Jim Henson's Turkey Hollow


Na semana passada, como bem recordam, deixamos um bando de investidores confusos com um roteiro de um filme surreal assinado por Jim Henson e Jerry Juhl. E como se lembram, eu mencionei também que esse não foi o único projeto de Jim que não viu a luz do dia.

Mas tal qual Conto de Areia, outro filme foi adaptado pra HQ, e logo no ano seguinte foi lançado um filme televisivo tal qual o projeto original. 

...exceto que não. 


Eu ia fazer desse artigo uma Batalha de Versões, mas como são mídias tão diferentes e com um tratamento de adaptação tão... singular, seria quase injusto tentar comparar os dois nos mesmos quesitos. 

Com isso dito, sim, uma dss versões acaba sendo a superior, após uma análise. Mas vamos com calma, vamos primeiro dar uma olhada na HQ que veio primeiro. 



A história conta sobre Tim e e sua irmã Ann, que vivem com sua tia, Cly, numa cidade do interior chamada Turkey Hollow. A guria tenta ensinar música pro irmão, mas o guri não tem habilidade o suficiente. Até que ele encontra monstros na floresta, que se comunicam através de música. Ele faz amizade com os personagens rejeitados de Sesame Street, e obviamente mantém isso em segredo. 

Mas obviamente isso atrai a atenção do velho razinza local, que culpa os monstros pelo sumiço da criação de perus da cidade toda, que pretende usar isso pra tomar a fazenda da tia dos moleques.
E caso o nome não deixe óbvio, perus são serious business em Turkey Hollow.

E agora cabe a Tim proteger os monstros do projeto de Eustáquio e provar que eles são inocentes. E aprender a violar tocão ou algo assim.


Se o projeto de Jim e Jerry era algo próximo a essa HQ, então devia ser algo muito daora. A história em si é bastante simples e com plot twists até previsíveis, mas com uma narrativa cativante e personagens gostáveis.
Assim como especiais festivos da época (como os de Peanuts e da Rankin-Bass), o plot é fácil de acompanhar e às vezes chega a ser muito previsível. Mas o grande trunfo é ter ótimos personagens, que gostemos de passar um tempo com eles.


O especial de Halloween do Charlie Brown é um pouco maçante em alguns momentos, mas o que nos faz tornar a ele todos os anos é o carisma dos personagens. A piada da pedra não teria o mesmo efeito se fosse com outros personagens.

Temos algo parecido aqui, talvez não na mesma proporção porque são personagens novos. Os curtas de Peanuts funcionam em parte porque já conhecemos esses personagens e nos identificamos com eles. 
Mas mesmo sendo tão simples e novos, nós temos condições de gostar e torcer por Tim, sua família, e pelo equivalente peludo e cartunesco do Sexteto do Jô.


A arte ajuda muito, que deixa os humanos com um ar meio infantil na linha de Charlie Brown e Little Archie, mas detalhando o suficiente pra que a arte não se sinta incompleta. A estrutura e acabamento dos monstros remete aos monstros de Sesame Street, mas a forma básica deles remete ao design original que Jim e sua equipe fizeram.
O irônico é que só depois que Jim iria produzir Sesame Street, e o design original dos monstros era ridiculamente diferente do que Jim tinha proposto. Quando o roteiro foi finalizado, ele fez os fantoches e fez fotos de teste pra mostrar a potenciais investidores. O estilo era algo bem próximo do que ele faria com a Creature Shop nos anos 80, mas notavelmente faltava uma visão artística e técnica que nem Jim nem sua equipe tinham na época. (Os bonecos foram reutilizados em outras produções, como Sesame Street, o Ed Sullivan Show, e The Great Santa Claus Switch.


Esse conceito visual permaneceu mais intacta e e refinada no filme pra TV de 2015.

E é uma desgraça.



A história foi drasticamente mudada, provavelmente por exigência do canal. É compreensível, tem que ter mais coisa pra preencher o espaço de tempo e pra contar uma história que agrade ao paladar moderno.

E é por isso que eles resolveram usar clichês que mesmo nos anos 90 e 00 já eram considerados mortos.
...ok.


A história conta sobre dois irmãos, Tim e Annie, que vão passar o Dia de Ação de Graças na casa da sua tia Cly, que mora num lugar chamado "siempre verde".
Porque se tem algo que grita "outono", é um lugar cujas folhas nunca caem, desafiando a natureza e a poesia de Sandyjunior.

Quem precisa de tons laranja pra fazer
um especial de uma festa que se passa durante o outono, né?
Isso acontece porque seus pais acabaram de se divorciar, e o pai dos moleques quer um tempo pra reorganizar a vida. Mas Tim fica fascinado pelo mistério do howling doodoo, o monstro da lenda local. Seu falecido tio-avô estava investigando a criatura, e até construiu dispositivos pra se comunicar com ela.

Mas durante uma investigação no meio da noite, Tim sem querer solta os perus do velho ranzinza local, que na mesma hora leva o moleque pro xerife e ameaça tomar a fazenda de Cly pra compensar a perda dos perus. Agora se tornou uma questão de honra pra Tim achar a criatura e vender a foto prós jornais e assim pagar a dívida de sua tia-avó.


Ok, vamos começar com o que eu gostei do filme. A atuação é boa. Não é espetacular e o roteiro não pede muito, mas eu gostei da atuação dos moleques, embora a relação entre eles de irmãos pareça... meh. Mas eles conseguem fazer uma entrega convincente de emoções. A guria já atua há bem mais tempo, mas o moleque tem potencial, se bobear ele pode fazer umas produções boas no futur-

...como é?

