Sapatinho Vermelho e os Sete Anões


22 de Abril de 2001. DreamWorks lança seu mais novo filme animado: Shrek. O longa é uma subversão dos contos de fadas, zoando e distorcendo clichês do gênero em geral e também os popularizados pela Disney.

Jeffrey Katzembug, o ex-executivo de alto escalão da Casa do Rato, deixou a companhia e fundou a DreamWorks junto de Steven Spielberg e o outro cara que ninguém lembra. Eu conto isso em detalhes no Tio Walt, mas hoje o assunto é outro.

Enfim, Shrek conseguiu grande reconhecimento do público e crítica por ser um comentário aos clichês de contos de fada e de filmes sobre esses contos, trazendo uma camada edgy, moderna e referenciando cultura pop. Durante muito tempo, TODO mundo queria ser Shrek, e até a Disney começou a entrar na onda com Encantada, e depois Frozen e Moana.

Sapatinhos Vermelhos e os Sete Anões é um remanescente do período atual onde Shrekismo se tornou o status quo, só que com uma opinião e história bem mais honestas.

Quase isso. O comentário, zoeira com contos de fada e piadas com gases não são o foco aqui.



Cê deve ter visto alguma coisa sobre esse filme, provavelmente a polêmica do marketing que o promoveu. Talvez em título clickbait como "O FILME PROIBIDO DA BRANCA DE NEVE" ou algo a ver com gordofobia ou alguma coisa do tipo. Eu vou tocar nessa polêmica depois, antes vamo ver o filme pelo que ele é.

A história começa com os Sete Destemidos, um grupo de heróis liderados por Merlin, que aqui é jovem mas não tem relação nem com Young Merlin de SNES e nem com aquela série de TV que eu nunca assisti e só lembro que isso existe de tempos em tempos. Após derrotarem um dragão, o mesmo se transforma numa bruxa, a qual eles prontamente atacam.

Mas acontece que NÃO ERA UMA BRUXA, ERA A RAINHA DAS FADAS. Ela só era verde. Então ela joga uma maldição neles, onde eles vão virar anões verdes sempre que forem vistos por alguém.


Enquanto isso, temos todo o plot básico da Branca de Neve acontecendo em outro lugar: rei perde rainha, casa com outra, rei some, princesa fujona, blablabla. Só que algumas liberdades foram tomadas aqui, que tornam a história mais interessante. A rainha madrasta é obcecada com a busca da eterna juventude/beleza, e segundo o diário do rei, desde que ela assumiu o trono alguns funcionários do castelo vem sumindo, mas "deve ser coincidência'.

É engraçado porque quando ela aparece ele diz que todo mundo achou ela parecida com uma bruxa e ele meio que "naaahh bobagem".
As besteira que o cara apaixonado faz, viu.

A forma que ela encontrou pra se rejuvenescer foi a de plantar uma árvore que, banhada pela luz do sol, dava duas maçãs, "a mais traiçoeira das frutas". Cada uma se tornava um sapatinho, que ao ser usado, daria juventude e beleza a quem usasse. Eu não lembro se deixavam isso claro no filme, mas ela transformava gente em árvore. Enfim.

Acontece que seja lá por qual motivo, Branca de Neve invade a câmara onde a madrasta cria essas árvores, encontra o diário de seu sumido pai, e calça os sapatinhos, e é obrigada a fugir. Sim, o filme te joga um monte de informação em pouco tempo, mas faz isso de uma forma que não parece que tá só te jogando informação. O senso de ritmo não se sente muito apressado, mas ele te dá as informações básicas necessárias e vai desenvolvendo a partir daí.

Por exemplo, sabemos que os 7D foram amaldiçoados a se transformarem em duendes sempre que alguém olhasse pra eles, mas depois descobrimos que quando estão sozinhos, ficam com sua aparência normal, o que dá um toque a mais de malícia na maldição. É interessante.



