Angus - O Comilão

Todos os posteres e capas desse filme
são um pesadelo de design, na moral.

Imagine a cena: dia de filme no colégio, todo mundo fica animado, a professora entra com o móvel multimídia (televisão gigante de tubo + aparelho de VHS ou DVD, ou um projetor; eu peguei as duas épocas). A sala inteira começa a gritar, ensurdecendo o quebra-galho do andar da escola que apronta o multimídia com a paciência e dignidade de um cavaleiro templário, até que a professora bota o filme pra passar e...

...

...ao invés de Shrek 2, é algum drama imbecil sobre algum problema real do mundo real, e ela vai querer uma redação até o final da aula sobre o filme.

...

Ok, mas e se fosse um drama legal?


Ok, ter a guria de Jurassic Park ajuda.

Quando se é uma criança, a probabilidade de se interessar por um drama é muito baixa. A menos que seja uma dramédia, ou algo realmente exagerado, ou que tenha, sei lá, esportes no meio, muito dificilmente vai conseguir competir no mesmo nível de uma comédia, ficção científica, e seja lá o que tenha sido Guerreiros da Virtude.

Geralmente a gente via drama por obrigação ou pra se sentir mais adulto, como se assistir Uma Linda Mulher fosse sinal de grande maturidade.

Eu nunca vi Uma Linda Mulher, então não sei se essa analogia caiu bem.

Mas às vezes mesmo por obrigação, a gente acabava vendo e até gostando de dramas, seja por apresentarem crianças com idades próximas às nossas com dilemas mais palpáveis, ou por terem um estilo, narrativa e diálogos condizentes com nossa idade, tornando a história bem mais atraente. Já discorri muito sobre como A Pequena Espiã trata muito bem sobre o bullying, e o referenciarei mais no decorrer do artigo de hoje.

Enfim, dia desses eu me peguei lembrando de um filme que eu tinha visto lá por... 2004, 2005, na Sessão Aventura da Record. Sei lá se era Sessão Aventura naquela época, era a faixa de filme da tarde. Podia se chamar Filme del Cueco Flamerrante que eu também não lembraria, porque eu não lembrei nem do NOME do raio do filme.


Eu pesquisei pelo filme "O Gordo", porque era esse o nome que eu tinha visto quando a legenda do canal te fazia lembrar o nome do filme. Eu pesquisei por um bom tempo e só achava coisas relacionadas ao Gordo e o Magro. Tentei descrever o filme em inglês pra ver se eu achava algo, eu lembrava que era sobre um moleque gordo que sofria bullying e era apaixonado pela líder de torcida loirinha local, e ela revelava que tinha leucemia lá pro final do filme. Não achava nada sobre o filme.

Até que eu joguei no Twitter e o Paulo Ap mandou na lata: o filme era Angus - O Comilão.

..."O Gordo", "O Comilão", tomeito-tomáto.

Na real eu presumi que o nome seria "O Gordo" porque durante o filme a gente não vê ele sendo exatamente comilão, só sendo gordo mesmo. Não é como se Angus fosse um projeto de Kirby com cabelo de cuia, ele simplesmente é alto, grande, e com um grande potencial pra ser wrestler no futuro. Otis taí que não me deixa mentir.
De fato, Angus é jogador de futebol americano, o que já é meio caminho andado pra nobre arte, mas divago.

Mas falemos do futuro do elenco depois, bora discorrer um pouco sobre esse drama sobre bullying que por qualquer motivo me marcou quando moleque.


Ok, a história conta sobre Angus, um jovem que desde que nasceu sofre bullying por ele ser grande e gordo. O pai dele morreu de um ataque cardíaco quando ele nasceu ou algo do tipo, e ele vive com a mãe e o avô, que tá prestes a se casar com uma moça 30 anos mais jovem que ele.
No conto original os dois pais dele eram gays, daí em roteiros iniciais só o pai dele era gay, aí acabaram matando ele e todo o subplot depois

Não sei onde botar esse pedaço de trivia, então taí.

Seu único amigo é Troy, um moleque franzino que parece um cuzamento genético do Seth Green, Rob Schneider, e a primeira versão do Archie Andrews. Angus também nutre uma paixão pela Linda Loirinha Local, Melissa, mas ela sempre parece próxima do Moleque Metido a Mau, Rick, que parece com Ricky Garcia em O Grande Mentiroso 2, e provavelmente é tão babaca quanto.

