Riverdale (Temporada 2)


Ooooh boy.


Quando saiu Riverdale eu fiquei com um pé atrás. Era algo novo e diferente demais dos quadrinhos, mas o mistério estilo Quem Matou Barbosa? era interessante e casava com a proposta de mostrar uma cidadezinha do interior onde tudo era perfeito por fora, mas que por dentro era mais carcomida, suja e decrépita que a carreira do Eddie Murphy.
Ao menos o que era ruim da série conseguia ser ignorado, que nem a carreira musical de Eddie Murphy.


Mas eu preferiria ver o clipe de Party All The Time em loop por uma semana seguida do que ter que rever a segunda temporada de Riverdale. Enquanto a primeira consegue ter um nível e conceito funcionais pro clima sério e sombrio, a segunda temporada tenta extrapolar isso e levar tudo aos limites, o que me fez perceber o erro primordial de toda a série.

Se não tem medo de spoilers, siga-me.


Meu aviso pra quem quer começar
a ver a série.
A história começa onde paramos na primeira temporada, com o pai de Archie levando um tiro de um cara de máscara dentro do Pop's. Archie fica traumatizado e totalmente decidido a encontrar o atirador e prendê-lo ou matá-lo.

Enquanto isso, Gilmar Mendes solta o pai de Veronica, Hiram (que OBVIAMENTE não é um velhinho engraçado de bigode, ele parece mais um Antonio Mercedes Roberto de alguma novela mexicana), e o ricaço começa a botar um plano pra ficar mais rico e poderoso ainda.

E Betty, que é metida a detetive (...I GUESS.) fica determinada a descobrir quem é o Kira.

Digo, Black Hood.


E ao mesmo tempo, tem alguma treta rolando entre o norte e o sul da cidade, com umas duas ou três gangues diferentes incluindo os Serpentes, gangue do pai do Jughead; e mais treta com a família Blossom.
...
...é, porque não?


Mas antes de começar a resenha em si, deixar claro que muita coisa que eu vou falar já foi dito pelo Alex Meyers  e se tiverem um tempo e entenderem inglês básico, vale a pena dar uma olhada. Eu não concordo em tudo que ele diz, e tenho até algumas informações mais específicas que ele não menciona, então é interessante ver os dois pontos.

Mas só vá ver depois que terminar aqui, ok?

Ok.

E sim, eu tenho um fraco pela Veronica. Se acostume.
Então... A série aparentemente fez uma evolução comparada à temporada anterior. Antes o morto já tava... Morto, e o assassino tava à solta mas tava quieto na dele jogando League of Legends de cueca sonhando em ser chamado por um time grande. Mas aqui, o assassino tá constantemente matando alguém e o clima de Próxima Vítima é perene e palpável.
O que pode ou não ser uma evolução de Tv Pirata, mas eu divago.

E nós, do público, acompanhamos as investigações de perto com Betty, que passa a receber ligações constantes do Black Hood, e pistas sobre sua verdadeira identidade.


Enquanto isso, Archie tá se aproximando do Poderoso Sogrão, e o maluco aceita de boas e basicamente contrata Archie pra ser espião dele.
O fato de que eu tive que escrever essa frase me dá vontade de bater a cabeça na parede, mas prossigamos.


Archie fica cada vez mais próximo do mundo dos gângsters, fazendo trabalho sujo pra Hiram ao mesmo tempo em que ele é testado por um agente do FBI.
E foi nesse momento que eu percebi a falha fundamental de toda a série, isso inclui a primeira temporada.


O cara que faz o papel de agente do FBI é incrível. Ele consegue ser cartunesco, mas não o suficiente pra que não o levemos a sério. Ele tem frases prontas, mas ele não as diz como se fosse uma piada, como se tivesse piscando pra câmera e dizendo "é, eu sei, é meio besta mesmo". Todo o subplot envolvendo esse cara tem um certo ar de self-aware, ele sabe que aquilo é meio ridículo e em alguns momentos involuntariamente engraçado, mas ele só segue em frente e faz o que tem de fazer.

Esse deveria ser o sentimento durante toda a série.


