O Pirata dos Meus Sonhos (1948)



Eu gosto de musicais, de Judy Garland, de Gene Kelly, e de piratas. Embora eu não seja um grande conhecedor da carreira de Judy e Gene, sempre que eu vejo um filme com eles (ou que o Gene só dirija, tipo Hello, Dolly!), eu nunca tenho a sensação de tempo desperdiçado. Piratas são a coisa mais legal que você pode ter, a menos que tenha vivido na mesma época que eles. E quem não gosta de musical ou é ruim da cabeça ou tem problema na vesícula.

Esse filme tem tudo isso junto, e é perfeito pra preencher aquele vazio pré-Natal, onde a única data festiva que me permite fazer algum artigo temático é o Dia de Ação de Graças mas o único tema que eu quero fazer me é impedido por falta de um editor de vídeo.
...

Vejam bem, eu ia resenhar o remake de Dama e o Vagabundo, mas tá demorando pra aparecer um torrent que preste. Até lá eu preciso encher linguiça, que seja então com algo que valha a pena o seu tempo.



Pra quem não sabe, depois de Mágico de Oz, Judy Garland começou uma carreira sensacional em Hollywood, especialmente porque se casou com o diretor Vincente Minnelli. Depois de Meet Me At St. Louis, o casal foi assistir à peça O Pirata, em Nova York. Eles se apaixonaram pela história e começaram a fazer anotações dos personagens, plot points, cenários, etc. Minnelli ligou pra MGM berrando "MANO A GENTE TEM QUE COMPRAR OS DIREITOS DA PEÇA O PIRATA", e o chefão Louis B. Mayer respondeu com "mas a gente já comprou", e Vincente reagiu com "a bom".

A história conta sobre Manuela, uma jovem órfã e sonhadora que sonha em se casar com o lendário pirata Macoco, cujos feitos fazem seus inimigos tremerem só de ouvir seu nome. Mas sua tia arranja um casamento com o prefeito, porque... sei lá eles devem dinheiro e etc.


Mas uma trupe de artistas itinerantes chega na cidae, liderada por Gene Kelly, que se apaixona por Manuela e convence a ela e todos na cidade que ele é Macoco, para então ganhar a atenção da donzela.
A história tem mais reviravolta do que parece, eu juro. É uma trama bem montada e narrada, e os atores são carismáticos o suficiente pra que nos interessemos pela história.

Gene Kelly é um verdadeiro entertainer, e nenhum momento sua performance deixa a desejar. Ele consegue entregar cada emoção de uma maneira engajante, cada trejeito é minuciosamente calculado, cada palavra é dita com uma entonação específica que faz com que acreditemos que ele é realmente o rei dos menestréis. Ao mesmo tempo, quando seu personagem perde essas defesas, ele consegue passar a vulnerabilidade necessária, especialmente quando precisa expor a mentira.


Judy Garland continua com sua atuação que por algum motivo me acalma. Eu sei lá, ela simplesmente toma o palco quando atua, e aqui ela está no topo da carreira.

...literalmente. Bom, talvez nem tanto, ao menos não essa outra carreira...

...eu devia explicar essa parte.


Ok, desde antes de O Mágico de Oz, Judy e suas irmãs eram obrigadas pela mãe a tomar remédios pra dormir e um coquetel de drogas pra dar 100% de si nos shows. Não lembro agora se eram drogas lícitas ou não, mas são 3 da manhã e eu tou mental e fisicamente desgastado, eu passei meia hora pra escrever "lícitas" sem trocas as letras e absolutamente NÃO VOU pesquisar agora pra confirmar essa informação.
Basta saber que mesmo antes dos 15 anos Judy já tinha uma rotina desgraçada, e ao fazer Mágico de Oz começou uma dieta alimentar pra não pegar gordura e parecer mais madura do que realmente era.

Lembremos que ela teve que usar um corpete pra esconder os seios (algo que não foi feito em um filme que será debatido em dezembro nesse mesmo blog), então podemos dizer que a cabeça da pobre Judy tava um caos. Also, ela começou a fumar nesse período também.

Judy Garland era quase a Amand Bynes dos anos 40, só que sem o arco de redenção.


Em O Pirata, Judy demorava a aparecer nos sets, isso quando aparecia; várias vezes ela simplesmente não ia pras filmagens e ficava por isso mesmo. Mas quando ela aparecia, rapaz, era um espetáculo de atuação. É impressionante especialmente porque Manuela é uma personagem muito completa, é uma daquelas personagens que começavam a quebrar o esteriótipo da mocinha indefesa, e que embora não conseguisse brigar muito por si, ainda conseguia se impor quando precisava e sabia o que queria.

E também é legal ver que Judy era uma atriz bem versátil. Aqui não só ela banca a mocinha inocente, mas também um lado mais femme fatale/Esmeralda, como também demonstra suas habilidades cômicas. É BEM vaudevilliano, mas tudo nessa época era vaudevilliano. E se você não gosta do estilo vaudevilliano, desejo que o canudo do seu Toddynho afunde na caixa.


Aliás, uma das cenas deletadas iria inclusive mostrar um lado meio... assutador, eu acho. Em um momento, Gene hipnotiza Judy, e ela começa a cantar sobre Macoco. O que é uma cena interessante, porque dado o contexto, eu só posso presumir que toda a trupe vive preparada pra tocar e dançar junto do voluntário hipnotizado. Digo sim magia dos musicais isso sempre acontece mas o set up aqui é perfeito demais pra não ser verdade.