...eu tou tentando criar tempo pra fazer um vídeo sobre O Grande Mentiroso 2 desde Março, mas sempre aparece alguma coisa na frente. Aguardem, sim?

...

Sim, sim, os filmes de Dr. Dolittle também, eu não esqueci.

Enfim, como uma piada, Rick manipula a votação de Rei e Raiha do baile pra que Angus e Melissa fossem escolhidos, e Angus decide honrar seus ancestrais e enfrentar o desafio! Sim senhor, André o Gigante estaria orgulhoso!

E olha que André era francês e Angus descende de escoceses. O que vale é a intenção, tenho certeza que um grandalhão de bom coração compreende.


Ok, pela descrição talvez tu tenha uma idéia muito específica dos personagens que eu descrevi. Talvez Troy seja um magrelo nerd que passa o dia tagarelando sobre as minúcias científicas de Star Trek e como o Superman poderia derrotar Galactus usando um peido; Angus sendo um moleque gordo que passa o dia jogando videogame e enchendo a cara de Cheetos, alguma coisa assim.

A média aritmética desses dois esteriótipos vai bater numa aproximação de mim, só que eu tenho ainda mais inaptidão social que o moleque franzino.

Mas, uma das coisas que realmente faz o filme funcionar e que diferencia ele de outros filmes que tentam tratar do mesmo tema pra essa faixa etária, é que... Como eu posso botar... Eles são mais normais.

Troy é um moleque franzino com gostos peculiares (e que provavelmente vem de família), mas não é um absoluto nerd incapaz de tomar senso da realidade. Ele é um dos Losers da escola, mas também gosta de coisas como Green Day, porque o produtor da banda na época foi produtor do filme por algum motivo.


Rob Cavallo produziu pouquíssimos filmes e a lista dele no IMDB é ligeiramente maior que a lista de garotas que passaram mais de meia hora penduradas no meu braço sem projetar vômito. Dentre os filmes em seu currículo temos Cidade dos Anjos (que eu nunca vi), Possuídos (que eu nunca ouvi falar), 12 MAMACOS (que pelo pouco que eu lembro de ter visto meus primos assistindo, termina do nada sem uma conclusão), e a trilha sonora de Noiva em Fuga.

Tanto Angus como Troy tão no time de futebol americano, aliás. Troy basicamente fica no time de reserva porque deve ter cota pra moleques que parecem figurantes de Expresso Polar, mas Angus é um jogador valoroso ao time, fazendo passes pro quarterback principal, Rick, que sempre leva os louros da vitória, o tapinha nas costas, o puxão na cueca, o banho de refrigerante, e os beijos de Melissa.

Eu faria uma piada mais grosseira aqui mas Angus tem uma visão tão doce sobre o romance adolescente que eu não me atrevo.


Mas além disso, Angus é um cara incrivelmente inteligente. Prestes a ser aceito numa escola com um bom programa científico e com real interesse em fazer moléculas em computação gráfica num computador que provavelmente não rodaria esses programas em 1995, ele vê a chance de recomeçar sua vida escolar do zero sem ser um fracassado numa escola onde ninguém o conhece.

E até o vilão, que é tão desprezível quanto a Bayley tem uma certa profundidade. E eu acho que vou fazer uma "Jarra da WWE" pra eu botar um moeda cada vez que referenciar wrestling a partir de agora; obrigado por estragar minha cabeça, Complexo.

Enfim, tem um momento notório disso quando ele e os outros jocks torturam Troy pra que ele revele algo que possa ser usado contra Angus. Troy replica que Angus tá se esforçando demais pra não passar vexame durante o baile e que Melissa vai passar a gostar dele depois disso. Os outros jocks indagam pra Rick o que vai acontecer se ela REAMENTE gostar do moleque gordinho e deixar Rick, e nesse momento vemos um momento de dúvida e tremelique em Rick, que é passado de uma forma tão realista, tão incerta de si mesmo, mas ao mesmo tempo com muita naturalidade.


Se fosse em outros filmes, Rick daria uma gargalhada fatal™ e diria algo como "é impossível ela gostar daquele BALOFO QUE FEDE A SANDUÍCHE DO SUBWAY" ou algo igualmente cartunesco. Ele poderia ter dúvidas, mas nunca deixaria passar em expressão e diálogo como Rick faz aqui.

