Sydney White (Ela e os Caras, 2007)



Existe um motivo pra contos de fada serem tão diversamente adaptados. São histórias fáceis de serem contadas, detalhes memoráveis e icônicos, e há uma certa universalidade de conceitos que são fáceis de passar pra outras culturas. O que é algo que é replicado até em contos de fadas originais como Frozen, que dá pra comparar as protagonistas a comportamentos bastante similares na sociedade atual.

E tem aquelas histórias que tentam adaptar contos clássicos pros tempos modernos ou outros cenários, como aquele filme de Oz steampunk e aquele filme lá da Maísa Cinderela ou seja lá como se chame, eu não me importo.

Um erro comum desse tipo de adaptação é se fixar demais no material base e esquecer que é uma história original, podendo andar com as próprias pernas e nos dar algo novo e um pouco mais inteligente do que esperamos.

Tipo Sydney White.



Amanda Bynes tava com um sucesso bastante considerável na época, depois de passar anos atuando em séries da Nickelodeon e O Grande Mentiroso, seus trabalhos passaram a ter um público mais velho, adolescentes, pré-adolescentes, e aulas de inglês.

Sim, eu vi Ela é o Cara com 12-13 anos numa aula de inglês, e por algum motivo a gente viu o filme dublado. Nunca questionei, porque eu aprendi a não questionar professoras que tem nome de Muppet.
Eu acho que mesmo se minha professora de inglês da sétima série lesse meu blog ela não saberia que foi ela, porque eu sou o único que lembra dela por ela compartilhar o nome com o rato melhor amigo do Gonzo.

Eu era uma criança estranha.

Enfim, Ela e os Caras (porque o marketing daqui quis juntar a memória afetiva entre os dois filmes e confundir o público potencial, eu acho?) é uma releitura de Branca de Neve, mas ao mesmo tempo é um filme agradável que não se prende tanto à história original, e consegue criar seus personagens e universo próprios sem depender tanto de referenciar constantemente o contro original.



A história conta sobre Sydney White, uma guria que perdeu a mãe quando pequena e que foi criada pelo seu pai, um mestre de obras bruto mas com um coração e generosidade imensos. Ela cresceu junto de um monte de pedreiro e acabou se tornando meio tomboy, o que acaba sendo um problema quando ela entra na mesma faculdade de sua mãe.

Negócio é que a fraternidade da sua mãe não aceita Sydney, porque ela não se encaixa no padrão das outras meninas, e mesmo sendo filha de uma lenda no lugar, acaba indo morar em uma das casas mais antigas da faculdade, a casa dos Sete Anti-Sociais.

Mano, são duas e meia da manhã, eu NÃO vou tentar achar uma tradução fiel de "dorks", eu vi o filme no áudio original então não enche o saco. Enfim, nessa casa moram todos os malucos que foram excluídos ou não conseguiram entrar em nenhuma fraternidade, e que coincidentemente refletem as mesmas personalidades dos anões do filme de Walt Disney.

Porque, eu não sei se vocês sabem, mas os anões no conto original são basicamente iguais.


Mas aí é claro que Sydney se apaixona pelo ex da patricinha-mor que quer destruir a casa dos anões e fazer... um centro de spa ou algo assim, e o resto vocês sabem.

Mais ou menos.

...é legal justamente por isso.

O filme em si não tenta ser tão óbvio quanto ao seguir da história, as batidas narrativas não tão exatamente no mesmo lugar que o conto ou o longa clássico da Disney, eles tomaram as liberdades necessárias pro contexto. A começar pela própria protagonista, que não é uma princesinha indefesa e tá mais praquele esteriótipo de "rostinho bonito mas bate um PF daqueles". Ela é meio tonta e inocente, mas ao mesmo tempo ela tem algumas convicções fortes que a guiaram até ali.


