Tio Walt - Parte 2: Ascensão


Se não leu a parte 1, clique aqui.

Após o estrondoso sucesso de Branca de Neve, Walt começou a produzir o próximo longa, também baseado em um conto de fadas. Enquanto ele tentava desesperadamente conseguir os direitos de O Maravilhoso Mágico de Oz, Walt começava a lapidar as técnicas de animação.

O esforço da equipe resultou num filme que até hoje é aclamado por muitos como o pilar da animação Disneyana e ocidental como um todo: Pinóquio.



A história conta sobre Gepeto, um marceneiro/relojoeiro que faz peças de mobília de madeira e relógios cucos. Ele adiciona "marioneteiro" no currículo ao construir Pinóquio, um marionete no formato de um guri. Desejando à uma estrela que o boneco fosse um guri de verdade, seu desejo é atendido pela Fada Azul, que dá vida a Pinóquio. Mas o jovem autômato precisa provar que pode ser altruísta e blablabla, aliado ao Grilo Falante, sua consciência.


No caminho ele se encontra com João Honesto e Mel Blanc, que são a porta de entrada pra tudo que parece bom pra Pinóquio, mas que acaba dando merda. Pinóquio precisa aprender a ser um bom menino e salvar Gepeto, que saiu em sua busca e acabou engolido por uma baleia.

...acontece.


O filme tem vários daqueles elementos de contos de fada que adoramos zoar (como por exemplo, João Honesto se surpreende com um marionete vivo, esquecendo de que ELE É UMA RAPOSA DO TAMANHO DE UM SER HUMANO QUE FALA, USA ROUPA E FUMA CHARUTO), mas que no fundo, acaba sendo uma admiração por ser um mundo mais inocente, onde a lógica muitas vezes não existe (ao menos comparado ao nosso mundo real).


Embora a narrativa possa se sentir datada de leve, é na verdade um imenso avanço em comparação a Branca de Neve. Pela primeira vez temos uma história com narrativa mais concreta, com um personagem ativo na história (embora ele passe muito tempo preso ou em posição de vítima), e que além disso é bastante explorado em sua inocência. Muito do carisma de Pinóquio vem do fato dele ser um menino normal, mas quase criminalmente inocente. Ele fuma, bebe, é enganado, mas tudo porque ele não tem um norte moral muito definido.


O que ele deveria fazer era obedecer ao Grilo Falante, mas uma vez que Pinóquio ainda não tem uma mentalidade muito formada, não o faz, e age por instinto.

O Grilo é um daqueles personagens que de fato fazem o filme. Pinóquio é identificável e aprende a moral, mas o Grilo é o que faz o filme mover, é como a personificação da platéia torcendo pra que Pinóquio faça a coisa certa. Mas ainda assim, ele é um personagem humano, que se irrita, e que em certo momento admite estar errado e se sente dispensável. Há esse sentimento irônico por todo o filme, aliás. O cara dos show de marionetes em um momento está feliz e saltitante, pra imediatamente se irritar por ter sido enganado, pra no outro segundo enganar Pinóquio agindo como se estivesse sendo bom pra com ele.

A animação é esplêndida. O filme até hoje se mantém como um dos mais belos filmes que os estúdios já fizeram, com belíssimas sequências que apefeiçoam o uso da câmera de multiplano, onde temos um zoom na cidade, seguido de uma panorâmica, e depois outro zoom, enquanto personagens se moviam.


O filme faz uma jornada em uma variedade de cenários: a cidade pequena, os festivais circenses, ao oceano, e é tudo tão belissimamente executado, em termos de design, de animação, de atmosfera. O clima dos diálogos também ajuda a manter o interesse do público, há sempre uma certa ironia permeando tudo, como já falei.


E claro, Walt não estava satisfeito de assustar crianças com a bruxa em Branca de Neve, ele agora subiu mais um nível com a Ilha dos Prazeres, que continua tendo algumas das cenas e conceitos mais sombrios que se pode imaginar pra um filme pra crianças, creio que até os dias de hoje (já que os produtores parecem ter medo de traumatizar as crianças, bando de covardes politicamente corretos criados a danoninho e tekitos).



Branca de Neve estabeleceu as técnicas de animação, Pinóquio aperfeiçoou as técnicas de narrativa. Mas tio Válter tinha planos diferentes pro próximo filme.

Walt planejava um curta comum de Mickey Mouse baseado na história e música do Aprendiz de Feiticeiro. Enquanto batia um rango com um dos mais famosos maestros da época, Leonard Stokowski (cujo nome é complicado o suficiente pra mim a ponto de eu errar a escrita dele duas vezes enquanto consulto a Wikipédia, então o chamarei de Leléo a partir daqui), Walter mencionou sobre o novo curta de Mickey, ao que Leléo respondeu "Ow parece uma idéia massa, bota meu nome no trabalho, vá lá". 

