Tillie e Seu Dragãozinho


Assim como Dan Povenmire, eu tenho alguns níveis do que eu pretendo com as coisas que faço.

Às vezes eu faço piadas pra tentar atingir todo mundo, às vezes são piadas específicas demais que tentam atingir uma parcela ínfima da população, e às vezes pra um único indivíduo, que no meu caso, provavelmente sou eu mesmo ou meus dois amigos imaginários.

Essa review é mais ou menos isso. Há um ano, alguém que não lembro quem foi (porque provavelmente não me seguia) me perguntou sobre um desenho animado antigo que ele viu quando criança e não encontrava e ao me descrever, eu encontrei Tillie e Seu Dragãozinho (The Tale of Tillie’s Dragon).

Passei um ano pra lembrar que isso existe e finalmente, pus minhas mãos nojentas e petulantes nesse clássico nostálgico de… alguém.

E… É meio que uma experiência. Não boa, nem ruim, nem uma batida de trem desconfortável como Cats, mas não é relacionada ao desenho em si.

Mas primeiras coisas primeiro.


A história narra sobre uma garotinha dublada pela Mônica que não tem amigos, porque seu tio não deixa ela sair do castelo. Seu tio é São Jorge, que apesar de ser só um parente distante DAQUELE São Jorge, por algum motivo herdou o status, além do nome igual.

Eu não sei como funciona o esquema de beatificação, mas eu tenho quase certeza que não é assim.

E sim, absolutamente todo mundo chama ele de "Tio São Jorge", incluindo o prefeito e o narrador.

Sim, tem um prefeito nessa história de fantasia medieval.


Enfim, devido à falta de amigos reais, a menina acaba escapando pra floresta e fazendo amizade com os animais locais, como cervos, passarinhos, ratos, e provavelmente um mendigo que berra “A GAROTINHA RUIVA SERÁ A NOSSA LÍDER!”. O narrador diz que ela leva a bicharada toda pro castelo, mas no filme ela claramente não permite que eles saiam da floresta, então… sei lá, esse filme é uma bagunça. Nem saí do plot básico e já temos problemas pra estabelecer e cumprir regras simples.

Isso porque eles mencionam câmeras fotográficas e filmes nessa aventura de fantasia medieval.

Mas o tio São Jorge tem problemas maiores, porque além de passar os dias perseguindo um dragão imaginário, o MALVADO PREFEITO e seu fiel assistente cleptomaníaco (que são tão estereotipicamente maligno que faria o Coração Gelado e o Esqueleto do He-Man formarem uma liga anti-difamação de vilões) querem passar a perna no velho, comprando o castelo dele porque… motivos.
Tudo bem ser cartunesca e vaudevillianamente vilanesco, mas que o faça de maneira divertida, memorável, ou de facto maligna.


Olha esse esnobe de nariz empinado, roupas vermelhas à la Gaston, e tanta aura de aristocracia que faria 
Hunter Hearst Helmsley parecer o Mendigo do Pânico.
Como ESSE cara e seu assistente com cara de sapo não são os vilões, eu não sei, mas o plano deles é meio imbecil anyway.

Digo, é realmente uma motivação plausível pra vilão? Não é como se o prefeito ou o assistente dele precisassem do castelo, uma vez que absolutamente ninguém na cidade tem dinheiro e as lojas tão fechando mais rápido que as lojas do Centro em dia de arrastão. O que raios eles querem com um castelo? Porque não usar o dinheiro pra revitalizar a cidade e garantir a próxima eleição? Mesmo convencendo o velho a fazer uma torre pra avistar o suposto dragão e empregando arquitetos, pedreiros e sobrinhos, não é suficiente pra atingir nenhum de seus objetivos.

A situação é tão precária que não tem um cristão pra dar um pouco de água pra Tillie aguar uma plantinha que insiste em nascer na calçada. É uma cidade em decadência, e o prefeito… embora seja caracterizado como um vilão, não é um cara ruim, só… estranho?
...existiam prefeitos nessa época? Não era o senhor feudal, ou rei, ou...
...

Enfim, em uma de suas andanças de plebéia de nobre coração que vai todos os dias ao campo alimentar os animais, acaba salvando a pele de um dragão que estava prestes a ser capturado pelo homem da carrocinha, o que prova que as pessoas na Idade Média sofriam de astigmatismo, miopia, ou demência severa.