Mas não só isso, Angus também tem problemas em casa, com sua mãe e avô que não se dão exatamente bem, ainda mais com o lance do casamento. De fato, nem Angus se dá muito bem com o avô, eles basicamente se suportam e vez ou outra trocam insultos, mas ainda assim há cenas em que eles agem como família e pedem perdão pelas bobagens que fizeram.

E eu gosto muito do monólogo rápido que o avô faz sobre Superman não ser valente:


Eu poderia botar a legenda em português pra vocês que não entendem inglês, mas a legenda que veio no filme era exatamente assim:


Also, o áudio veio com esse comentário:


Me lembro da vez que eu baixei Esqueceram de Mim 4 e no torrent vinha uma coletânea de rock clássico ou algo assim, como se fosse um pedido de desculpas antecipado pelo filme horrendo que era aquele.

Eu ainda tenho pesadelos...



...

Enfim.


O elenco de apoio é sensacional, além do avô do moleque tem Kathy Bates como a mãe do Angus, e se o nome lhe parece familiar, exatamente, ela foi a Rainha de Copas em Alice do Syfy. E também algum filme lá com o Leonardo Dicaprio que perde uma partida de batalha naval ou algo do tipo, sei lá, eu nunca vi esse filme.

A Rita Moreno também aparece, mas eu só lembro dela do Muppet Show. Mas ela teve em O Rei e Eu e dublou a Carmen Sandiego no desenho clássico, então já é alguma coisa. George C. Scott é o avô de Angus, e tem uma referência a Patton que não é algo solto, é intrínseco à história, é interessante até.

E eles desenvolvem esses personagens também, de uma forma significativa pro filme. O avô e a mãe brigam sobre o futuro de Angus e como ele tem que ser forte e como eles tem visões diferentes sobre o que é força de vontade, e sobre como Angus agora é igual a mãe quando era da idade dele, e eles choram e se abraçam etc.

O tema recorrente aqui é o "você acha que eu não sei o que você passa, mas eu passo pela mesma coisa sem ninguém saber". Ou sobre conhecer os outros. Tem uma cena que Angus se preocupa com a noiva de seu avô que ela vai lembrar dos horários das pílulas dele, ela esquece e a gente fica "ah não, ela vai esquecer" aí depois numa cena o relógio dela apita na hora que é pra ele tomar o remédio, mostrando que nós (e Angus) estávamos errados sobre ela. Não era um casamento por interesse, por incrível que pareça.


Acontece a mesma coisa entre Angus e Melissa, Rick e todo mundo, o monólogo de Angus no final, damn. Eu digo DAMN! É o tipo de coisa óbvia a se dizer, mas o fato de acompanharmos esse personagem nessa jornada que é literalmente o projeto científico dele e ele explodir e soltar tudo que tá preso na garganta pro vilão do filme (que, como vimos, não tem uma base muito sólida nem na própria arrogância), é simplesmente catártico.

Que nem quando a família Mysterio desceu a bambuzada no Murphy.

...tlink.


Agora, o tema de bullying existe e o bullying praticado é brutal, mas... A forma que é retratado é beeeem menos perversa. Fora o fato de não tomar metade do filme, tem hora que chega a ser cartunesco.

Não, sério! Tem uma cena que os cara bota a cueca do Angus no poste da bandeira dos EUA, peça bem comum nos anos 90. Mas a cada momento que vemos, a cueca aumenta de tamanho, mas porque vemos do ponto de vita de Angus, não porque ela realmente aumenta de tamanho.

A fotografia tem uns momentos assim no filme, ela toma algumas liberdades poéticas pra passar melhor certas idéias. São incrivelmente óbvias, mas bem espertas. Por exemplo, no dia que anunciam quem vai ser o rei e rainha do baile, todo mundo tá usando azul, Angus é o único de vermelho, tal qual o experimento dele, que envolve colocar um elemento externo (vermelho) no sistema (azul). Normalmente o sistema vai rejeitar o elemento invasor, mas ele espera que de alguma forma ele mutacione e seja aceito.

Ou algo assim, eu sempre bombei física no colégio.

Raio como eu tenho ódio de física até hoje. Mais um dia se passou e eu não precisei usar a fórmula do coeficiente elástico do palhaçossauro ziriguidum ou seja lá qual foi a mnemônica que eu usei pra decorar e passar de ano.

