Alice e o Novo País das Maravilhas (Syfy, 2009)


Meados dos anos 2000 viram uma certa explosão de adaptações de contos clássicos de forma mais ""adulta"" ou "edgy". Tin Man, Once Upon a Time, Grimm Fairy Tales da Zenescope, Fables, Steam Engines of Oz, Wicked, e outros trocentos que eu poderia passar o dia todo só citando.

É difícil achar um momento onde o trope realmente ficou popular, já que releituras adultas de contos de fada é algo que já se fazia no meio independente de quadrinhos e filmes desde os anos 60, mas esse estilo específico de misturar contos de fada clássicos com algo como steampunk, cyberpunk, gaslight, e zumbis parece ter saído muito mais no novo milênio.
Eu culpo o Tumblr e o movimento emo, que juntos parecem ter influenciado muito as escolhas criativas do Syfy quando produziu Tin Man em 2007.

Mas falemos de Tin Man e outras adaptações Ozianas outro dia. Talvez quando eu comprar um PC decente que me permita editar vídeos. Hoje vamos ficar com Alice mesmo.



A menos que você tenha vivido junto de aborígenes canibais que habitam na Groenlândia, você deve conhecer Alice no País das Maravilhas, e provavelmente conheceu através do longa de 51 de Walt Disney, o nosso bigodudo favorito e tiozão do galeto nas horas vagas. Walt mudou bastante a história, mas o básico de alguns personagens cê consegue pegar de boa. São personagens e momentos e situações tão intrínsecas ao inconsciente coletivo que é impossível não reconhecer menções rápidas a batidas narrativas da história.

A menos que tu seja um dos aborígenes que eu mencionei ali em cima.

O que essa versão do Syfy faz é basicamente jogar a história num ambiente com misturas de cyberpunk, biopunk, steampunk, emopunk e sei lá mais o que punk. Na real eu tenho quase certeza que tem um nome específico pra isso, algo como "fantasia-clássica-mas-com-a-rule-of-cool-e-sei-lá-uns-himel-nos-olhos-e-talvez-uma-franja

...

...

...punk".


A história segue uma moça chamada Alice que tem quase 30 anos e dificuldade de arranjar um namorado. Não sei se pelo fato de ela ser faixa preta em judô ou passar mais tempo procurando pelo pai que sumiu quando ela era pirralha, mas todo maluco que ela apresenta à mãe ela acaba descartando por qualquer motivo.

Até que ela encontra Jack, que parece ser o príncipe encantado perfeito: loiro, gentil, queixo tão másculo que faria Bruce Campbell fazer um joinha, mas tem um pouco daquele "bobo-charmoso". Faixa branca de judô, Alice tem que ensinar a ele, etc.
Ao menos eu acho que é assim que o trope funciona, sei lá.

Mas o cara entrega um anel pra ela do nada, e ela descarta o maluco achando que tudo tá indo rápido demais. Mas ela descobre que ele foi raptado e tentando salvar o cara, acaba indo parar em Wonderland, onde encontra o Chapeleiro (interpretado pelo Selton Mello naquela fase estranha da vida quando ele teve de substituir o vocalista do Green Day) e o Cavaleiro Branco, que vão ajudá-la a reencontrar Jack e talvez destronar a Rainha de Copas no meio do caminho, quem sabe.


Sendo uma produção do Syfy, é claro que teria ares de Filme B. Nada é malfeito, mas tu nota que foi feito com um orçamento bem menor do que deveria, reaproveitando locações, props, CG, e uma tela verde que às vezes soa até desnecessária e provavelmente foi usada porque Tim Curry não tava a fim de pegar mais um avião só pra gravar uma cena de 10 segundos.

O que realmente salta aos olhos é o design criativo do mundo. Ao invés de tentar imitar o mundo original e só passar uma camada de Hot Topic por cima (cofcof Tim Burton), eles criam um mundo novo que é mais ou menos inspirado na Wonderland original. Temos os mesmos personagens, usa alguns termos vindos do livro (adaptados pra definições próprias, como veremos no próximo parágrafo) mas é mais uma vaga lembrança na maioria dos casos, e não uma adaptação fidedigna. O filme continuaria a funcionar mesmo sem essas referências óbvias, ao contrário de Alice do Burton.
Que... veio um ano depois. Huh.