Ela resolve adotar o dragãozinho, dando banho e comida, e descobre que ele sabe falar a língua dos humanos, e é fluente, e tem o nome de Herman. Assim como o Woggle Bug, ele aprendeu de ouvir a escola enquanto ainda estava no ovo, exceto que o Woggle Bug não estava no ovo e cresceu de tanto aprender… eu acho. Nunca gostei desse personagem e não consigo lembrar a lore dele com clareza.

Pelo menos nisso eu devo admitir, faz sentido numa história de fantasia. O resto da história é uma bagunça cujas regras são mera burocracia que pode ser revertida com uma linha, mas pelo menos o dragão falante tem uma justificativa pra existir.


E é um desenho de 40 minutos, então o resto da história é bastante previsível, e se você tem qualquer contato com qualquer tipo de narrativa, sabe exatamente o que esperar daqui… E ainda assim, nenhuma das coisas que você imagina que seriam feitas numa história assim, acontecem, o que parece ser igualmente incompetência com falta de orçamento.

Eu queria muito poder reclamar de ser um desenho que se aproveita da fórmula de ET do Spielberg, onde vemos Tillie tendo que esconder seu dragão de estimação do seu tio que se auto intitula caçador de dragões, mas temos muito pouco disso.


Porém, o que temos (pelo menos se tratando de Tillie e o dragão), tem potencial. Ela não tenta esconder de maneiras comicamente exageradas, mas sim o trata como um bichinho, com a simplicidade de uma criança.
Tem um momento em que Herman, o dragão, pega um resfriado, e Tillie bota uma toalha na cabeça dele e leva pro veterinário, ignorando a possibilidade dele soltar fogo dentro da clínica, espantando todo ser humano e animal e alertando o povo da cidade de que tem um FREAKIN’ DRAGÃO, o que levaria à população buscar suas tochas, foices e forquilhas, como era o costume da época.

…sim, é exatamente isso o que acontece, o que você esperava?


E ao invés de mandar matar o dragão, o prefeito manda poupar o bicho, porque as notícias voam, a cidade tem um fluxo gigantesco de turistas, que, segundo o narrador, vão lá pra comprar merchandising, quinquilharias, bugigangas, souvenires, e até câmeras fotográficas e filmes.


Eu juro, até no original o narrador menciona câmera e filmes. Eu vi esse filme no original e dublado, mas ouvir o São Jorge dizer “vocês italianos são todos iguais” é um dos momentos que eu não esperava ver hoje, junto de Doug Walker fazendo uma versão caçadora de demônios do Nostalgia Critic em Smilling Friends.

Ainda me soa como um delírio febril, perdão.

E sim, eu tou ignorando que a ordem de eventos onde 1)A população persegue Herman; 2)Tillie foge com Herman pra uma montanha; 3)Tio São Jorge e o prefeito vão atrás do dragão na montanha foi tempo suficiente pra alguém NA IDADE MÉDIA: ver a notícia, escrever, publicar em um jornal, a notícia se espalhar pra cidades vizinhas, o pessoal decidir parar tudo que estavam fazendo pra ir pra cidade do dragão, a população preparar um monte de quinquilharia incluindo fantasias, balões (de borracha/látex, lembremos), faixas e brinquedos temáticos, ENQUANTO TILLIE E SEU DRAGÃO ESTAVAM NA MONTANHA.

O Tio São Jorge foi enfrentar o terrível dragão, quando chegou viu que era basicamente um Dragonite mais imprestável do que o Dragão Dengoso, e quando ele se vira já tem o prefeito pedindo pra não matar o bicho porque a cidade virou um ponto turístico porcausa do dragão.
Ou a montanha é um buraco negro temporal ou o ritmo da cidade é mais frenético do que o TikTok.


Deu pra ver que a narrativa e o roteiro desse desenho não é lá essas coisas, e tem tantos furos que parece ter sido escrito pra um livro infantil… o que provavelmente deve ter sido, mas não vem ao caso. Mas a animação foi feita por ex-staff Disney, Don Bluth, e de desenhos de sábado de manhã que eu tenho certeza que 10% de vocês sequer ouviram falar.

O que explica MUITO.

Esse é um daqueles filmes em DVD ou VHS que nossas tias compravam sem saber exatamente do que se tratava, mas curiosamente, eu ainda tenho um pingo de respeito por tentar contar uma história original ao invés de adaptar uma história que a Disney adaptou pra ter mais chances de passar pelo caixa da Americanas.