Essa foi uma das cenas que ficou grvada
na minha memória, inclusive.
Enfim, comparando com A Pequena Espiã, o filme sobre as desventuras de uma stalker mirim tratam sobre o bullying de uma forma bem mais cruel, mesmo que exagerada.

Mas isso acontece mais pela diferença de narrativas e mundos estabelecidos. Em Espiã, Harriet era uma guria comum, mas graças ao caderno com segredos e pensamentos sobre todo mundo da escola, todo mundo se voltou contra ela, era Harriet Contra o Mundo, só que sem Ramona Flowers.

Angus trata de uma forma mais verossímil e menos exagerada, sem esteriótipos como em Espiã e sem um mundo cartunesco e colorido com seus restaurantes chineses, louco dos gatos que foge do Serasa, e a Eartha Kitt.

O que é estranho usarem a literal Mulher Gato nesse filme e nenhuma piada com o louco dos gatos.


Angus é um filme incrivelmente bom e que consegue envelhecer muito bem. As referências de época existem, mas não atrapalham a experiência, os personagens são críveis e o filme nunca embarca totalmente no drama, tendo alguns momentos de comédia. Dá pra ver porque depois de tantos anos eu ainda fiquei curioso em relação a esse filme, mesmo tendo visto uma única vez. Grande parte disso se deve à fotografia do filme, inclusive.


A propósito, Monty O'Grady teve sua última participação nesse filme. Ele participou dos curtas de Our Gang, que depois seriam desenvolvidos nos Little Rascals, conhecido na terra de Ariano Suassuna como Os Batutinhas. A Wiki de Our Gang diz que dos 5 curtas que ele participou, 4 tem sua participação não-confirmada, mas o mais curioso é que ele fez uma literal carreira como figurante.

Não, sério, abre o IMDB dele e manda o navegador pesquisar pelo termo "patron", a única coisa que ele fez na vida foi ser cliente de restaurante em filmes.

Quem me dera ser pago pra comer.

Aqui ele obviamente atua como o ministro que vai casar o avô de Angus.
...ok.


James Van Der Beerk, que interpretou Rick, é mais conhecido por seu papel em Dawson's Creek, mas eu o reconheci como o pai da Vampirina. Ele também atuou em CSI: Cyber, e eu tou mais impressionado que essa cena não saiu dessa série.

Ariana Richards, a Linda Loirinha Local, atuou em alguns filmes de ficção científica e terror (ou quase isso), como a franquia Vermes Malditos, e um filme com cavalo que tem provavelmente um dos posteres mais feios que eu já vi na vida.
Ah sim, e ela fez Jurassic Park.

Chris Owen, o moleque franzino, atuou na franquia American Pie, Pelotão em Apuros, e tá num filme novo sobre uma Epidemia que envolve um meteoro e zumbis.
Porque é claro que sim.

Charlie Talbert, o nosso protagonista, começou a atuar nesse exato filme, e foi descoberto quando ele tava contando piada pra funcionários de um Wendy's ou algo assim, e olha, foi MUITA fé nesse moleque, e ele de fato conseguiu vender o peixe. A atuação dele foi incrivelmente boa, e chega a ser impressionante a veracidade no monólogo final.
Pena que sua carreira como ator nunca tenha deslanchado como de seus colegas, já que ele nunca mais conseguiu nenhum papel em nenhum filme de fato relevante, embora tenha atuado muito mais que a Ariana, por exemplo.

Ainda assim ele trabalhou com Chris Owen de novo em '77.

Mas isso é justificado pelo seu mantra, "não existem papéis pequenos, apenas atores pequenos", que é algo que dá pra se pensar até em outras áreas da vida, na real.
Hoje ele também é pastor/ministro/wathever e já realizou casamento de fãs.

O que é estranho ele ter participado de filmes como Who's Your Daddy?, mas enfim.

Also, o velho que joga xadrez com o avô de Angus é Irvin Kershner, diretor de filmes como RoboCop 2, 007 Nunca Mais Outra Vez, e Tauó 5: O Império Contra A Vaca.


Pra resumir, Angus é um excelente filme. Se tiver um tempo livre, assista Angus, é uma excelente forma de passar uma hora e meia com personagens amigáveis e ainda aprender alguma coisa que cê pode levar pra vida.

Não sei o quão popular esse filme é, mas definitivamente deveria ser mais reconhecido. Estou só fazendo meu trabalho.

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Sério, já viu o preço do salmão? Pois é.


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