Há alguns anos atrás, eu escrevi sobre um desenho canadense que... simplesmente soava fora de lugar comparado ao futuro do estúdio. Empresa. Nelvana.
Rock and Rule era um filme que tentava ser pra adultos mas ao mesmo tempo em que pegava um público mais jovem que fosse "edgy", aquela "molecada barra pesada que se mete em altas aventuras".
Na época eu achei uma história com vários problemas que me distraíam dos bons aspectos do filme, mas que tem um valor pra mídia de animação, e é um filme legal de rever vez ou outra.
Mas uma coisa que eu deixei passar é que ele foi feito com base em outro desenho da Nelvana.
Mas uma coisa que eu deixei passar é que ele foi feito com base em outro desenho da Nelvana.
E é sobre ele que veremos hoje: The Devil and Daniel Mouse.
Cês lembram que a Globo costuma (ou costumava) fazer uns especiais de fim de ano que eram nada mais do que pilotos pra possíveis séries? Foi mais ou menos o que aconteceu aqui, a Nelvana fez um especial de Halloween pra TV, e quando foram oferecidos trabalho na animação de Heavy Metal, decidiram focar em seu próprio projeto, Rock and Rule.
O filme dos ratos humanóides roqueiros pegou MUITA influência desse especial, que por sua vez é influenciado pelo conto clássico The Devil and Daniel Webster.
O filme dos ratos humanóides roqueiros pegou MUITA influência desse especial, que por sua vez é influenciado pelo conto clássico The Devil and Daniel Webster.
Talvez cê não conheça de nome, mas é uma daquelas histórias maior-que-a-vida, daquelas que a gente parece que já nasce conhecendo. Talvez por tratar de temas universais de forma fantástica, sei lá. Enfim, o conto original mostra um fazendeiro com uma maré de azar desgraçada, que o faz praguejar "eu venderia minha alma ao diabo pra mudar de vida", e é exatamente o que acontece.
O fazendeiro tem sete anos de prosperidade, e ao fim deles o capeta vem buscar seu pagamento. O fazendeiro chama o advogado real Daniel Webster, que convence o coisa-ruim a fazer um julgamento do fazendeiro, pra determinar se o contrato entre eles é válido. Mesmo com o juri composto de gente ruim (como traidores das Treze Colônias e o pirata Barba Negra), Daniel consegue defender o fazendeiro fazendo um apelo apaixonado pelas coisas belas e como até as coisas ruins contribuíram com o progresso da nação.
Se tiver interesse, lê o resumo na Wikipedia. Se achou a história familiar, provavelmente foi daquele episódio dos Simpsons que o Homer vende a alma em troca de um donut. A história do curta é parecida, só que com ratos, música, e calças boca de sino.
Parecida com o conto, não com o episódio dos Simpsons. Preste atenção!
Parecida com o conto, não com o episódio dos Simpsons. Preste atenção!
Daniel e Jan são dois músicos cuja única audiência é composta de bêbados, insones, e um sapo morto. De fato, no começo do filme só tem duas pessoas na platéia, um cara que eu não sei se tá bêbado ou insone, mas ele logo vai embora. O outro é o sapo morto.
Eles são demitidos do restaurante onde tocam, e Jan se preocupa com seu futuro. Daniel abandona a guria no MEIO DO BOSQUE ASSUSTADOR NO MEIO DA NOITE e diz "fique aí eu volto já". Seu lafranhudo irresponsável demente fã de Dixie Chicks, NUNCA se abandona uma garota em um lugar estranho à noite! Ela fica exposta a todo tipo de perigo, como assaltantes, estupradores, homens desconstruídos e executivos de Hollywood!
E pra que ele deixou ela no meio da floresta? Pra vender o violão e comprar comida. PORQUE NÃO LEVAR ELA CONTIGO? SEU IMPRESTÁVEL INÚTIL! TOMARA QUE OS CIENTISTAS DE NIMH TE DESCARTEM!
Enfim, Jan acaba tendo contato com um dos perigos que eu mencionei. Mais ou menos. Ao invés de um executivo de Hollywood, foi B.L. Zebub, um executivo da indústria da música, e caso você não tenha sofrido uma lobotomia, sabe que B.L. é o próprio capeta.
Ao menos não foi um soyboy usando coque samurai.
Ele oferece a ela fama e fortuna, e tudo que ela tem que fazer é assinar um contrato básico usando o sangue dela. Em alguns serviços isso é meio que comum, um amigo meu foi assinar o contrato de bolsista e assinou com uma caneta vermelha, mas não lembro se o sangue da caneta tinha sido extraído de bolsistas passados. Nesse caso, como funciona? O sangue é um pagamento que se dá depois de concluir o tempo de serviço? Os futuros trabalhadores que assinarem o contrato com seu sangue que vão usufruir da alma de quem assinou antes deles? Eu sei lá, não vou advogado.
Enfim, o resto da história cê pode imaginar, é incrivelmente previsível, mas ao mesmo tempo ela não fica mais tempo do que precisa. É um especial de 25 minutos, e ele aproveita as lacunas na história pra desenvolver os personagens, ao menos a nível de fábula.
Jan é a típica garota inocente que se vê no meio de uma situação que foi enganada a entrar e não tem como sair. Daniel é um cara de bom coração que tenta manter contato com Jan mesmo depois da fama. Normalmente eu diria "BEM-FEITO QUEM MANDOU LARGAR A GURIA NO MEIO DO NADA SEM PRECISÃO?", mas tendo em vista que o inimigo em comum é o próprio sete-peles, eu vou deixar passar. E ele se redime no final, convencendo o cramunhão a fazer um julgamento de Jan, e vencendo de uma maneira tão forçada e clichê como no conto original.
Você sabe como eles vencem.
É um desenho bobinho, mas que mostra um talento absurdo na animação. Embora não seja lá grandes coisas pro padrão da época, o storyboard é eficaz e a animação é altamente expressiva e energética. Especialmente o B.L., que é um transmorfo de fogo mas que ainda tem uma consistência visual, é fantástico.
Ele não se limita a só tomar formas de fogo ou fumaça, mas também de animais e árvores, são designs criativos com uma animação que entrega o que promete.
Eu também gosto da personalidade visual de cada personagem. Não é muito complexo, mas são designs divertidos e evocam suas personalidades ou músicos de sua época. Por exemplo, a Jan tem o mesmo tipo de cabelo que a Cher,
Ele não se limita a só tomar formas de fogo ou fumaça, mas também de animais e árvores, são designs criativos com uma animação que entrega o que promete.
Eu também gosto da personalidade visual de cada personagem. Não é muito complexo, mas são designs divertidos e evocam suas personalidades ou músicos de sua época. Por exemplo, a Jan tem o mesmo tipo de cabelo que a Cher,
As músicas são meio meh, mas tem lá sua personalidade, e não são maçantes nem irritantes, e são bem coreografadas com a animação.
É um curta bem simples, mas divertido. Dá pra ver as influências que teve em Rock and Rule e eu diria até que uma ótima experiência seria assistir o curta antes do filme.
Tem no YouTube e no Archive.org, mas a versão do Archive tá numa qualidade melhor. Assiste lá, vale a pena, é só 25 minutos.
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Esse post foi feito com o apoio dos padrinhos João Carlos e Cauã Alves. Caso queira contribuir com doações pro blog, dá um pulo lá no Padrim, que cê vai poder dar pitaco nos artigos futuros, ler artigos assim que forem terminados, e mimos aleatórios na medida do possível.
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