Wonderland tem um esquema de trazer humanos (chamados de ostras) pra Wonderland pra sugar suas emoções. Eles levam os humanos pro Cassino de Copas onde são submetidos a uma lavagem cerebral e forçadas a jogar e se entreter por lá, e assim são coletados emoções boas como alegria, paixão, inocência, etc.
Então os habitantes de Wonderland compram, vendem e usam essas essências (chamadas de chás) entre si pra poderem sentir alguma coisa, qualquer coisa que seja.

Em resumo, é como se a gente misturasse Alice in Wonderland, Dark Crystal, Alcione e Space Jam, porque o pessoal brilha que nem as bolas de basquete usadas pelos Monstars.


É um mundo funcional por si só, não depende tanto da história original e com isso, o filme pode tomar as liberdades que precisa. Por exemplo, temos uma referência ao Gato Risonho, mas se limita a um pequeno momento com Diná. Não precisamos forçar um personagem pra ser o Gato Risonho só pra ter o Gato Risonho. Ou Mestre Gato, eu sei lá o nome brasileiro oficial desse usuário de nepentas ilegais. Eu achei que fosse ter algum subplot sobre a amizade do Chapeleiro com a Lebre, mas além de sugerirem que eles se conheciam de alguma forma, nada mais é mostrado ou explicado.

Eles não jogam elementos do original só por jogar e marcar uma checklist, eles pegam referências soltas e adaptam o que precisam.

Eu gosto de como o mundo funciona, é uma típica sociedade lascada de ficção científica com aquelas críticas à nossa sociedade real que todo adolescente rebelde adora ver pra se sentir mais inteligente. É bem estruturado e interessante ao mesmo tempo, com as cidades sendo imensos arranha-céus em decomposição, mas ainda tem muito verde em algumas áreas.
Ao mesmo tempo parece uma sociedade pequena, limitada a só os prédios, a floresta/praia, e ao cassino gigante no meio do nada. Eu sei lá, parece estranho por algum motivo, mas é legal.


Eu acho que eu nunca elogiei um elenco da mesma forma que eu elogio design de personagem, mas lá vai: esse é um dos melhores elencos que eu já vi. Não por ter nomes conhecidos, longe disso. Embora o treinador do time de raquetescudobol de Descendentes esteja lá e eu tenha reconhecido ele só de olhar, o que me fez questionar todas minhas decisões de vida até então. Fora Tim Curry, eu não conheço absolutamente ninguém, mas tu deve conhecer. Tem gente de À Espera de Um Milagre, Grey's Anatomy, Pixels, Watchmen, Alien, etc.

Mas o negócio é que cada ator parece muito com o tipo de personagem que representa, quase como se o rosto e corpo tivessem sido desenhados praqueles personagens específicos. Alice tá sempre sendo confundida com A Alice da Lenda, mas ela fica corrigindo que é "só Alice". E ela é realmente... "só uma Alice comum".
A atriz que escalaram pra ser Alice é literalmente o mais average possível. Ela não é feia, mas também não é bonita. Não é jovem, mas também não é velha. Ela é aquela guria da sala que nunca fala nada, mas também não é desagradável. Nada nela chama atenção, ela é "só Alice normal", mas além disso a atriz consegue atuar bem e desempenhar emoções convincentes.

Ela é uma guria normal que calhou de ser chamada de Alice e ter uma gata chamada Diná e foi parar no País das Maravilhas, mas é só coincidência, nada de mais. Tenho certeza que isso também aconteceu a outras Alices do mundo real, como Alice Braga, Alice Hirose, Alice Roosevelt, Alice Cooper, Alice Cooper mãe da Betty, e Alice in Chains.




O mesmo vale pro Chapeleiro, que parece bem menos Louco que as outras interpretações, mas a loucura dele vem em outros aspectos, como a forma de falar. Que... acaba logo. O ápice da estranheza e rapidez do modo de falar é quando Alice o encontra pela primeira vez, e depois ele gradativamente se torna o everyman, a voz da razão. O que soa irônico e poderia funcionar se alguém chamasse atenção pra isso, mas eu não lembro de chamarem ele de "Mad" Hatter então... liberdade criativa?

Eu sei lá, funciona. De novo, não é uma adaptação fiel de Alice in Wonderland, é mais uma história de sci-fantasy com elementos de Alice no meio.

O único membro do elenco que eu achei subutilizado foi Tim Curry. Talvez o preço/hora dele fosse muito caro pro orçamento, mas nós mal temos Curryismos por aqui, é algo que poderia agregar bem ao tom do filme.


Also, o filme se coloca numa timeline meio confusa. Ainda é melhor do que o que fizeram em Tin Man (algum dia eu chego lá), mas ainda levanta algumas dúvidas.

