Donald Jovem


Eu acho o fenômeno “pegar personagens clássicos e mudar a idade deles” algo fascinante.

Normalmente é algo feito quase que como uma punchline, mas que quem produz ou financia tem que levar a sério, e o resultado é sofrível, na maioria das vezes. De cabeça, Muppet Babies, Yo Yogi, Little Archie, WWE Camp, A Pup Named Scooby-Doo, Turma da Mônica Jovem, por aí vai.

Às vezes dá certo, tipo Archie: The Married Life e Muppet Babies, mas normalmente é algo que simplesmente cria tantas inconsistências narrativas que eles acabam simplesmente escrevendo como um universo alternativo, que é a saída mais rápida anyway.

Raio, Turma da Mônica jovem criou inconsistência narrativa logo na primeira edição, que eles tiveram que correr pra explicar depois. Mas lá era só uma narrativa zoadaça mesmo, com essa necessidade obrigatória de TER que enfiar referência japonesa no plot. Isso porque eu não quero entrar nos detalhes que Viva Rock Vegas contradiz diretamente um episódio do desenho e toda a existência de Flintstones Kids.

Mas eu divago, porque a Disney é uma das principais culpadas por isso.


Qualquer um que tentou sincronizar História e Glória da Dinastia Pato com A Saga do Tio Patinhas provavelmente acabou com uma parede bastante enfeitada e um derrame, mas como eu já discorri em outro artigo, a canonicidade dos personagens é algo extremamente maleável, e dá pra ver histórias com eles moleques como algo parecido com Todo Mundo Odeia o Chris e Young Rock.

Sendo personagens atemporais, é normal que essas distorções de tempo aconteçam, o que é estranho acontecer menos vezes que no Simpsons, por exemplo. Tem episódio recente que Bart e Lisa estranham ver televisões de tubo, o que é mais um sinal que o desenho devia ter acabado há pelo menos 10 anos atrás.





Raio, tem uma história adorável sobre os personagens no Ensino Médio, que aqui veio na capa que anunciava High School Minnie. Eu inclusive tenho essa edição, é mó fofinha e divertida, e a personalidade dos personagens sai intacta, mas num outro contexto, com resultados interessantes.

Claro, o nome High School Minnie foi basicamente pra chamar atenção de quem quer que visse na banca, porque em 2007 o filme ainda importava alguma coisa. A história em si foi produzida 6 anos antes da Disney sequer sonhar em fazer um musical sobre basquete.

Fizeram a mesma coisa com uma edição do Donald parodiando Speed Racer na capa, mas era só as histórias que tinham a ver com corrida, nenhuma referenciando especificamente o desenho japonês com o live action recente.


Enfim, Donald Jovem não é nem de perto High School Minnie, e isso é um problema. O que não quer dizer que seja ruim, só é pra um público MUITO específico.

O que também é um problema, porque quadrinho Disney geralmente tem a intenção de ser divertido em qualquer idade que se leia.

A história do álbum dá uma distorcida bacana no espaço-tempo, mas como já deixamos claro no artigo sobre o Universo Compartilhado Disney, o multiverso existe, então dá pra se tratar desse amontoado de histórias como uma versão alternativa da adolescência de Donald, Mickey, e sua gangue de animais.

Talvez ela se passe na mesma linha do tempo de Donald Menino, mas a única história que eu lembro era uma que eles referenciavam National Kid, então sei lá.

Donald mora na fazenda com a Vovó Donalda, folgado e sempre à procura de uma grana fácil com seu amigo Porcolino, que talvez seja ainda mais folgado que o Donald. Após uma tentativa fracassada de enrolar outro cara, Patinhas resolve mandar Donald pra uma escola particular em Ratópolis, onde ele conhece Mickey, Pateta, Minnie, Margarida e Tudinha, que eu jurava que era uma personagem esquecida, mas segundo o Guia dos Quadrinhos, tem aparecido muito mais em histórias recentes.

Eu pessoalmente só lembrava de uma aparição da Tudinha, num gibi do Mickey que aparentemente ninguém tem scan. Eu devia ir atrás da minha edição pra escanear, por falar nisso.