Branca fica magra, absurdamente linda, e parecendo com aqueles renders fazendo propaganda de curso de modelagem 3D que pipoca o tempo todo no Instagram, e vai procurar os Sete Destemidos, pra ajudá-la na procura de seu pai. Em vez disso, encontra os sete anões, que não são tecnicamente anões, são tipo trolls, mas não são bem trolls, eu acho.

Enfim, eles resolvem se ajudar sem dizer um ao outro quem realmente são, isso porque a maldição dos 7D só vai ser desfeita quando a princesa mais linda do mundo os beijar. Isso é algo que não fica bem explicado na real, porque ao decorrer do filme a gente é explicado que cada um tem que beijar uma princesa, mas a maldição diz que tem que ser a princesa mais linda do mundo, mas ao mesmo tempo se a princesa mais linda do mundo beijar um deles então o poder do beijo vai ficar só naquele troll? Se esse for o caso (como parece ser e o filme nunca deixa claro), então só um deles vai voltar a ser gente, certo? Ou eles tem que ir atrás da segunda mais bonita, a terceira, e assim por diante?

É complicado, mas eu prefiro tentar entender esses detalhes semânticos de magia ficcional do que linguagem de programação. Se bem que no final do dia as duas coisas são muito parecidas.



O estilo de comédia do filme faz algumas piadas que o tornam incrivelmente datado, como referência aos trolls de internet e o lance de usar "nome próprio+'d", que vem de "pranked" só que com um pouco mais de ego. Eu acho, eu sou um velho que não consegue acompanhar a velocidade que as tendências mudam, quando eu vou caçoar delas já é coisa antiga.

Mas ao contrário de Shrek, ele não se baseia tanto em referências pop, eu diria que quase nada. Maior parte da comédia é situacional, textual e slapstick, o que no papel soa bem básico, mas a forma que eles fazem funciona. Eles jogam constantemente com expectativas, se a Branca vai beijar algum dos anões ou não, ao mesmo tempo em que eles tentam flertar com ela; o slapstick é criativo e a animação é incrivelmente eficaz ao usar caretas engraçadas; e textual... é mais porcausa do espelho.

Oh, rapaz, o espelho. Eu amo esse personagem.


Sério, ele ficou com as melhores falas, e eu só descobri depois que Patrick Warburton que dublou. É! AQUELE PATRICK WARBURTON! Buzz Lightyear na série animada; o robô no filme do Agente 86 com o Hammy de Os Sem Floresta; o único personagem sensato em Bee Movie; e Kronk da Nova Onda do Imperador. Ele é quem tu chama quando precisa de uma voz imponente mas que ainda seja engraçada.
Ou seja, o cara é a versão gringa do Guilherme Briggs. E se o Briggs não dublar o espelho na versão brasileira desse filme, vai ser uma injustiça tremenda.

Ele tem facilmente as melhores falas e piadas do filme, e embora eu goste que não tenham abusado do personagem, eu acho que poderiam ter dado um pouco mais de tempo de tela pra ele. E não só ele é engraçado, mas o desgin dele é o mais criativo que eu já vi pro Espelho Mágico. O tema visual mais recorrente é madeira/planta, então nada mais lógico que ele ser um espelho anexado a uma árvore DUMAL, e ter um rosto de madeira, sem ser exatamente uma máscara, com os olhos brilhantes, é sensacional.


O resto dos personagens é ok, são memoráveis e cumprem bem o seu papel. Alguns acharam meio preguiçoso ter 3 anões gêmeos idênticos, mas eu não lembro se já teve algo parecido e nem se eles eram inventores steampunk.

Mais contos de fada precisam de gundams feitos de madeira, é o que eu sempre digo.

Os anões que mais aparecem é o Arthur que não consegue puxar a Excalibur e Merlin, mas todos eles tem um tempo de tela suficiente pra mostrarem suas personalidades, empurrarem a história pra frente, e serem memoráveis. Branca de Neve é uma personagem bem básica em termos de personalidade, mas a graça vem dela ser um pouco mais... comum mesmo.


