Sherazade (Les 1001 Nuits, 1990)
Eu aposto 50 conto contigo agora como cê conhece ao menos uma história das 1001 Noites. Seja pelo Aladdin da Disney, Sinbad da DreamWorks, ou como várias outras histórias em domínio público, por meio daqueles DVDs de 4,99 na Americanas que as avós e tios desavisados dão pras crianças.
Mas talvez você não conheça a história por trás dessas histórias. A história de Sherazade (ou Sheherazade), a Contadora de Histórias. E eu tenho certeza de que não é com esse filme que você vai conhecer.
...não exatamente. Digo, ele é basicamente uma interpretação própria da história, mas toma rumos tão bizarros que, de alguma forma, são divertidos.
...quase. Mas ainda assim, são interessantes, e você deveria vir comigo dar uma olhada nessa pérola que estrela uma jovem de 21 anos conhecida como Catherine Zeta-Jones, em seu primeiro papel num longa.
A história começa nos contando sobre como um astrônomo virou um gênio, após quase se tornar ateu. Alá o manda pro século 20 em Londres, e fica aprisionado a uma lâmpada em seu século.
OK NÃO DESISTA AINDA
Depois disso, somos transportados à execução de Sheherazade, que começa a contar como ela foi sentenciada à morte, e o miolo do filme consiste nessa história de "como chegamos aqui". Sherazade conta como o rei tinha um harém mas seu amor era dedicado a apenas uma mulher (que na real nem gostava dele), e o vizir se deita com essa mulher pra provar pro rei que ela é uma traidora. O que resulta em tortura pro vizir, mas ele sugere ao rei que ele tome uma mulher por noite, matando-a na manhã seguinte, pra não ter preocupação.
Não, eu não faço idéia de como a lógica nesse filme funciona e eu tenho quase certeza que a legenda que eu li tava mal traduzida, só sorria e acene.
E o rei, muito esperto, diz que a primeira mulher que participará do rodízio que irá pagar uma Ferrari nova pro decapitador será a filha do vizir. Que é feia e burra.
O vizir então compra uma escrava e diz que é sua filha, mas mal sabia o vizir que a escrava que comprara era uma jovem Catarina Zorro-Joãos, que bota o velho numa sinuca de bico ameaçando contar ao rei toda a tramóia. Ele, por sua vez, dá um jeito que ela escape, no meio da confusão acaba sendo comprada por Aladdin e assim começam as aventuras da futura Sra. de la Vega.
Eu vi pouquíssimos filmes franceses na minha vida. De cabeça, eu lembro de Les Dalton, dois live actions de Asterix, e RRRrrrr! Na Idade da Pedra. Todos sendo comédia, bem na linha do nonsense, provavelmente é do estilo francês mesmo, sei lá. O único que vai full locão dessa lista é Na Idade da Pedra (e se você gosta do estilo, esse é um que vale a pena).
Com isso dito, eu queria gostar mais desse filme. Não é que ele seja ruim, mas ele tem muito potencial que não é bem explorado.
O filme funciona como uma releitura zoada das 1001 Noites, quase do mesmo jeito em que Idade da Pedra é uma releitura zoada de um período histórico. Por exemplo, o Gênio é mandado pro futuro, e acaba se adaptando aos costumes de Londres no mesmo tempo em que Mary Poppins passeava pelo céu em busca de crianças com pais irresponsáveis. E dentro do contexto, faz sentido que o Gênio atenda os desejos com coisas que pareçam mágica pra eles. Mas é algo que nunca é bem explorado, ou simplesmente não há uma piada que justifique isso. Sherazade pede algo pra comer, e ele arranjar chá e um bolo.
Claro, é um plot device que muda a situação em vários momentos (como salvar os protagonistas com moto ou avião), mas... Poderia ter sido feito algo mais com isso.