Não confundir com a Tidinha, que virou uma das mascotes não-oficiais do Ídolos, ganhando um quadro próprio no programa e na Praça é Nossa.


As histórias passam por temas recorrentes de história sobre Ensino Médio: paixão adolescente, bullying, ficar abandonado numa ilha deserta durante um passeio escolar e acabar montando num tubarão no meio de um redemoinho, RPG, essas coisas.

No geral, eu gosto dessas releituras de personagens em outras idades ou contextos, é uma maneira interessante de reinterpretar um personagem conhecido em outros contextos, abrindo o leque de possibilidades criativas.

O problema com Donald Jovem é que a maioria das histórias não tem… Elas não… Como descrever… São histórias bobas. Ok, previsível, dificilmente quadrinhos Disney vão ser reconhecidos pela sua qualidade de roteiro, a menos que sejam escritas por Carl Barks, Don Rosa, ou algum artista europeu.

Tomando por exemplo o High School Minnie, é uma história curta, mas divertida e memorável. É recheada de clichês de história do gênero de uma forma tão descarada que cê nem liga tanto.

Donald Jovem tenta fazer uma história com arco fechado, estabelecendo personagens e histórias próprias que vão ser desenvolvidas ao longo da mini-série. Mas ele não fecha satisfatoriamente nenhum deles, até porque (spoilers) ele termina com o Donald indo pra uma universidade em Patópolis.


Eu gosto dos temas das histórias, e gosto de como eles conduzem o negócio todo, mas às vezes eles não mantém a mesma personalidade que já tamos familiarizados. Em High School Minnie, a gente se sentia à vontade com os personagens, porque suas personalidades tavam, pra mais ou pra menos, intactas.

Donald ainda tem sua personalidade impulsiva, mas não tem aquela ira cômica que estamos acostumados; Mickey é esperto, leal e bom moço num geral, mas nunca fazem nada particularmente interessante com ele (ao passo que em High School Minnie, botaram ele pra ser tutor do Pateta, pra balancear as personalidades).

Minnie e Margarida tem bem menos personalidade que o esperado, e a Margarida tem uma atitude meio de broaca, sei lá. Às vezes ela soa metida e patricinha, mas depois parece que removem isso dela? É uma mudança meio drástica demais.

O que mais me soou mudado foi o Pateta, que por algum motivo parece saber de programação bem mais do que eu, que é algo que eu nunca imaginei que fosse dizer na vida e me deixa ligeiramente ofendido, não sei porque. E não é uma piada tipo “haha ele é idiota mas não percebe quando é inteligente sem querer”, é algo que devemos aceitar de boas, mas…

Sabe… É o Pateta.

A Tudinha é a única que eu não tenho nenhum problema, mas mais porque ela é adorável e é legal que lembrem que ela existe.


E sim, eu entendo que são os personagens com 15-17 anos, bem diferentes deles adultos etc, mas ainda assim, um pouco de consistência seria legal. High School Minnie fez isso em uma única história, dando até outros interesses pros personagens, tipo o Mickey que mexia com radioamadorismo, e a Minnie que queria entrar no clube das meninas broacas.

O que é um bom arco narrativo, aliás, uma mudança que não é sentida durante todas as histórias de Donald Jovem.

Outra coisa que me incomoda profundamente é o traço. É uma parada muito 8 ou 80, ou é aquele traço bonito típico de italiano/francês, com muita personalidade, movimentos fortes, traços grossos, muito expressivos.

O problema é que às vezes eles são expressivos DEMAIS, a ponto de distorcer o rosto de alguns personagens.


Tem um pouco de influência de quadrinhos japoneses em algumas expressões, que não soam fora de lugar, milagrosamente, mas soam… off.

Mas se fosse só as influências japonesas seria de boas, o problema é quando as expressões fazem parecem que os personagens levaram uma bifa do Brock Lesnar. Chega a ser desconcertante o tanto de vezes que um personagem parece se transformar em outro completamente diferente, especialmente o Donald. Até porque a gente tá acostumado a um certo padrão de expressões e tem uma noção geral de limites que o corpo deve ter, mesmo sendo um desenho animado cartunesco.