Ela é tímida, ligeiramente atrapalhada, e gosta de comer muito, que são traços dela de verdade e que não estariam destoantes do design original dela. É interessante isso, porque em alguns momentos isolados ela consegue se sentir à vontade pra soltar uma gracinha com os anões, mas no geral ela é muito reservada e só aos poucos que se solta mais. Ela é incrivelmente... comum, sem os traços psicológicos de Princesa™ que estamos tão acostumados.

Ao mesmo tempo, ela não é uma cabeça-de-vento e sabe o que fazer e como fazer quando a situação exige uma atitude mais firme.

O trabalho no design dela também é fantástico, porque serve perfeitamente pra passar a mensagem do filme, junto com Merlin, que tem um ego incrivelmente elevado. A evolução dele inclusive é bem mais demorada que o normal, na beira do terceiro ato e ele ainda é cheio de si e se importando excessivamente com as aparências.

E eu amo também o design da Branca, sendo gorda ou magra. Magra ela é obviamente uma cópia da Elsa, só que mais inglesa, talvez. E gorda ela parece uma figurante de Frozen. Sim, eu comparo muito com Frozen porque não é acidental, um dos produtores desse filme é Jin Kim, que trabalhou na Disney desde 95 como animador e designer de personagem, especialmente em Frozen e Big Hero 6, o que faz que o pôster nacional diga "DOS CRIADORES DE FROZEN E BIG HERO 6", o que me fez me engasgar na hora que eu li.


MANO É SÓ UM CARA (o Jin Kim) CALMA ELE NÃO CRIOU FROZEN NEM BIG HERO 6 PELO AMOR DE OZ ELE FOI SÓ O DESIGNER DE PERSONAGEM E ALIÁS ELE NEM DIRIGIU RED SHOES ELE FOI DIRETOR CRIATIVO EXECUTIVO OU ALGO ASSIM.

...

Acho que já dá pra comentar sobre o elefante na sala.

...

...

Totalmente não-intencional.

Toda a polêmica envolve essa propaganda que foi usada no Festival de Cannes:


É estranho porque... A Branca não é exatamente feia. Ela não é absurdamente linda, mas também não é desagradável à vista. Ela é só bonitinha. Ela parece literalmente uma figurante ou no máximo uma personagem de apoio, o design dela é incrivelmente simples e beira o cartunesco.
...ok os dois designs são cartunescos, o que é reflexo de todo o design de produção que sabe que é um desenho animado e não uma animação fotorrealista, ao contrário das animações recentes da Disney, Pixar, e quem mais esteja no ramo. Mas cês me entenderam.

O negócio é que o filme trata justamente sobre o lance de se aceitar como é, beleza interior, que nem Shrek fez, mas... Boy, that's tricky. Faz tipo um ano que eu soube dessa propaganda e até hoje eu não sei que tagline eu usaria no lugar. Nada soa bom o suficiente pra ser sincero e chamativo.

Eu perguntei pra alguns amigos quais alternativas, o Complexo disse "E SE A BRANCA DE NEVE TIVESSE PROBLEMAS DE PRESSÃO AOS 20 ANOS?", e o Carvalho "E SE A BRANCA DE NEVE FOSSE FIGURANTE?", baseado na minha descrição.

O mais próximo que eu cheguei foi "E se a Branca de Neve não se parecesse uma Princesa?", que ainda não é ideal, mas tá no caminho certo.


Claro que deu mó treta na época, até a Chloe Graze Moretz se manifestou que ela não sabia nem aprovou a propaganda, os estúdios envolvidos tiveram que pedir desculpas e tirar a propaganda do ar, e eu acho que (junto do orçamento baixo) até hoje é um dos motivos pra esse filme não ter tido mais visibilidade e distribuição. Segundo o IMDB ele foi lançado em 2019, mas não foi até Abril que apareceu na... locadora.

Chequei o JustWatch em inglês e português e ele não tá disponível em nenhuma plataforma de streaming, o que me leva a acreditar que só lançaram isso em DVD ou a própria distribuidora soltou em torrent mesmo porque "ninguém vai ver mesmo issae".

