Os Super Patos (O desenho, não os filmes. Mais os quadrinhos.)


Se você fosse me perguntar qual a fórmula Disney básica que pudesse ser aplicada a 90% ou mais das produções, eu diria que é ver o que a concorrência faz e imitar ao seu próprio estilo.

Basicamente o que um YouTuber faz, só que com menos classe e cara-de-pau.

O estúdio e a empresa foram fundados no Mickey, que por si só era uma versão de Oswald, Bosko e outros funny animals de sua época, mas fazendo algo da sua própria maneira e melhor que os outros. Haviam outras adaptações de contos de fadas, mas nenhuma animada com tamanho cuidado e perfeição, algo que outros estúdios tentaram copiar, sem sucesso

Os parques surgiram porque o velho Walter queria um parque como os que ele visitava, mas que fossem limpos e com atrações pra toda a família. E caso você não possa copiar, você simplesmente compra a concorrência, como foi com a Marvel, Lucasfilm, Fox, e os Muppets.

Na TV, no entanto, isso parecia ser mais óbvio.


Essas stock images dos anos 90
são bonitas, mas me dão agonia.
Não sei porque.

Ok, pra sobreviver numa mídia tão projetada pra ser o mais datada possível pra capturar o máximo de audiência descartável pelo máximo de tempo, a imitação é algo inevitável. O problema é quando quem imita não sabe exatamente como fazer aquilo que a concorrência faz, o que é o caso de 90% da animação adulta na TV hoje.
Se bem que os próprios Simpsons se perderam no meio e hoje ninguém mais sabe quem imita quem.

Por exemplo, a Disney fez The Shnookums and Meat Funny Cartoon Show (no Brasil o desenho recebeu o nome mais simples de Sardinha e Filé), que era uma clara tentativa de emular o sucesso de Ren e Stimpy. Mas a Disney™ como marca não tem o costume de fazer comédia grosseira como a Nickelodeon, que geralmente era mais edgy que a Casa do Rato. O resultado era... variável, de desastroso a decepcionante.

Às vezes eles podiam acertar com algo como Gárgulas, que era uma resposta a Batman TAS. E às vezes eles tentavam copiar a si mesmos, como em Bonkers, que foi descaradamente inspirado em Roger Rabbit.


O negócio é que o Disney Afternoon (que era o bloco de desenhos da Disney, tipo nosso Disney Cruj/Club só que sem a novelinha de Cao Hamburger) já tinha vários programas preenchendo algumas checkmarks. Tinha os desenhos de aventura como Aladdin, Hércules, e Tico e Teco e os Defensores da Lei; comédia em TURMADUPATETA e Bonkers; aventura cômica como Esquadrilha Parafuso; e ação dramática e sombria e edgy em Gárgulas.

Ou variações de comédia e aventura, mas ação basicamente só tinha Gárgulas. Mas faltava uma mistura de ação, aventura e comédia. Algo que tinha sido feito em 95 baseado num filme com Jim Carrey baseado numa HQ incrivelmente sombria e original: O Máskara.

O Máskara é o tipo de desenho que ainda é uma comédia wacky, mas tem os elementos de super-herói de uma forma ou de outra. Disney Television podia achar algo pra preencher esse espaço com sua mais nova franquia multimídia: os Mighty Ducks, o filme de hóquei que eu resenhei aqui e o time de hóquei que eu literalmente não tenho condições de escrever sobre.

Mas pera, um desenho sobre um bando de moleque jogador de hóquei não encaixa em super-heróis, certo?

TRANSFORMEM ELES NAS TARTARUGAS NINJA!



YEAH!

...

PORQUE NÃO?

Sim, é um conceito absurdamente imbecil mesmo pros padrões dos anos 90. A Disney tentou misturar o conceito de animais antropomórficos que são super-heróis lutando contra um supervilão, com a comédia constante de Máskara, e hóquei porque... bllrr.

Sim, bllrr. É uma justificativa tão boa quanto qualquer outra.

E eu descrevo o desenho assim zoando, mas é com o total respeito, porque ele soube como se portar com uma plotline que envolve...

...

Sabe, a Disney já tem um histórico muito bom com patos e um universo habitado por animais antropomórficos regidos por uma patocracia, mesmo com o mascote supremo sendo um camundongo, que eu imagino ter sido resultado de uma aposta que o Mickey perdeu. É curioso, eles não iam deixar essa oportunidade passar.