Por exemplo, o contato da "Branca" com os "anões" começa de leve, quando ela é obrigada a arrastar alguém pra ser o acompanhante dela (como um daqueles rituais de iniciação que quase todo curso de faculdade tem, por algum motivo. Talvez o senso de auto-importância seja tanta nos veteranos que eles devam se achar uma classe superior ou especial o suficiente pra se comparar a uma sociedade secreta, o que eu não duvido que aconteça nos cursos de jornalismo, direito e medicina), e ela acaba arrastando o cara que ficava citando filmes aleatoriamente em "Eu Te Amo, Beth Cooper".

Eu ainda não perdôo esse filme por não fazer uma piada com Archie, mas ainda é um filme assistível.

Sim, eu só vi o filme porcausa do título e porque tinha a Hayden Panettiere. Eu tenho saudade de Heroes mas não sei se quero continuar a ver a segunda temporada, eu preciso estancar esse sangramento de algum jeito.
Aliás, esse filme é da Fox, ele vai estar no Disney Plus?


Enfim, após uma série de situações fora do controle, o clima entre a guria e a enciclopédia de cultura inútil fica tenso, mas eles ainda a abrigam após ela ser expulsa da fraternidade. Falando em Archie, um dos caras jocks do filme tem o nome de Moose, igual o Moose.

Divago.

Sydney passa a morar com os anões, que preservaram as características dos anões Disneyanos mas sempre com um twist. Jack Carpenter tem um problema nasal; o estudante de intercâmbio ainda não se acostumou com o fuso horário e vive dormindo; o mais velho que repetiu o curso tantas vezes que poderia ter sido jubilado é o Doc; o que é tão tímido que só consegue falar através de um fantoche é o Dengoso (Bashful em inglês é Tímido, então ok); o mais novo e tonto é o Dunga; Zangado tem um blog na internet (HA! I GET IT!); e Feliz...

...

Eu confesso que não sei porque deram a personalidade de "tarado" pro feliz. Digo ok, filme de faculdade, sempre tem o cara que não consegue conter os próprios hormônios e que a qualquer momento parece que vai virar o lobo de Tex Avery, mas... happy=horny?

Talvez a justificativa tenha sido aquele quote famoso "isso é uma arma no seu bolso, ou só está feliz em me ver?", que eu descobri agora que provavelmente se originou nas comédias gregas

The more you know.


Ok, depois disso Sydney convence os caras a fazer uma campanha pela eleição do Doc como presidente estudantil ou algum raio assim, enquanto sem querer se torna o topo da votação interna da garota mais bonita.

Ou gata, sei lá como traduziram na dublagem.

Aliás, tem uma cena que os anões passam pela "rainha má" com placas sobre a votação como se fossem picaretas, e um deles diz "hi, ho", e o último diz "bye, ho". Eu quero MUITO saber como raio ficou esse trecho na dublagem, porque eu não vejo como traduzir essa piada com o mesmo sentido pra gente.

Embora o filme tenha na narrativa essa liberdade criativa em só referenciar primordialmente os elementos familiares pra daí criar a própria história e o próprio universo, ele tem outros momentos que fica mais do que claro a intenção, a ponto de ser brega. Por exemplo, o lance da maçã envenenada é fruto (HAH! DUPLO HAH!) de um hacker contratado pela broaca-mor pra apagar os trabalhos de Sydney.

Sydney usa um computador da-sim, isso mesmo. Eu nem vou completar essa frase.


Além das iniciais óbvias (Sydney White/Snow White), temos o galã cujo sobrenome é Prince e a presidente estudantil cujo sobrenome é Witchburn. Com um nome desses ela poderia até ser a Taboo de Kamen Rider W, faltando só a irmã bonitinha famosa que canta, podendo ser até a Glinda, caso fosse interpretada pela Fabi Bang.

...eu acho que perdi totalmente a atenção de vocês nesse parágrafo. Uh... assistam Kamen Rider W e os vídeos de Wicked no Brasil, não vão se arrepender. Voltem aqui me agradecendo depois.