Vejam bem, quadrinhos da época de Archie eram puro escapismo. Sejam super-heróis ou comédia ou aventura, todos eles tinham um nível de absurdo que era esperado, e isso se mantém até hoje. A diferença é que o público já sabe disso e cobra coisas diferentes. Por exemplo, a revista principal da Archie tem situações legitimamente dramáticas, com personagens principais sofrendo acidentes físicos graves, perdas, arcos de redenção e auto-descobrimento. Mas ao mesmo tempo eles se envolvem em situações ou reagem a algumas situações de forma cômica, ou exagerada.
Como as trapalhadas de Archie dignas dos Trapalhões, ou mesmo coisas mais simples, como quando a Veronica começa a namorar Archie e tenta fazer parte da vida dele, e aparece com um violoncelo pro ensaio da banda dele.
É fofinho, engraçadinho, é slice of life, mas ao mesmo tempo tá incluso num arco dramático.

Agora, tomemos Josie and the Pussycats, onde é puramente comédia self-aware quebradora de quarta parede. Começa com algo normal, com as moças se envolvendo com gangues de motociclistas, até uma briga de robôs gigantes no Japão e um castelo de gelo gigante construído pra família Cabbot.

E é CLARO que a Melody faz infinitas piadas a Frozen e até algumas referências a Bússola de Ouro.

Esse é um momento mais simples,
o quadrinho é cheio de piadas assim.
Filmes de heróis (e histórias em geral, mesmo dramáticas) também tem esse senso do absurdo, mas na lógica do mundo deles, faz sentido e não se sente deslocado. Na real, é uma das coisas que nos atraem pra entretenimento, esse senso de que tudo é possível, onde um maluco com duas latinha de Sprite, durepox e um isqueiro consegue fazer um míssil guiado por calor. Ou onde um sapo e uma porca se apaixonam. Ou então num mundo onde o cara mais average é por algum motivo o mote de uma rivalidade entre duas gurias, que ao mesmo tempo são melhores amigas.

Mas nada disso tem em Riverdale. Até em linhas mais sérias dos quadrinhos (como Jughead : The Hunger) tem um self-aware do absurdo. Ele lida de forma diferente das linhas principais, mas esse elemento ainda tá lá. Riverdale não tem absolutamente NADA dos quadrinhos.


"MAS CAPINO RIVOTREIO TEM REFERÊNCIA AOS QUADRINHOS, CÊ NÃO SABE DE NADA MONGOLÃO" ok, seu pedaço mal digerido de aspargo. A série tem referências aos quadrinhos, e a maioria são coisas soltas, inofensivas e rápidas, como mencionar que Archie poderia ser um herói chamado Pureheart. Mas quando eles tentam fazer referências maiores... Fica meio solto no ar.

Em um certo momento da série, Archie funda o Red Circle, um grupo de vigilantes dispostos a pegar o Black Hood. Que, aliás, era um herói/anti-herói antigasso da Archie (e teve tipo umas 10 versões diferentes), e Red Circle era o nome de uma linha da Archie Comics que fazia histórias sérias, de heróis e etc. Atualmente é conhecida como Dark Circle.

E na série, da mesma forma, o Red Circle se torna Dark Circle. Sem nenhuma explicação na história.

...é.

Porque é CLARO que o público-alvo vai entender a referência.

E se ainda não ficou claro, o público-alvo NÃO são os fãs hardcore dos quadrinhos.


O público-alvo tá mais preocupado em
contar os gominhos do abdômen do time de futebol, eu imagino.

De fato, há TANTA mudança nos personagens clássicos que eu volto pra pergunta da outra temporada: porque raio não fazem logo um negócio 100% original? Eles teriam mais liberdade pra narrar uma história que tem legítimo potencial e não precisam ficar mudando o lore básico de personagens clássicos.

Ao invés disso, eles decidem mudar a sexualidade de personagens bem estabelecidos há décadas por motivo nenhum exceto que eles precisam fazer o equivalente de Power Rangers da diversidade sexual pra ganhar o amor e audiência do Tumblr.

Big Moose, que tinha um relacionamento fofo e em alguns momentos desastrosamente possessivo com Midge, agora é bissexual tendo um caso com Kevin também. Cheryl, que sempre foi a bombshell que era a única coisa que fazia Betty e Veronica deixarem a rivalidade de lado, agora tem um caso com a também bi Toni Topaz.