E sim, eu sei, desenho animado, distorção é parte da natureza intrínseca deles, mas mesmo assim há um conjunto de regras e um model sheet pra evitar que o artista não pise fora da linha e o resultado seja bisonho. Os caras de Atlantis não passaram um dia inteiro dissecando o estilo do Mike Mignola de desenhar mãos por nada.




Em Donald Jovem, constantemente vemos Donald simplesmente curvando o bico, como se fosse uma boca normal, mas sabemos que bicos de patos não são maleáveis assim. Soa errado, e soaria errado mesmo se fosse num desenho animado porque já temos experiência com Donald e Patolino que bicos podem ser explodidos, mudados de lugar, girados e até desmembrados, mas MUITO dificilmente eles são dobrados como um U.

Como essas histórias são recentes, foram desenhadas no computador, e isso só colabora pra estranheza de algumas composições. Claro, vai servir de referência pra trabalhos futuros, mas dá pra notar em vários momentos quando os artistas desenham o cenário primeiro, desenham o personagem fora e depois jogam o personagem dentro do cenário e ajustam o tamanho pra encaixar na cena.

Em termos de comédia, são histórias ligeiramente engraçadinhas. Em alguns momentos ele tem um senso de timming ótimo, como a história na praia (que provavelmente é a melhor do álbum), mas quando não é, ele tenta ser um drama cômico e simplesmente não funciona.


Sempre envolve o Donald envolvido em alguma grande maracutaia ou grande obra, que mostra sim, sua esperteza, mas no final das contas… meh.

Eu amo a história que ele organiza um flash mob pra salvar Tudinha de bullies, e eu gosto das intenções da história que ele fracassa propositadamente numa peça pra que Mickey tome seu lugar e possa beijar a Minnie na peça (mesmo que o plano e desenrolar da trama não faça sentido algum). Mas assim… Ao final das contas, tudo parece amontoar pra nada.

São histórias soltas, causos de Donald na faculdade, mas a forma como eles narram e estabelecem e desenvolvem os fatos parece que vão levar a algum lugar, a alguma conclusão, algum desenvolvimento maior e… nunca chega.

É como a maioria das esquetes do Porta dos Fundos: tem o set up da piada, tem desenvolvimento, mas nunca a punchline. Só que Donald Jovem não me dá vontade de violar o Setembro Amarelo usando querosene, um carrinho de supermercado e meio quilo de morangos.


Tudo nessas histórias parece ter sido feita às pressas, do roteiro, ao desenho, ao planejamento. É como se eles soubessem que isso seria uma grande parte da comemoração dos 85 anos do Pato Donald, e apressaram a equipe criativa pra produzir algo pra essa demanda específica. Eu sei que os caras são talentosos no que fazem, porque o Inducks deles tá cheio de coisa competente, tanto em roteiro como em traço.

...aliás, falando em traço... e linhas do tempo...

...


Essa é a K Ká, dos quadrinhos de Donald Duplo.

Toda vez que eu li esse livro e ela aparecia como professora, eu ficava "haha piada interna, ela parece a K Ká de Donald Duplo".

Eu chequei no Inducks.

É ela.

Isso não faz o MENOR sentido, mesmo considerando as linhas do tempo alternativas, porque em teoria, K Ká devia ter a mesma idade ou ser BEM mais nova que o Donald, a menos que tenha alguma coisa em Donald Duplo que eu não tenha lido que explique isso de alguma forma.

E eu descobri que tem uma história recente de Donald Jovem recapitulando os eventos desse álbum, mas até o fechamento desse artigo não foi publicada no Brasil, então paciência.

E sim eu acho a K Ká linda demais, vá se lascar.


Mesmo sendo histórias feitas pro público jovem atual (porque ele tem referências MUITO específicas quanto à redes sociais, jogos do momento e até um Nintendo Switch), Donald Jovem falha em preservar a personalidade dos personagens em vários momentos, mas não deixa de ter alguns momentos engraçadinhos e até legitimamente wholesome.


E o álbum tem um acabamento do balaco baco com uma impressão boa, então se cê coleciona quadrinhos Disney, é algo que fica bonito na estante e que vale a pena dar uma lida vez ou outra.


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