No entanto, o projeto parecia ser custoso demais pra ser só um curta, então Válter pensou numa forma diferente de filme, tão diferente que a distribuidora dos filmes (RKO Radio Pictures) não quis distribuir. O projeto resultou em Fantasia.


A idéia de Walt não era fazer um simples filme, mas de uma nova experiência. Do mesmo jeito que você vai assistir a um concerto de música clássica/erudita, uma ópera, você iria ver Fantasia. Mas ao invés de simplesmente ver os cara tocando, ia ver desenhos animados que sincronizavam com a música de uma forma única e criativa. O esforço era tanto que a distribuição foi feita totalmente pelo estúdio, que vendia ingressos antecipadamente, dava um folheto com a programação do dia e apresentava as mentes envolvidas no projeto (Válter, Leléo, e o crítico e compositor Deems Taylor como comentarista), assim como numa apresentação comum.

As salas de exibição também tiveram que ser adaptadas com cortinas na tela e com o sistema Fantasound, que foi o precursor do som estereo. Hoje qualquer zé faz qualquer coisa com som estéreo. Raios, o teu celular comprado "usado" na Feira da Parangaba tem som estereo, mas na época os caras tiveram que se virar pra ideia de estar em um concerto funcionasse.


É difícil falar do filme como um todo. Eu pessoalmente amo música erudita (obrigado pela boa influência, pai), e amo os desenhos Disney. O que eles fizeram foi basicamente elevar as Silly Symphonies à décima potência, e o resultado é muito bom.

...na maior parte. Algumas sequências eu amo profundamente, como a primeira, totalmente abstrada e surreal; a que usa música do Quebra-Nozes, que se passa numa floresta, e é simplesmente belo de se ver; Aprendiz de Feiticeiro; e beeem de leve o dos centauros e a Dança das Estações, ou seja lá como se chama, é a sequência com avestruzes, hipopótamos, elefantes e jacarés dançando balé. 





O resto eu simplesmente tenho uma vontade enorme de pular, porque o ritmo é lento demais e as imagens (pelo menos pra mim) não batem muito bem com a música. Exceto o Night at the Bald Mountain, que tem alguns designs interessantes, mas logo perde o ritmo.

Mas eu assistia Os Imaginadores não ironicamente, do que é que eu sei?

Mas é simplesmente um espetáculo, e se você nunca assistiu, deveria assistir pelo menos uma vez, garanto que vai achar algo que vai te agradar.




Uma última curiosidade: Fantasia teve algumas cenas alteradas devido a uma centaura considerada racista. Não é algo que vá fazer muita diferença no final (exceto na cena que Baco vai se sentar em seu trono), mas ainda é negar um elemento da época, assim como outro que veremos no futuro. Se tem curiosidade, veja esse vídeo.

Embora Fantasia tivesse sido um sucesso de crítica, foi um fracasso na bilheteria, e Válter acabou gastando mais que o normal devido a toda a parafernália que teve que criar e arrumar com sua equipe. Então resolveu voltar à sua zona de conforto, rápido, e de forma lucrativa.


Walt produziu The Reluctant Dragon, que à primeira vista parecia ser um longa animado, mas na prática era mais um making-of do processo de animação.
O filme acompanha Robert Benchley, que é um ator tão antigo que eu creio que nada que ele tenha feito vá ser familiar a vocês. Eu pesquisei sobre o cara e não lembro o que ele fez, oras. A esposa de Robert leu o livro do tal Dragão, e mandou ele pro Sr. Válter pra sugerir como adaptação.


Relutantemente (HÁ), Robert vai pro estúdio e acompanha o processo da craftação de um desenho animado, das salas de treinamento pra desenhistas até a projeção final.

O filme faz um bom trabalho em nos afeiçoarmos a Robert e ao estúdio em geral. A forma que eles mostram como cada elemento se encaixa na confecção de uma animação, dos efeitos sonoros, da gravação frame a frame, é tudo feito de forma leve e divertida.

O filme contém alguns curtas, como do trem Casey Jr, o primeiro "How To" do Pateta, um curta totalmente em storyboard, e o curta do Dragão propriamente dito.


A melhor parte do filme é de fato quando eles mostram como o processo de animação é feito, os efeitos sonoros, dublagem, etc. Embora o curta do bebê gênio seja mais previsível que O Bom Dinossauro, ainda tem idéias interessantes, mostrando uma faceta do processo.


O curta do Pateta é bom, primeiro daqueles vídeos de tutoriais engraçados (o que é curioso, o narrador foi pedido pra narrar como se fosse algo sério, depois descobriu do que se tratava). Nada de muito especial, mas mostra o potencial da série.