Fora os outros personagens que também tão mais irreconhecíveis do que antes. Como se não bastasse a lendária fome de Jughead ser extirpada dessa encarnação, agora ele quase não solta mais as frases sarcásticas, já que ele precisa ser o líder de uma gangue; Archie continua sem ser o moleque average que deveria ser (embora o ator tenha talento pra tornar o personagem ao menos torcível), Betty além de ser uma detetive tentando resolver o caso Black Hood precisa lidar com uma tal "escuridão" dentro dela (sim, virou Kingdom Hearts a parada, vai entender), e Veronica fica sendo jogada de um lado pro outro: ou ela agrada aos pais ou agrada aos amigos.


Ok, são dilemas que adolescentes comuns encaram no dia-a-dia... Até certo ponto. O que é mais absurdo do negócio (Archie sendo garoto de recados de gângsters e Betty fazendo treinamento Sith, e até as tretas político-familiares do Jughead, por exemplo) não são tratados como absurdos, mas como algo relativamente comum.

A série toda se leva a sério demais, mas... É Archie. Não DEVERIA se levar tão a sério. É bobo, é imbecil, é retardado, e os produtores deveriam se tocar disso e escrever em cima desse conceito. E nem precisa tornar em uma comédia, tem arcos e linhas de quadrinhos Archie que conseguem ser dramáticos e violentos feito um filme do Sam Raimi, mas sem perder o senso de que são situações meio bobas, e tenta se dviertir e explorar as possibilidades.

Isso sem mudar a essência-base de personagens criados há no mínimo 30 décadas atrás, que eles tão pouco se lixando porque "MUH REPRESENTATION" BANDO DE FARISEUS, era imbecil quando faziam isso com super-heróis, continua sendo imbecil agora.


E como eu mencionei, dá pra fazer uma história mais séria e dramática, mas ao mesmo tempo continuar absurdo e self-aware. Em Jughead: The Hunger, descobrimos que Betty e Jughead são de uma linhagem de inimigos mortais, já que os Jones sofrem licantropia e os Cooper são caçadores de lobisomens.

É um conceito idiota e já usado, mas que a série não necessariamente tenta se afastar, pelo contrário: assume que é idiota e faz o que pode pra tornar a história interessante de ler. O drama ainda vem, mas quando vem tu acredita, porque a história te cativa primeiro pelos personagens já conhecidos, depois pelo Chamdo à Aventura absurdo, mas passável, e em seguida te faz acreditar nisso tudo..

É um self-aware diferente de Josie and the Pussycats, por exemplo, mas o sentimento é o mesmo. A diferença é que em Josie temos algum personagem pra dizer "mano como raio a gente veio parar aqui" ou algo assim. Em The Hunger isso acontece, mas de uma forma mais sutil, tendo Archie como o everyman.

E vocês acharam que eu tava exagerando
quando falei que era uma parada meio
Kingdom Hearts/Star Wars.

A segunda temporada teve dois momentos assim. Um deles foi o do agente do FBI. Ter um cara que aparece e some do nada, se dizendo agente secreto, pedindo pro protagonista ficar de olho no Poderoso Sogrão porque ele é perigoso ou algo assim, e o cara se porta como se fosse um clichê ambulante, mas ainda assim consegue ser levado a sério. Exceto que, como a série é dramática DEMAIS, tensa DEMAIS, e se leva a sério DEMAIS, ele acaba ficando deslocado de tudo, e por isso me chamou atenção.
Na real em alguns momentos eu ria desse cara, porque... É tão clichê, mas o ator consegue se divertir e te fazer acreditar nesse personagem mesmo sendo absurdo.

Outro momento foi perto do final, onde a cidade tava um caos de gente protestando e botando fogo em tudo (ou seja, Fortaleza numa quarta-feira), e aparecem a gangue dos Ghoulies, que se vestem como se estivessem indo pra Convenção de Fãs do Kiss.

É DISSO que a série precisava mais. Ter mais desses momentos de HQ. Onde algo absurdo acontece, tu sabe que é absurdo, os personagens sabem que é absurdo, mas ninguém liga. Se acontece algo do tipo aqui, é pra criar mais drama, tipo uma ou outra morte mais elaborada.

