalidade ordeira, simpática e inocente. Dove Cameron é uma boa atriz, e Sofia Carson começa a mostrar várias facetas da mesma personagem, o que é ótimo, por sinal. Mas infelizmente, nem tudo é perfeito, e às vezes até atores bons conseguem dar uma performance ruim devido a um direcionamento errado do diretor. Eu lembro de uma cena em específico que me chamou atenção, onde os personagens precisavam ser silenciosos e rápidos, mas a forma que os diálogos foram entregues foi totalmente sem emoção.


Mas quem leva a cereja do bolo é o ator do Ben, que... Não foi ruim no primeiro filme, mas agora como há mais foco nele... Eh.
Vira e mexe sua performance soa incrivelmente forçada. O tom da voz é próximo de uma leitura e o ator não consegue passar a expressividade necessária. Eu não sei se o ator não conseguiu entregar um bom trabalho ou se o diretor não soube direcionar o moleque, mas é um pouco sofrível.

E olha só, até das músicas eu consegui gostar mais. Enquanto o primeiro só nos deu Rotten to the Core (e ainda assim, eu gosto dela meio que ironicamente), aqui há ao menos 3 boas.

O que estraga é o maldito autotune.


Afinação digital é um recurso que MUITAS celebridades vem usando, e por qualquer motivo resolveram abusar disso aqui. Quando Ways to be Wicked tem vozes solo é impossível de não notar, mas com vozes em coro até que fica legal. What's My Name é grudenta o suficiente, e Porcelana consegue cantar pop. Há alguns efeitos nela e em It's Going Down, mas é mais efeito de eco, que... Soa bem, eu acho. Eu sei lá, eu sou tão entendido de música quanto o Faustão é manjador de defumação de linguiças sicilianas.

Mas se quer dois ótimos exemplos de como o autotune estraga mais que as CGs desse filme (que também são ridiculamente amadoras, mesmo pro padrão Disney Channel), é It's Going Down e Chilling Like a Villain.

Pode ir olhar no YouTube, eu espero.


Note que há um momento que Ben canta um pedaço e logo depois fala. A voz dele é ORNITORRINCAMENTE diferente. Fora que autotunezaram toda a voz da Sofia Carson, que não é exatamente uma má cantora. Ela tem potência vocal, e talvez lhe falte apenas lapidação. Ela conseguiria suportar de boas uma música, mas por qualquer motivo (talvez o design de produção mandado por algum engravatado) ela recebeu tratamento completo de autotune.

E por fim, a coreografia é criativa e divertida, tanto de dança quanto de luta. É bem coreografado e funciona dentro do seu próprio mundo.


E com tudo isso dito o resultado é... Basicamente uma Sessão da Tarde. Um típico filme Disney Channel. É retardado, é imbecil, é incrivelmente datado e talvez o final te deixe com um gosto amargo na boca (por ter a pior música e a pior coreografia, e toda a sequência parece nunca ter fim). Mas comparado ao primeiro filme, é um avanço incrível.

É um filme idiota, mas consegue se divertir. Alguns sets são bem feitos e detalhados (outros simplesmente decidiram não colaborar com a fotografia, que também não se esforça pra ser clara), e tem algumas piadas de segundo plano. E vemos mais da Ilha, que é um ambiente criativo e interessante. Raios, é praticamente Sh15uya com vilões Disney, aqui fica um pouco mais claro as disputas de gangue que foram citadas no primeiro filme.
O cachorro falante e a própria Malévola que agora é um calango roxo não tem o destaque que pareceriam ter, o que mostra uma certa preguiça no roteiro.

Provavelmente expliquem algo mais nos trocentos livros, mas como eu não tenho acesso a eles, eu não posso saber. E nem importa muito, se bobear na Wikia da franquia deve ter algo mais detalhado, sei lá.

Há um desenvolvimento melhor
do lado maternal e maduro de Evie.
O negócio é: é um filme bom? Não. Não, não é. Mas ele tem mais partes divertidas, tem um certo desenvolvimento de personagens, e tem uma sensação de diversão idiota que... Me agrada um pouco. Eu ao menos agora consigo rir do filme, fazer piada dele, ao invés de ficar horas questionando a origem genética dos filhos dos personagens e como eles estão vivos ainda. Nas mãos de um produtor/diretor competente, é um conceito absurdamente fértil e divertido. Mas é o que tem pra hoje.

Piratas geralmente acabam tendo situações e cenas divertidas (mesmo com a Disney fazendo Piratas do Caribe 2 e 3, eles normalmente tem uma certa constância de diversão nesse tema), e Uma é divertida, os protagonistas são interessantes, e dá pra fazer piada das coisas ruins do filme.

Eu diria que é o pacote completo pra uma sessão da tarde mediana. Quase me motiva a comprar os brinquedos, mas ainda não tem bonecos com cabelo duro, então vão se lascar. O filme vai agradar aos jovens que não tem noção da vida ou de filme, e talvez não agrade aos mais velhos porque simplesmente não é pra eles.

Pra mim, é um prazer culpado. É um filme ruim, mas tá num caminho bem melhor que o primeiro. Se tiver que fazer algum trabalho braçal (tipo artesanato ou fazer orçamento doméstico) e puder deixar o filme como ruído de fundo só pra olhar pras partes boas, é uma boa pedida.

Essa é por motivo nenhum
exceto que eu dou mó valor a Evie.


***
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