E o curta do Dragão Relutante é... Ok. Tem boas idéias, mas o guri do curta é meio desinteressante, e o Dragão e o Cavaleiro são tão previsíveis e exagerados que chega a dar uma irritação. Ou seja, a melhor parte do filme é realmente os dois primeiros terços.


Durante o filme, vemos como os funcionários são todos alegres e bonitos e empolgados. Isso porque não são funcionários, mas sim atores contratados. O filme foi filmado num dos momentos mais tensos e sombrios dos Estúdios Disney.

Sim, pior do que Alice do Burton e pós-O Caldeirão Mágico.


Se você lembra alguma coisa de História, lembra da Grande Depressão dos anos 30. Nesse tempo começou a surgir sindicatos trabalhistas, inclusive nos ramos artísticos. O líder da Aliança dos Animadores ("Clã dos Animadores" soa mais cool, mas enfim) era Herbert Sorrel, que era descrito como um "extrema-esquerda durão". Aparentemente ele também era bastante temido pelos estúdios, até porque ele garantiu contratos com estúdios como Walter Lantz, MGM, e Leon SHILESINGUER, que na época produzia os curtas de Looney Tunes e Merrie Melodies.


Leon SHIBESIJER tentou contornar a situação com Herbert, mas fracassou. Caiu, mas caiu atirando, ao se lembrar do adversário em comum dos estúdios. Lançou um olhar para Humberto e o indagou: "Ei, e o que faremos em relação a... Valdisney?"

Humberto olhou para Leon. Um olhar comum, a princípio. Mas que evoluiu.

Humberto teve uma idéia.

Uma terrível idéia.

Humberto teve uma incrível terrível idéia.

"Eu sei exatamente o que fazer." Humberto riu com prazer.


Os artistas disneyanos eram os mais bem pagos do mercado e com as melhores condições, mas ainda assim eles não estavam satisfeitos. Walt tinha uma política de dar 20% dos lucros dos curtas pros funcionários como bônus, mas depois de Branca de Neve abandonou a prática. Depois que se mudaram pros estúdios em Burbank, os artistas foram separados em uma hierarquia, e alguns benefícios (como sauna, restaurante, academia, e gostosinho com guaraná na merenda) eram reservados aos animadores e escritores top de linha. O resto tinha que se contentar com o calor abafado de escritórios pequenos, pegar o PF a dois quarteirões do estúdio, queimar as calorias enquanto andava os quarteirões no calor, e merendar pão dormido de ternantontem com uma manteiga verde que acharam enquanto faziam a mudança pro estúdio novo.


O sistema de pagamento era de fato desigual. Funcionários de alto escalão ganhavam 200 ou 300 Roosevelts, enquanto os de baixo escalão ganhavam 12. Muitos animadores se juntaram ao clã sindical e começaram a fazer greve. O caos tomou conta do estúdio e de Walt, que via o estúdio e os animadores como uma família.


Walt reuniu 1200 funcionários num auditório e discursou se defendendo. Em resumo foi algo na linha de "Se você contribuiu bastante pro estúdio, merece alguns privilégios. Tu não vai conseguir nada reclamando e esperando alguém te dizer o que fazer. Se quiser crescer na empresa, vai ter que mostrar que é bom."


A justificativa de Walt fazia sentido, mas não foi o suficiente pra agradar os animadores lá de baixo. As tensões também se estabeleceram enter Walt e Art Babbit, que era um animador do alto escalão, mas que simpatizava com os colegas menos favorecidos. A discussão chegou num ponto que o Walt disse "Se você não parar de organizar [sindicalmente] meus funcionários, eu vou te dar um chute na bunda com a força de mil infernos pra fora daqui"

Não dá pra traduzir direito a frase original , mas foi esse o tom.


Após a greve, o clima no estúdio nunca mais foi o mesmo, especialmente porque o número foi drasticamente reduzido (de 1200 pra 649). Walt se livrou dos funcionários preguiçosos, e o estúdio se preparava para os próximos filmes, que já tinham recebido uma certa prévia em Reluctant Dragon.


O filme "making-of" deu um certo retorno financeiro ao estúdio, mas não foi o suficiente, especialmente porque já havia se iniciado a Segunda Guerra, e alguns animadores foram chamados a servir, fora que o mercado europeu estava fechado pros filmes, tornando Pinóquio, Fantasia e Reluctant Dragon fracassos financeiros na época. Este último sequer conseguiu se pagar.


Walt apostou em um filme mais simples e com menor orçamento, sobre um livro que queria adaptar faz um tempo.