São 3:20 da manhã e eu tou discorrendo sobre universos de patos que agem como humanos. Minha vida é um inferno e uma bênção ao mesmo tempo. Antes que eu faça uma piada de Grand Chase que só dois de vocês vão entender, deixa eu contar o plot principal do desenho.


Os três primeiros episódios resumem o plot base (como era a moda na época), e foram lançados numa compilação em VHS com o nome de "O Filme" (de novo, como era a moda na época), embora já tenha filmes com o nome de Mighty Ducks então ter um desenho chamado Mighty Ducks se chamando Mighty Ducks O Filme é...

...minha cabeça dói.

Ok, num outro universo existe um planeta rodeado de meteoros em forma de discos de hóquei. O nome do planeta é Puckworld, ou, em português livre, "mundo disco de hóquei". Antes que você berre "PATOS TERRAPLANISTAS", descobrimos que hóquei é TUDO nesse mundo. não é só um esporte, é um estilo de vida, uma filosofia, algo que envolve a tudo e todos, como a Força.

Ou como pokémons no mundo de Pokémon.


De fato, o grande herói de Puckworld, Drake DuCaine, salvou seu mundo habitado por patos jogadores de hóquei de uma invasão de dinossauros alienígenas

...

Eu vou tentar de novo. O grande herói de Puckworld, Drake DuCaine, salvou seu mundo habitado por patos jogadores de hóquei de uma invasão de DINOSSAUROS ALIENÍGENAS usando uma máscara de hóquei de alta tecnologia, banindo os vilões pro limbo dimensional.

Mas como nada dura muito, os Saurianos se libertam de sua prisão e invadem Puckworld com um exército de robôs, liderados por Lord Dragaunus, dublado por Tim Curry. Mas uma resistência é formada por Canard, que reúne uma equipe de RPG Cyberpunk formada pelo fortão iluminado, a menina badass, a menina nerd, o líder nato, o irmão mais novo do líder nato que vive fazendo piada, e o espadachim com um passado sombrio.

Eles formam uma missão de invadir a nave-mãe dos Saurianos, e acabam abrindo um portal que os leva pra Anaheim, Califórnia.

Oh, a cidade em Puckworld também se chamada Anaheim, porque é claro que sim.

Mas durante a passagem entre os mundos, Canard se sacrifica pra que a nave pudesse sobreviver, e o novo líder é Wildwing que... É um líder. Já já conversaremos sobre isso.


Na Terra, eles encontram Phil, dublado por Jim Belushi, o que é apropriado, porque Phil é um empresário do hóquei que acaba de perder o emprego e passar a gerenciar os Super Patos e tem aquela aura de empresário tiozão que vive pedindo dinheiro emprestado pra investir num "negócio da China".

Ah sim, o time local antes se chamava Os Super Sapos de Anaheim. Achei que fosse relevante.

Mas Dragaunus e sua equipe também estão na Terra, e passam todo seu tempo livre na busca de energia pra abastecer a nave pra poder finalmente voltar pra Puckworld, tal qual os Decepticons lhe ensinaram. Os Patos também querem voltar pra casa, mas sentem que tem um dever de impedir Dragaunus e outros supervilões humanos, enquanto jogam hóquei pra acalmar os nervos.

Então... é. Essa é a história básica. É imbecil, mas funciona pra um desenho de sábado de manhã ou diário. E realmente essa é a única forma de assistir direito, porque eu tive que maratonar isso e olha... Cansa bem rápido. Mas ainda é divertido se tu souber exatamente o que esperar.


Assim como quadrinhos pulp, esse é um desenho BEM gimmicky. Ele sabe que é um desastre conceitual, e tenta aliviar isso com piadas de quarta parede mesmo quando tu menos espera. A maioria vem do irmão mais novo do líder, Nosedive. Ele é que geralmente diz algo como "ah pronto agora vamo ter que mudar o nome do desenho" e aqueles trocadilhos de ação que tu espera que sempre tenha, tipo "acho que você precisa esfriar a cabeça" antes de jogar um balde d'água no vilão ou algo assim.

Mas esse lado mais cômico vem também no world building do desenho, que tem... Algumas referências bem específicas, que fazem sentido dentro de seu próprio universo, e que são... ligeiramente engraçadas. Por exemplo, Grin (o grandalhão dublado pelo diretor do colégio em Operação Babá) é o fortão que encontrou o caminho da paz, sabedoria e iluminação espiritual. A maioria das falas dele se refere a cristais, paz interior, etc.

Enfim, clichê, mas funciona. Ele encontrou tal paz interior ainda jovem em Puckworld, quando encontrou um mestre kung-fu do hóquei que devia ser uma referência ao Mestre Po de Kung-Fu, mas sempre acaba quebrando o personagem.