Cês acham absurdo não lançar um filme por não ter uma tagline atraente, mas lembremos que Time Splitters 4 foi cancelado porque ninguém chegou num consenso sobre qual personagem botar na capa.

É sério.

O filme foi lançado no Brasil pela Paris Filmes, mas eu só sei disso porque eu fui atrás dos trailers e esbarrei na versão dublada. Eu nem fazia idéia que isso vinha pra cá, sério.


Also, também vale mencionar que o teaser era BEM diferente do produto final. Parece mais um pitch bem primordial, com três personagens completos e sem uma direção forte na história. Pelo que eu andei lendo, originalmente o plot envolveria os anões precisando pegar o sapatinho da Branca pra quebrarem a maldição, o que explica as atitudes deles no teaser.

E também... Parecia inclinar mais pra um tom adulto. Digo é óbvio na imagem acima, mas veja o teaser, se não tiver saído do ar no momento que cê ver isso.
Note que até os anões mudaram de cor, e não são verdes. O vestido da Branca também é diferente, e aparentemente ela mora nessa casa e os anões em outra dimensão, ou usaram o espelho pra se teleportarem.

Mais como curiosidade mesmo.


Red Shoes ainda é um filme interessante por ser feito por um estúdio coreano, animado na Nova Zelândia, e financiado por estúdios americanos e coreanos. A narrativa tem muito daquele estilo oriental de originalidade e na fluidez da história, mas de uma forma mais agradável ao paladar ocidental, ou seja, o equilibrio perfeito.

E talvez o maior trunfo seja justamente a forma que eles passam a mensagem. Sim, é uma parada clichê, mas a forma que os personagens interagem e conversam é escrita e interpretada de uma forma muito mais honesta e verossímil que as animações familiares recentes. Claro, a dublagem da Chloe ainda é meio "eeeeehhhhhhh", mas é servível.

Sério, o fato do Merlin continuar sendo egocêntrico até o final do segundo ato, onde é finalmente confrontado pela Branca sobre seus conceitos, é quando eu soube que esse é o tipo de filme que a Disney devia estar fazendo.

Ao invés de sabe, FROZEN RELAMPEJANTE DOIS, DETONA RALPH QUEBRANDO A MALDITA INTERNET, TOY PELO AMOR DE OZ NÃO STORY DESGRAÇA QUATRO, E REMAKE DE REI INFERNO LEÃO.

Sabe? Ao invés de cagar em cima de personagens e histórias boas e até de legado, esfregar na tua cara e ainda te forçar a gostar delas.

E olha que eu não odiei Frozen 2.

E vocês acharam que eu tava zoando quando
eu mencionei o Gundam de madeira.

Apesar da polêmica, Sapatinhos Vermelhos e os Sete Anões é um filme espetacular. É divertido, tem uma animação sensacional, narrativa flui diferente de filmes americanos mas não tão diferente que seja Dragon's Nest, os personagens são memoráveis, é legitimamente engraçado, e consegue passar a mensagem de forma honesta e de uma forma que te faz se importar com os personagens.

Vá atrás de ver imediatamente.

Also, por algum motivo tem uma página no IMDB só pra versão portuguesa.
Eu não sei porque, mas taí.

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2 comments

  1. O filme é dignamente uma versão de sherek, a diferença, é que volta a ser como eran antes, se brincar e river um 2° filme, a moça vai ser magra... o filme é legal, mais não é essas grandes coisas.

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    Respostas
    1. Não é tanto uma versão de Shrek porque toda a dinâmica da história e do mundo são diferentes de Shrek, mas teve muita influência sim.

      Eu creio que não vai ter um segundo filme, é uma história fechada demais. Se tiver, ou vai ser muito forçado que nem foi Frozen 2 e Detona Ralph 2, ou eles vão buscar outro ângulo, tipo sei lá, focar nos guerreiros.

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