Dumbo conta a história de um elefante de circo que nasceu com orelhas imensas, que obviamente levou à zombaria dos moleques locais. A mãe de Dumbo roda a baiana e vai parar na solitária. Após uma tentativa fracassada de uma apresentação única, Dumbo acaba indo parar na equipe dos palhaços. Ostracizado pelos outros elefantes, Dumbo possui um único amigo, o rato Timóteo, que tenta ajudar o pequeno paquiderme a levantar o humor.

Eu gostava muito desse filme quando criança, provavelmente porque o SBT cosutmava fazer dobradinha no Dia das Crianças e eu gravava em VHS. Lembro até que esse filme passava antes de "Você Já foi à Bahia?", e no outro dia passava Alice no País das Maravilhas e outro que no momento eu não lembro qual era.

Infelizmente, eu tenho que admitir que não é um filme que envelheceu bem.


Digo, não é como se ele fosse insuportavelmente datado, ele é só... Ok. Não é um dos melhores trabalhos do estúdio, não tem exatamente personagens cativantes ou uma narrativa envolvente. É só uma historinha bonitinha sobre um elefante orelhudo e um rato de circo.

A animação é a tradicional animação Disneyana, muito fluida e muito bem feita, como de costume. Embora um olhar mais forte deva ser dado à cena de montagem do circo, que realmente tem um nível superior às demais.

E claro, a cena dos elefantes rosa. Meu Deus, que cena fantástica.


As imagens surreais e criativas que os cara mostram, é uma linha tênue entre assustador e divertido.
Eu realmente não tenho palavras pra descrever, se nunca viu, pare o que está fazendo e vá ver.
Exceto se tiver problemas com epilepsia, nesse caso pule o final.

Aliás, como raios o episódio do Porygon deu problema com epilepsia e esse filme nunca deu nenhum resultado parecido?
De qualquer forma, é uma cena que não tem propósito nenhum, mas que todos nós amamos por ser tão surrealmente estranha e divertida.


O filme serviu pra Walt arranjar uma grana fácil (o filme tem 1h de duração, ao invés do tradicional 1h30), fora dar uma cutucada nos animadores grevistas (na cena onde os palhaços falam sobre pedir um aumento pro patrão).

Oh sim, e sobre os corvos. Há muita controvérsia sobre serem esteriótipos racistas (e são, de fato, baseados na figura do Jim Crow), mas há o argumento que eles de fato foram mais progressistas que se imagina, já que eles são interpretados por atores negros (prática pouquíssimo comum na época), e serem os personagens mais bacanas e inteligentes do filme.


Como Doug Walker disse, eles são daora, ensinaram Dumbo a voar e tal. Claro, zombaram dele a princípio, mas depois se arrependeram e ajudaram o moleque a voar, that's cool.
Voltaremos a tratar desse assunto em um post futuro, sim.


E Válter usou o dinheiro pra financiar o próximo longa, Bambi.


...que é de longe um dos filmes mais entendiantes do estúdio, se não o mais.

A história é sobre um filhote de cervo chamado Bambi, e sua vida na floresta, fazendo a idéia do ciclo sem fim.

Só que sem orçamento e sem Shakespeare pra dar aquela mãozinha.

Eu na metade do filme.
Embora sim, filmes sem uma estrutura narrativa bem definida possam ser bons, no caso de Bambi não ajuda muito. Não é um filme que envelheceu bem, e as marcas do tempo deixam um gosto monótono na boca. A falta de desenvolvimento de personagens não nos incentiva a acompanhar e até a fofura dele acaba cansando, embora tenha um bom motivo pra ser usada.

Sendo um filme ambiental, ele é interessante por não mostrar o bicho-homem,e só sabermos da presença deste por outros sinais. Mostrar o caçador que matou a mãe de Bambi, ou a cena onde Bambi e o Grande Príncipe encontram o corpo de um dos caçadores foram idéias descartadas por serem complicadas de mostrar (o caçador teria que ser caricato demais e a cena seria pesada demais, mas tá presente no livro).

Artisticamente ainda é belíssimo, tho.
Embora tenha dado um certo lucro ao estúdio, foi feito e lançado durante a Segunda Guerra, e pra dar uma melhorada na situação financeira, Walt reexibiu Branca de Neve nos cinemas, prática que virou tradição do estúdio.
Infelizmente, seria o último longa animado feito pelo estúdio até 1950, com Cinderela, porque então o estúdio começou uma fase estranha e em certa medida, controversa.

Começava-se a era dos package films, ou filmes-pacote. Eu particularment gosto de chamar de "restos mortais de sequências de Fantasia", mas divago.

Uma célula de Bambi sendo colorida
em Reluctant Dragon.
Clique aqui pra ler a parte 3


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