Olha esse design de personagem, é exatamente o tipo de coisa que uma criança pensaria quando lhe descrevessem "um pato mestre em kung-fu e hóquei, ou uma fusão das duas coisas".

E a bandeira dele é basicamente a logo dos Super Patos desenhada com pincéis japoneses, isso sim que é esforço.

Também tem uma certa inconsistência narrativa no fato de que existem supervilões na Terra, do tipo que, se não existissem os Patos, talvez a Terra não sobrevivesse muito tempo. Tem um maluco que abandonou todo seu corpo de carne e vive como uma cabeça ciborgue que cria robôs gigantes, por exemplo.

Igual O Máskara e as Tartarugas Ninja também tinham algo parecido, parando pra pensar.


Máskara é mais crível porque não tem muito elementos de fora, o mundo dele já tem um artefato mágico que transforma o sujeito num Pernalonga psicopata virado no café, então ter vilões como o Pretorius, Garbage Man, Channel Surfer, o próprio Sete-Peles, e Cookie BaBoom é mais equilibrado conceitualmente.

Há um desequilíbrio em Super Patos, no entanto. A própria Terra já tem problemas grandiosos e suficientes demais pra polícia resolver, a existência de patos antropomórficos jogadores de hóquei é a única coisa que impediu a Terra de virar Mad Max.

O que é mais engraçado é que o clima durante maior parte da série quanto aos Patos é de curiosidade, mas também "eh, wathever".

Em qualquer outro universo de sci-fi habitado por patos jogadores de hóquei, eles seriam imediatamente postos num laboratório e dissecados por cientistas, otakus e autistas de internet na busca de criar o cruzamento perfeito entre mulheres e animais. Porque se existe um segredo na criação das catgirls, esse segredo se chama Mallory e Tanya.

De fato, eu creio piamente que a Mallory é nada mais que a fursona da Rachel de Boy Meets World.

Não acredita? olha essa imagem:


Pois é, né? Assustador.

Mas não aqui, os humanos simplesmente aceitam que são patos alienígenas que salvam o mundo de dinossauros alienígenas e outras aberrações da ciência ou magia (porque é claro que tem dois episódios que mostram uma prévia de Onward com magia coexistindo com tecnologia moderna). Talvez justamente por existir supervilões como o Big Daddy-O Cool, que é um cara normal afetado por uma mutação que o transformou num beatnik obcecado com caminhões monstro.

Vocês acham que eu tou zoando, mas é esse o tipo de mundo que Super Patos se passa.


Tem um episódio que eles enfrentam dinossauros ressuscitados da mesma forma de Jurassic Park. De novo, me lembra muito paradas altamente gimmicky de quadrinhos independentes, tipo Jungle Girl, Motor Girl, e até o reboot de Josie and the Pussycats.

Raio, até filmes B no geral ou qualquer coisa que tente emular isso, como Tammy and the T-Rex e Space Bunnies Must Die. Só family-friendly porque Disney. Tartarugas Ninja também começou assim, parando pra pensar, então o coração dos produtores tava no lugar certo.

E dá pra ver que a produção teve muita liberdade com seus plots quando tem um episódio inteiro dedicado a satirizar Pulp Ficton. Lembrando que Pulp Fiction foi o primeiro filme a receber a luz verde pela Miramax pós-compra da Disney.

A Disney produziu Pulp Fiction. Pare por um segundo e reflita sobre isso.

Sim, eu tou com preguiça de abrir
o Disney+ só pra tirar print dessa cena.

Ok, cantei muitos elogios pros setups, plots e feeling geral do desenho. Mas no que ele falha? Basicamente, nos personagens principais. Todos são absurdamente clichês e desprovidos de qualquer outro traço de personalidade, o que era comum na época e pro tipo de história que eles contavam.

Era um desenho feito pensando nas reprises, então ele sequer tinha um final certo, o que tivemos foi o episódio 21, que nem é o episódio final da temporada. O último episódio é um episódio genérico sobre o passado do espadachim que costumava ser um ladrão.

Talvez mais episódios assim fossem interessantes. Tem um certo arco do Wildwing não se sentir um líder digno e a máscara passar de mão em mão entre todos os patos, que falham na missão de tentar usar o negócio, mas só dura um episódio.

Ou mais episódios focados na Mallory, que é a mulher durona do grupo e constantemente tem que agir como a mãe da equipe, mas não consegue lidar com uma literal criança que admira os patos e segundo Tanya, o moleque era apaixonado pela pata ruiva. Hoje ele deve ter uma conta no DeviantArt.