...é sério?

...

...

...ok, então... dois anos depois o moleque ia fazer o papel principal em... Pica-Pau: O Filme.

...

Todo mundo começa de algum lugar, né.


O resto das atuações ou é passável ou cartunesco. O pai é ok, o xerife é ok, o velho ranzinza é cartunesco, mas nada diferente do que já foi feito. Cly atua de uma forma tão desinteressada que faz ela parecer que aceitou o papel só pra pagar o carnê da Casa Pio.

E a idéia de expandir um pouco a relação entre os humanos e os monstros, com o falecido tio procurando por eles e até criando dispositivos musicais pra se comunicar com eles, é ótima, nova e casa bem com o conceito.

Entretanto... todo o resto simplesmente cai.


O plot é uma das coisas mais previsíveis que eu já vi desde... sei lá, Em Busca do Vale Encantado 22: O Big Bang. Os moleques precisam de 10 mil conto pra pagar pro velho ranzinza; um jornal antigo ofereceu 10 mil conto pra quem tivesse foto do monstro. O velho ranzinza tá com esquema pra esconder os perus e os moleques descobrem e entregam o velho após ele ser atacado pelos monstros. Been there, done that.

A diferença é que, enquanto no roteiro original (e nos quadrinhos) tudo é feito de forma bem direta e fácil de acompanhar (mesmo que previsível, a sequência de eventos nos instiga a torcer pelos personagens), no filme eles tentam enfiar algum subplot ambientalista onde a Cly é vegana e hippie porque... Jim Henson era meio hippie?

E pior que nem pra tornar ela uma personagem interessante, ela basicamente só despeja frase e conceitos "good vibes" que soam alienígenas e até meio arrogantes. Não ajuda que nem a atriz te convença a suspender a descrença na hora que o mumbo-jumbo dela de fato funciona na história. É tudo feito de forma forçada e resulta em conceitos forçados passados de uma forma retardada.


Aliado ao fato da Cly ser vegana (logo, não tem peru pra jantar) e a história se passar num lugar chamado "siempreverde", tiramos praticamente tudo que o especial poderia ter relacionado a Ação de Graças ou outono. Nos quadrinhos temos perus à vontade, vivos, assados, mesa farta, folhas laranjas ao vento, e a própria paleta de cores tenta emular o clima frio da estação, mesmo tendo uma variedade imensa de cores.

E Cly é uma personagem simpática, ela é aquela tia solteira que faz tudo pelos sobrinhos, que cozinha, mima, protege e ensina. A história não nos diz claramente, mas sugere que os meninos foram deixados pelos pais por algum motivo não-explicado, e Cly faz o que pode pra cuidar de Tim e Ann. E a cidade tem um clima de cidade pequena e acolhedora, onde o xerife também é dono da loja "vende-tudo", que é... adorável.
...sei lá, não encontro a palavra certa, são quase 3 da manhã e eu comi o resto de um doce de paçoca que provavelmente é isso que tá me dando gastura.

Espero que todos saibam o que significa "gastura".


E os monstros... Oooooh rapaz.

Eu queria gostar deles. Juro, eles são bem feitos, são realistas e lembram bem os designs originais (cuja foto até aparece na HQ, com os personagens redesenhados da mesma, que eu postei lá em cima), e eles tem visuais realistas e que casam com o cenário.

E talvez esse seja o problema, eles se confundem muito no cenário, eles tem pouca coisa que os destaquem. O que é outro problema porque todos eles se parecem muito uns com os outros, os da HQ ao menos são coloridos e tem formas e designs únicos e marcantes. O cara que desenhou (que também fez os quadrinhos de Muppet Show) provavelmente percebeu isso e tratou de corrigir. Os fantoches originais eram terríveis, o que não é necessariamente um problema hoje, já que eram daquela fase mais experimental de Jim, ele aprimoraria muito a técnica nos próximos anos.
Mas é notável que mesmo quando Jim tava vivo, que os bonecos precisariam de um redesign.


A tentativa de adaptar e atualizar a história pros dias atuais (que conta com millenials que usam não-ironicamente "hashtag" verbalmete como parte do vocabulário pra expressar emoções reais, por exemplo) pode ter sido boa, mas todo o resto caiu por terra. Turkey Hollow é um filme chato, previsível, desinteressante, e que tem tanto a ver com o Dia de Ação de Graças quanto Christmas in Tattertown tem a ver com o Natal.

Ironicamente, a melhor versão do roteiro que foca fortemente em música, é a versão impressa. Se tiver um tempo, vá ler, é legal até pra ler com criança, os desenhos são MUITO bonitinhos. Até o politicamente incorreto dele é melhor executado e dosado do que o filme.

Da série "eu adoro quando o filme
que eu tou resenhando faz o meu trabalho por mim."

E não, não tem impresso no Brasil ainda, mas eu ADORARIA ter, caso fosse. Conto de Areia já foi lançado aqui, é hora de termo mais quadrinhos Henson por essas bandas.

Sim, estou olhando pra vocês, quadrinhos e livros de Dark Crystal e Labirinto, que logo chegarão na Netflix de milhares de millenials com dinheiro, dispostos a comprar os produtos licenciados de Age of Resistance.

Also, essa imagem é simplesmente ADORÁVEL.
Dá até pra usar de wallpaperl.

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