É como cê comer só uma daqueles biscoitinhos Teens: é gostoso, é diferente, é curioso, mas é bom. Mas infelizmente acaba rápido.
Claro, é um plot device que muda a situação em vários momentos (como salvar os protagonistas com moto ou avião), mas... Poderia ter sido feito algo mais com isso.
É como cê comer só uma daqueles biscoitinhos Teens: é gostoso, é diferente, é curioso, mas é bom. Mas infelizmente acaba rápido.
Felizmente, os personagens conseguem ser identificáveis e divertidos de acompanhar. O Gênio é engraçadinho no conceito, mas nunca fazem nada com ele; ainda assim, o ator tenta fazer uma boa performance. O rei é um cara meio perdido, mas nota-se uma evolução em seu personagem, que faz com que simpatizemos com o cara. Sinbad é um marinheiro que vive de contar histórias, e o ator parece se divertir com o personagem, embora a idade pareça limitar o mesmo.
Mas a estrela principal é Sherazade. Meu Deus, como Catarina é uma moça de vários talentos. Não só ela é incrivelmente linda, mas ela consegue de fato entregar uma personagem interessante, multifacetada, engraçada, dramática, sagaz, e em alguns momentos, até sábia. É praticamente impossível terminar o filme e não gostar da personagem, ela realmente parece que tem prazer em contar histórias, que é um ponto fundamental das 1001 Noites.
E sim, sendo uma adaptação que tenta emular com fidelidade a história original, há nudez no filme, bem mais de Catarina mas também de algumas figurantes. Então não é um filme familiar, mas se tu quer algo mais próximo da história original, ao menos em termos de design de produção esse te dá uma boa idéia.
Aliás, é uma coisa que eu amei, os cenários. Eles são imensos, espaçosos, brilhantes, aconchegantes. Tanto palácios, como regiões mais afastadas da cidade, a própria cidade, o deserto, Londres, tudo se sente muito crível e palpável.
E isso é um feito ótimo pra fazer uma paródia ou uma versão cômica: ser fiel à obra original. Assim, quando acontecerem as coisas mais loucas, é mais engraçado porque teu olho te diz pra levar a sério. Mas infelizmente, o filme não tem tanta piada que valha a pena (ou que seja compreensível pra nossa cultura, já que é um filme francês dos anos 90). Mas ao menos é uma aventura bastante sólida, um nível... sei lá, Sessão Aventura da Record. É divertida, tem idéias incrivelmente interessantes, mas a entrega não funciona muito bem.
Mas há sempre alguma constante de diversão, ou alguma piada que seja ao menos cômica de se acopmanhar. Por exemplo, o decapitador levando os filhos pro trabalho no começo do filme, como se fosse um trabalho comum; ou Sinbad contando suas histórias depois de viajar pro futuro; coisas assim mostram que havia um conceito bacana por trás de tudo. E os atores e designers de cenário tentam o máximo possível fazer um bom trabalho, e conseguem.
Se você tiver muita curiosidade sobre a história original, talvez esse filme seja um bom ponto de partida. Não é fiel, mas há uma alma válida nele. As atuações são divertidas, um ou outro conceito é interessante, e a narrativa do filme é de fato algo pra se admirar: no início é meio confusa e engasgada, mas passado o primeiro ato tudo se encaixa perfeitamente. E pra fãs da Catarina Zorro, é ótimo poder ver sua primeira atuação em um longa.
Se tiver tempo livre, deve ter no Youtube pra assistir. Caso contrário... Assiste Aladdin e Sinbad um atrás do outro, provavelmente vai ser um uso melhor do teu tempo.
Sherazade de artista circense dançand tango com um cara com cabeça de cavalo. Definição de fever dream. |
Aliás, sabia que na história original, a princesa se chamava Badroulbadour, era chinesa, e quando ela ia tomar banho todo mundo era obrigado a não olhar? Aladdin desobedeceu a lei e se apaixonou por ela.
0 comments