Tem partes que são imbecis tipo os quadrinhos? Claro que tem. Tipo aquela coisa random que foi o episódio baseado em Carrie The Musical. Ou no racha entre as gangues, que acaba não sendo tão interessante quanto soa. Ou quando a Veronica e a Toni foram resgatar a Cheryl usando roupas  próprias pra stealth, mas não deixam de ser fashionistas e deixam um decote em evidência, potencialmente botando em risco suas vidas. Raios, o próprio conceito de "escuridão" segue esse padrão de "imbecil mas dá pra levar a sério" mas o clima da série não o trata como tal.


A real é que, se tirar as referências-base aos quadrinhos, a série não tem o suficiente pra viver por si só. Vira um drama de mistério sombrio adolescente como tantos outros devem ter por aí.

Oh sim, e essa temporada teve mais episódios que a primeira. Mas a impressão que dá é que os produtores pegaram os roteiros prontos pra ter uma temporada de 13 episódios e botaram alguns subplots a mais pra ter 22 episódios. Depois que pegam o primeiro Black Hood tudo se sente muito avulso, muito filler. Se cortar o arco do irmão sumido da Betty a gente não perde praticamente nada.


Aliás, eu acho que os caras nem assistiram a própria série. O que era uma piada na resenha de The Wiz do Nostalgia Critic eu plenamente acredito ser real aqui. No começo da série a mãe da Betty fica plenamente ciente que Betty e Jughead estão fazendo "aquilo", e ela pergunta "ao menos tão se protegendo?". Quando o irmão de Betty mostra que ela tem uma máscara do Black Hood escondida ele manda um "ELA USA ISSO QUANDO TRANSA COM O JUGHEAD" e a mãe dela fica "COMO É QUE É VOCÊS O QUE".

Outro momento que fica evidente que os caras só queriam enfiar momentos lacração por motivo nenhum é quando Betty descobre que Kevin sai de noite no bosque pra se pegar com homens desconhecidos. Aí o maluco dá um surto e começa a briga com a Betty naquele discurso "VOCÊ NÃO SABE O QUE É SER REJEITADO COMO EU SUA BRANCA HÉTERO CIS PRIVILEGIADA"

Sendo que... Na outra temporada todo mundo era ciente que o Kevin era gay... E que ele até namorava um cara da gangue dos Serpentes... E que até o pai dele, xerife bara-pesada, tava totalmente ok.

Se o PAI XERIFE DURÃO, que é o personagem mais viável pra rejeitar esse tipo de coisa numa narrativa, era ok, e nunca vimos ninguém destratar ou discriminar Kevin por ser gay... Então QUAL O PROPÓSITO DESSE SUBPLOT?

BANDO DE MENTECAPTOS REPTILIANOS! QUE TODOS OS PRODUTORES DESSA BALBÚRDIA BATIZADA TENHAM ESPINHAS DENTRO DE SUAS NARINAS!

Discreta feito um furacão de glitter
na sede da OAB
Eu queria gostar de Riverdale. De verdade. Assim como eu queria muito gostar de Descendentes. Mas não dá.

Descendentes ainda consegue me deixar irritado, mas ainda tem uma ou outra coisa que se salva. É ao menos divertidamente ruim de ver. Riverdale nem consegue ser divertido. É um drama pesado. É só dor, sofrimento, agonia, oportunidades perdidas, e a total desligação com os quadrinhos, sendo que o conceito é totalmente viável.

Eu não consigo mais ver os personagens que eu conheço e amo, logo eu não consigo sentir nenhuma ligação com eles. Mesmo dentro da própria lógica da série, são conceitos e personagens tão inconstantes que faria a franquia Esqueceram de Mim se parecer com De Volta pro Futuro.

Em resumo, vale a pena ver? Depende.

Se tu não é fã dos quadrinhos e é programado a assistir as séries da moda, não vai se incomodar. A segunda temporada na real é bem meh, passa bem pouco acima do mediano.
Mas se tu for fã dos quadrinhos ou procurar algo com substância, passe longe. Seu tempo é mais precioso que isso.

Vá ler Archie The Married Life, vai ter os mesmos dramas de novela de uma forma mais interessante. Ou vá ver To Riverdale and Back Again, que tem muito da pegada de Married Life, mas de uma forma diferente. Ou mesmo o reboot, que tem os dramas adolescentes slice of life, mas de uma forma incrivelmente melhor conduzida. 


E sabe o que é pior?

Foi renovado pra uma terceira temporada.

...e eu vou assistir.

...

Eu preciso de tylenol.

Eu amo quando os filmes fazem
as piadas por mim.

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