Eu nem esperava eles saírem muito das personalidades que você espera que eles tenham, porque outros desenhos também faziam isso na época e funcionava, porque as histórias em si eram criativas e a química entre os personagens bastava pra que a história fluísse bem. DuckTales original me vem à mente, Tico e Teco e os Defensores da Lei também, até certo ponto porque eu não vi muito recentemente e os episódios que eu vi foram... sofríveis, pra dizer o mínimo.


A única coisa que ainda se salva indiscutivelmente é Tim Curry como Dragaunus e o dublador do Frollo como o mago conselheiro do vilão principal. Mas o vilão camaleão é tão irritante nas suas imitações a celebridades que eu só consigo pensar em como ele é uma tentativa forçada de ser o Gênio de Aladdin e que as crianças não vão entender referências diretas a Clint Eastwood, Três Patetas e Rodney Dangerfield, e como os adultos não vão achar graça nas mesmas referências.

Super Patos tem bons conceitos, bons personagens, e tem momentos legitimamente criativos e divertidos que meu eu de 8 anos adorou ver. Mas mesmo em sua época, ele fracassou em cativar o público, o que explica ter só uma temporada de 26 episódios.

Ainda teve algumas histórias em quadrinhos lançadas na Disney Adventures e Disney's Action Club. A única história que foi publicada em outros países foi You Love Me, You Hate Me, que servia de introdução ao desenho em forma de quadrinhos incrivelmente resumida. E ainda assim, só foi publicada no Reino Unido e Alemanha.

Por algum motivo,
Phil pintou o cabelo de loiro.

E olha, foi uma LUTA achar a entrada dos Super Patos no Inducks, ele não achava o personagem Wildwing (porque não existe entrada pros personagens individuais, só pro grupo), e a Disney Adventurers com o Wildwing na capa não catalogava o personagem nem o grupo.

Mas eu consegui achar a entrada e não só isso, um site que foi construído com durex e papelão em 1998 com scans não só de todos os quadrinhos, mas dos livros também. As histórias são basicamente versões de episódios, nada novo até onde eu vi, mas também não tive saco de ler todas. 

Tanto por eu mesmo já estar saturado, como pela qualidade dos scans ser variável. Tem uma história que tem páginas que não uparam toda e cortam o final da página, e ainda por cima como o scan é ruim de ler, o dono do site fez o favor de botar a legenda do lado da página.

Pelo menos assim dá pra ler.

Ok, minto. Há uma história cujo argumento não se baseia em um episódio da série (até onde eu aguentei ler), e essa é justamente a You Love Me, You Hate Me, onde os Patos tem que lidar com um equipamento que torna o público agressivo a a ponto deles terem que fazer essa piada:


E tem outra que eles são atração numa convenção de ficção científica. Pelo teor das histórias, eu não duvidaria que foram roteiros que seriam usados numa segunda temporada, se o desenho não fosse cancelado por ser uma relíquia do passado mesmo em sua época.

E como desgraça pouca é bobagem, o único jogo caseiro de Mighty Ducks que teve foi um da Tiger Eletronics, que fazia os infames jogos em LCD. Aqui, tem um vídeo de um maluco random no YouTube mostrando o jogo gravado usando a mesma tecnologia do site que abriga os quadrinhos.

O outro jogo que existe (ou existiu, sei lá) é o pinball na DisneyQuest, que parece... interessante. Ao invés de controlar as barras, cada jogador controla a bolinha (que representa o disco de hóquei) e tenta fazer gols no Wildwing. Olhando o vídeo, parece absurdamente divertido e se me perguntar, apropriado pra uma coletânea de minigames.


Pena que nunca teremos a mistura de beat'em up com hóquei no SNES/Mega Drive. Parece uma mistura que daria super certo, mas acho que ninguém nunca sugeriu isso pros caras na Disney.

E os bonecos parecem ser mó daora, e como o propósito do desenho era vender brinquedos, eu acho que ele se saiu bem até certo ponto. Pena que a propaganda não era tão boa quanto deveria.

Você devia ver Super Patos? Sim, se gostar de desenhos bobocas com heróis antropomórficos e uma contagem de clichês por minuto mais alta que Tartarugas Ninja. Mas segue meu conselho e veja no máximo dois episódios por dia, ou vai se cansar MUITO fácil.

E agora eu vou deixar vocês com o sabonete dos Super Patos, porque sim.

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