Enfim, Gene precisa tirar Judy do transe, e um de seus amigos sugere que ele use Vudu. Provavelmente essa seria a deixa pra música Voodoo, que seria tão sensual e febril (no sentido de "delírio febril") pra época que o próprio Louis B. Mayer ordenou que os negativos fossem queimados. O que sobreviveu foram algumas fotos e a música, a qual eu não me atrevi a ouvir de noite porque eu sou medroso e a performance de Judy é boa assim.

Aliás, é meio bizarro que não tenha uma página sobre essa cena na Lost Media Wiki. Mais estranho ainda é que eu não consegui entrar com minha conta, e eu sei que eu criei uma página sobre a Escola dos Monstros/Monster School. O que me confunde MAIS AINDA é que lá ele esteja dado como Perdido mas existem alguns episódios dublados em português que inclusive tinha no artigo, quando era dado como Parcialmente Perdido. Tinha inclusive um episódio todo em japonês lá.

...é o sono, perdão.


Esse também foi um filme importante pra Gene Kelly, que começou a aprender um pouco sobre direção de filmes e inclusive ajudou a criar um sistema pra filmar com as câmeras Technicolor de baixo pra cima. As habilidades de dança e proezas físicas também são espetaculares, uma evolução do que ele já tinha feito em filmes anteriores, provavelmente, mas aqui percorrendo cenários representando... uma vila espanhola nas Índias ou algo assim.

A peça original não era um musical, e o filme só se tornou depois de muitas reescritas. E ainda bem, porque por algum motivo o estilo casa muito bem com a história. O romance em si é pouco desenvolvido e acaba sendo reduzido a piadas, então não dá pra levar a sério quando eles mesmos tentam levar a sério. O plot consiste em Gene Kelly stalkeando Judy Garland e soltando gracejos artisticamente inclinados como se fosse Kurenai Otoya, insistindo que Judy a acompanhe com sua trupe mesmo que não o ame, porque ela tem um legítimo talento artístico.

E sim, é difícil as gerações mais novas engolirem a trama romântica do jeito que é, porque provavelmente é "problemática" ou seja lá que termo estejam usando quando cê tiver lendo isso, mas, se me perguntar, Gene sofre todos os pontos de carma que mereceu. O romance não acaba muito diferente dos outros da época, mas por isso mesmo é menos memorável do que, sei lá, o casal de Cantando na Chuva, que tinha uma química sensacional e era mil vezes melhor desenvolvido.
É um filme um pouco mais longo que O Pirata também, mas ainda assim.


A coreografia é espetacular, as músicas embora não sejam memoráveis são divertidas, e o tema da história em geral sobre roubo de identidade e pirataria são espetaculares. A única música digna de nota realmente (além da música que Judy canta sobre Macoco, que provavelmente é uma das melhores músicas sobre piratas que existem), é Be a Clown. Se você já ouviu essa música alguma vez na vida, sabe do que falo.

Digo... talvez tenha ouvido, até agora eu só sei desse filme e de um VHS Sing-Along do Mickey com essa música.

Sim, a música é praticamente idêntica a Make 'Em Laugh, de Cantando na Chuva, outro filme com Gene Kelly. Acontece o seguinte, Cantando na Chuva é um jukebox movie, um musical que usa músicas já existentes. Outros exemplos são Mamma Mia e Magia Estranha.


O produtor Arthur Freed pegou músicas de seu próprio catálogo e chamou um pessoal aí pra fazer um roteiro que usasse essas músicas. Quando chegou a hora de dar a Cosmo (interpretado por Donald O'Connor) uma música solo, nenhuma das músicas funcionavam. O diretor chegou e "ow tem uma música chamada Be a Clown num outro filme do Freed, faz uma coisa nova aí que tenha o mesmo espírito".

E eles basicamente plagiaram a música. Não, é sério, é literalmente um plágio de Be a Clown, em termos de melodia e tema. Provavelmente por terem tido um empacamento criativo TÃO violento que era mais fácil fazer um copicola e mudar umas coisas, que nem tu quando copiava tarefa do colega no colégio.
O autor da música original, Cole Porter, poderia muito bem ter processado o diretor e roteiristas de Cantando na Chuva, mas não o fez. Conta-se que foi por agradecimento a Freed ter lhe dado uma oportunidade, mas eu acredito que foi mais por medo de perder algum valor político/trabalhista em Hollywood.


O Pirata não chega nem perto de ser tão fantástico ou memorável como outros musicais da época, mas ainda assim é bastante divertido. Ele perdeu grana na época e o próprio Mayer abertamente odiava o filme, e até ficou feliz por ter perdido dinheiro com ele.

Vai entender.

Embora não seja um Cantando na Chuva ou algo assim, ainda é bastante divertido de assistir e importante em seu próprio aspecto. Eu amo os personagens, amo as reviravoltas que a trama dá, e amo como os atores conseguem contar a história de uma forma engajante.

Se gosta de musicais, tire um tempo pra ver ou rever esse filme, provavelmente tem algo que vai te agradar.



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E se tu gosta de piratas, aventura, e musicais, eu recomendo Um Mar de Amor Desconhecido, um livro que reúne todas essas características num só lugar.
Sim, é um livro musical.
Sim, fui eu que escrevi.
...
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