Enfim, embora tenha esses lances previsíveis tanto pra uma adaptação de conto de fadas como os clichês de um filme adolescente na faculdade... Ainda é um filme incrivelmente divertido e refrescante de assistir. Boa parte disso vem dos atores, que mesmo com alguns papéis muito clichês, conseguem ser carismáticos o suficiente pra que gostemos deles. Um dos grandes problemas de ter muitos personagens ao mesmo tempo é nos apegarmos a eles de formas diferentes, coisa que é contornada ao darmos uma personalidade como "nome".

Tipo em RRRrrrr! Na Idade da Pedra, onde só conseguimos distinguir os personagens como "chefe", "mulher do chefe", "encaracolado" "loiro", no mesmo esquema de Auto da Compadecida. Branca de Neve de Walt Disney segue o mesmo padrão, que acabou virando a norma pra outras produções (incluindo essa) porque... funciona.

Literalmente eu num sábado à noite.

Eu não vou lembrar o nome dos personagens que representam os anões, mas eu vou lembrar do nigeriado dorminhoco, do pescoçudo nerd, do baixinho irritado, do tonto, do tímido com fantoche, do tarado e do cara viciado em neosoro. Eles compartilham outras características em comum (como serem excluídos, não ter jeito com mulheres e colecionarem bonecos e outras traquitanas nerds, numa época que isso ainda não era cool).

Fica mais fácil de se identificar com eles e ao mesmo tempo separar eles por cada personalidade, excelente trabalho de maquiagem/cabelo e figurino e até de casting, pegaram o maior pessoal com cara de desenho animado que o dinheiro pode comprar.


A atuação do resto também é simpática, como o "príncipe", que é ligeiramente bonito, mas também não é aquele esteriótipo do cara perdidamente apaixonado que só pensa na guria. Ele é genuinamente um cara gente boa e que tenta ter uma interação social saudável com todas as... classes estudantis? Sei lá como chama.

Embora o lance de chamar a guria pra servir idosos num asilo me pareça um pouco forçado demais. "Ei gata, vamo num primeiro encontro? A gente vai trabalhar de graça pra um monte de idosos que tu não conhece", não parece ser uma idéia de encontro real em nenhuma realidade concebível fora de paródias, fora que parece um virtue signaling tão grande que eu me questiono se ele cursa jornalismo ou marketing.

Ainda assim, ele parece aquele cara razoável gente boa que tu chamaria pro rolê da turma, então ok.


Amanda Bynes é uma atriz muito capacitada, isso eu te digo. Ela ainda tem um dom da comédia, mas aqui ela mostra mais o lado dramático e uma comédia que não exige tanto puchlines constantes nem fazer caras e vozes como quando era mais nova. Ela consegue passar a fragilidade de uma tomboy que não sabe se se encaixa nas patricinhas ou nos excluídos, e acaba passando a moral de que todo mundo é um pouco estranho se parar pra pensar.

Já dizia o ditado, "de médico, chapolin e louco, todo mundo tem um porco".

E a "rainha má" simplesmente emana uma energia de broaca que tu consegue quase sentir o cheiro da manteiga fritando através da tela, ela é simplesmente odiável como todo bom vilão deve ser.


Sydney White é um filme que usa um conto clássico como ponto de partida pra contar sua própria história, sem esquecer que transformar um conto de fadas num twist moderno é brega demais, mas ao invés de ignorar a situação, ele abraça, olha pra ti de vez em quando e diz "eu sei, eu sei, não podia deixar passar essa, foi mal".

Eu ainda tenho calafrios com o "Things are looking grim, brothers".

É um filme que sabe quando te deixar seguro quanto às referências, mas também sabe como contar uma história própria. Mesmo que tenha o clichê de dar nos nervos da Revelação do Mentiroso, ainda é um filme que vale a pena rever de vez em quando, é um ótimo exemplo de como adaptar um conto de fadas clássico com um twist moderno.



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Sério, já viu o preço do salmão? Pois é.






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