O que não é suficiente pra fazer uma animação decente, que tem alguns erros crassos de animação e de edição. E não são erros pontuais como cores erradas, dedos invertidos nas mãos, ou personagens sumindo do nada (que acontece em um momento), isso seria mais uma sexta-feira lenta em qualquer estúdio de animação, da Filmation até Toei..

Mas os erros que tem são mais estranhos e menos engraçados, como a animação não ter tanta sincronia com a voz original quanto os moradores do Springfield Retirement Castle. Os personagens se movem como que sem planejamento, ou como se a animação e a voz fossem produzidas por diretores diferentes, e os animadores tentassem fazer o mínimo possível com os keyframes que lhes foram passados há 5 minutos atrás, com 5 minutos pra terminar o serviço.
]
Tem certos momentos que as vozes são tristes, mas eles se movem como se estivessem irritados com descobrir que ganharam mais uma duplicata da shuriken da Sakura naquela promoção da Elma Chips.


Embora o design de personagens seja minimamente competente em se tratando de Tillie, Herman e São Jorge, o resto dos personagens é muito genérico ou… estranho. Claro, Herman parece um personagem de Dragon Tales se esse desenho fosse originalmente uma série de greeting cards, mas...
Ok, péssimo argumento.

É mais memorável do que o design de personagem de Gato de Botas do Burbank Animation Studios. Não é dizer muita coisa, mas pelo menos não parece um knock-off dos Zelda CDI.

De novo, o prefeito não é exatamente um cara ruim, não é um vilão, mas é desenhado como um vilão. Porém, parece ter más intenções de tomar o castelo do São Jorge a preço de banana, em um tempo em que banana era algo barato.

Mas ao final do filme, ele acaba querendo o melhor pra cidade, mas ainda assim tem um pouco de lei de karma, com uma certa punição pra ele e seu assistente, que fica afanando coisas do castelo porque… Sei lá, ele é baixinho, calvo, e tem a pele meio verde, o que eu devia esperar de um sujeito assim?


Tillie e Seu Dragãozinho é o mais puro bottom of the barrel. Não é divertido, não é engajante, os plots vão do nada a lugar nenhum, é literalmente um filme sem um conflito assistível, e a trivia mais interessante é que em algumas versões o pesadelo onde Tillie e Herman são atacados por um dragão vermelho é cortado. Na versão brasileira não é, porque criança brasileira cresce (ou pelo menos crescia) vendo produções da TV Cultura, logo não tinha medo de nada.

Also, Optimus Prime dubla o prefeito, e o Crypt Keeper dubla Herman. Curiosamente, ele também dubla os sons de dragão de Elliot no remake de Pete’s Dragon.

Se eu tivesse uma moeda pra cada vez que ele faz um dragão… eu teria duas moedas, mas ele também tá em Hidden Dragon, dublando um não-dragão, curiosamente.


E embora esse desenho seja absolutamente passável e esquecível, eu acho fascinante que alguém lembrou dele, viu minha descrição de um desenho da minha infância que eu não consigo achar de maneira NENHUMA, e perguntou pra mim, um total desconhecido, se eu conhecia.

Com uma googlada rápida eu encontrei o nome e uploads em inglês e português no YouTube.

É muito legal que hoje a gente tenha um acesso relativamente fácil a esse tipo de coisa que, de outra maneira, teria que ser garimpada em sebos e bazares, e ainda seria um tiro no escuro. De certa maneira, também acho que faz com que valorizemos menos o encontrar e assistir essas coisas, mas é legal tê-las de maneira tão fácil.

Exceto o desenho australiano sobre fauna australiana que tinha um ornitorrinco laranja meio vigarista e um dragão de komodo tonto que tinha a voz do Donatello no desenho original das Tartarugas Ninja com curiosidades dos animais ao fim do episódio.

Esse nunca vou achar o nome de novo, menos ainda uploads desse desenho.

Eh, c’est la vie, la vie en rose.

O mais estranho é ter um livro chamado Tillie e o Dragão, mas que é totalmente não relacionado com o filme.


Suspeito...

Mas ei, o trope de "garotinha com criatura fantástica" é legal, e eu já escrevi um conto com essa idéia. Se tu gosta disso, dá uma lida em O Goblin e a Ladra:

[Conto] O Goblin e a Ladra por Kapan Katsuragi

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