Eles mencionam a Alice da Lenda, e Alice tem uma gata chamada Diná. Claro, poderia ter sido mais porque o pai dela lia Alice pra ela quando pirralha, e talvez até o nome dela tenha sido porcausa do livro ou do filme da Disney ou aquela versão bizarra da Hanna Barbera que tinha Fred Flintstone e Barney como a Lagarta

Ao mesmo tempo... não tem algum subplot de profecia no meio? Claro, a Disney viria um ano depois com essa idéia e estragaria com tanta força que faria o Katrina parecer uma garoa, mas eu gosto dessas coincidências. Nada precisa ser grandioso ou ter um grande significado, às vezes coincidências acontecem e tu acaba descobrindo que tua amiga é meia-irmã de uma colega de sala que tu não vê desde o ensino fundamental.

...onde eu tava? Ah, sim. O livro existe nesse universo, mas Wonderland é completamente diferente do que vemos no livro. O que nos resta uma única teoria: esse filme se passa canonicamente no mesmo universo de Once Upon a Time.

...eu sei que a Wonderland lá é totalmente diferente, mas me escute.

"Toma, bolo que sobrou do meu casamento com Rosinha."
Como eu apontei nesse artigo, os Autores eram gente do nosso mundo que viajavam pro mundo dos contos de fada e relatavam o que viam. E se Lewis Carroll tivesse escrito o livro baseado nessa Wonderland? Eles fazem uma referência a Robinson Duckworth, que era um amigo próximo a Lewis e ajudou a escrever o livro; e o nome do pai de Alice é o mesmo nome do pai de Lewis.

Claro, o tema sci-fi era bem estranho pra sociedade da época, o que obrigou Lewis a mudar a história. A Alice da Lenda foi a Alice que Lewis observou e relatou da sua própria maneira e ela se tornou uma lenda por lá depois de destronar a Rainha de Copas, e a Rainha de Copas atual é descendente daquela Rainha.

...ou talvez eu precise sair mais de casa e parar de conversar com meu TsumTsum da Alice.


Mesmo que não tenha a habitual falta de lógica (sendo reservado a alguns momentos), Alice ainda é uma boa adaptação do livro. É totalmente diferente, mas num bom sentido: é algo familiar mas ao mesmo tempo novo, e o que é novo funciona por si só; os personagens são interessantes e engajantes com motivações claras na medida da precisão da narrativa; e um design de produção criativo que te incita a tentar conhecer melhor esse mundo.

Ele basicamente é o que o filme do Burton tenta ser, mas sem as amarras de subplots desnecessários e legitimamente divertido de ver, ao invés de ser um festival de monotonia e descaso. Dê uma chance se ainda não viu porque vale a pena.

Bom saber que em Wonderland se usam
monitores redondos da JVC.
***
Se tu tá aqui e leu esse artigo, provavelmente deve gostar de contos de fada clássicos. Então ó, se liga nessa versão original das histórias de Alice. Eu tenho visto um pouco das edições da Zahar e tenho gostado muito do trabalho de tradução e comentários.

Hoje eu trago duas edições: uma simplificada só com as histórias e outra com comentários sobre as origens, vida do autor, trocadilhos, lógica, e com ilustrações originais da época, e mais uma história inédita e filmografia de adaptações de Alice.

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1 comments

  1. +Kapan, gostei bastante da resenha!

    Uma possibilidade para que esse filme tivesse um orçamento um pouco maior teria sido uma parceria com o estúdio MGM (que já foi um grande estúdio no passado mas agora está decadente), talvez elevando o orçamento em 30 milhões de dólares, com isso aperfeiçoando os efeitos especiais do filme, melhorando um pouco as locações e colocando mais cenas com o Tim Curry.

    Obs: no aguardo para uma resenha do filme Capitão Sky e o Mundo de Amanhã!

    #PERGUNTA Kapan, existe alguma previsão de você produzir alguma resenha sobre o filme do Coringa?

    Obs 2: caso Hollywood decida produzir uma cinebiografia da Carmem Miranda, qual seria a atriz mais adequada para o papel na sua opinião?

    Caso fosse estrangeira, pensei em: Gal Gadot, Kate Beckinsale, Anne Hathaway, Jennifer Gardner e algumas outras que não me lembro!

    Caso fosse brasileira estaria na dúvida entre Paola Oliveira e Letícia Sabatella.

    No mais, continue com o ótimo trabalho e aguardo resposta!

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