Frozen 2


Algumas historias não precisam de continuação. De fato, a maioria delas, em especial contos de fada e histórias com algum fundo de moral, como as fábulas de Esopo.
Mas no primeiro instante que viram que era possível tirar uns trocados a mais continuando histórias já conhecidas e amadas pelo público, essa regra foi jogada pela janela, e é por isso que L. Frank Baum escreveu mais 14 livros em Oz, tal qual as inúmeras continuações de Dragon Ball.

Algumas continuações são exemplares em expandir um universo de forma interessante e coesa com o material já estabelecido, como Shrek 2, Toy Story 2 e 3, e Stuart Little 2.
E temos aqueles párias desprezíveis como Toy Story 4, Shrek Terceiro e Love Never Dies.

A última vítima dessa prática é o hit tão acertado que acabou gerando uma sub-franquia, Frozen. Seria uma continuação com uma história que de fato expande a mitologia de Arendelle, ou é só mais um filme pra trazer dólares pra engordar a aposentadoria de Bob Iger?
...ok, sabemos a resposta. Mas alguém botou algum esforço, ao contrário das últimas empreitadas do estúdio?




Frozen 2 começa onde o último nos deixou: Elsa soberana sobre Arendelle e com o melhor set-up e grupo de personagens pra uma sitcom desde Marvel Rising. Mas a rainha não consegue dormir há alguns dias, devido a uma voz que a chama com notas melódicas que vão ficar grudadas na sua mente por meses. De fato, talvez muitas das vezes que Elsa ouviu tais vozes nem tenham sido as vozes, e sim ecos das vozes ressoando no fundo de sua mente.

Provavelmente o equivalente medieval de um earworm.

Enquanto isso, Kris procura o momento ideal pra pedir Anna em casamento, mas sempre é interrompido por alguma coisa. Parece eu toda vez que eu tentava pedir a Alice em casamento, até eu lembrar que eu tinha 8 anos e ela era um pedaço de celulose.

Sim, essa imagem é do curta do Olaf
e não de Frozen 2. Não tem print o suficiente
na internet no momento, não me encha o saco.
E enquanto Anna e Olaf e companhia cantam sobre nada mudar, tudo muda quando Arendelle é atingida por um terremoto e uma súbita falta de fogo. Ao contrário da dedução normal de que são os equivalentes medievais à pavimentação pública feita com pastilhas de Sonrisal e ao Apagão (como normalmente é em Fortaleza), Grandpabbie conta sobre uma floresta envolta numa neblina onde habitam os espíritos dos elementos e blablabla.

Como Elsa e Anna cresceram ouvindo seus pais contando sobre tal floresta mágica e sobre como o pai delas foi misteriosamente salvo durante uma repentina guerra na floresta, a trupe resolve que a melhor decisão a ser tomada é ir pra tal floresta.

Yeah, sure, why not?


Nessa jornada Elsa e a gangue vão encontrar um povo que manipula os elementos naturais (mas que não tem poderes), os gigantes Come-Pedras de História Sem Fim, e descobrir a origem dos poderes da Elsa.
Que ao contrário da teoria mais legal e funcional, não envolve um crossover com outros filmes do estúdio. E... a atual explicação faz sentido, mas poderia ter sido melhor contada.

Não é nem que o filme seja ruim, longe disso. É só que... o ritmo é um negócio meio bisonho.

Tem MUITA coisa acontecendo ao mesmo tempo nesse filme, mas nem todas parecem ter a mesma importância. Além de Elsa descobrindo a origem de seus poderes e a definição de "revisionismo histórico", Kris tenta pedir Anna em casamento e nunca parece encontrar o melhor momento, ou ele acaba piorando as coisas de alguma forma. Também temos Olaf lidando com as dores da puberdade enquanto despeja filosofia niilista (que só agora falando em voz alta eu notei o absurdo da coisa toda), e além disso UMA NAÇÃO INTEIRA DE DOBRADORES DE ELEMENTOS.

CUJA MITOLOGIA É MERAMENTE PINCELADA.


Eu sempre acreditei que Frozen poderia ser uma franquia de fantasia no mesmo estilo de Senhor dos Anéis e Star Wars. Imagine grandes épicos sobre heróis antigos de Arendelle, ou aventuras de Kris e os trolls, ou mesmo as nuances políticas em romances pra Young Adults retratando o tempo de preparação de Elsa pra assumir o reino. Há possibilidades quase infinitas de um universo expandido, ainda mais por se tratar de uma franquia separada das Princesas.

E eu tive que ir na Disney Wiki pra sequer lembrar o nome do povo.

Talvez esse modelo de história minasse um pouco o mercado mais forte focado em crianças, mas a própria Disney já tem um espaço pra histórias mais rebuscadas e pra um público mais velho. Um conto às avessas de A Bela e a Fera existe mesmo com seus aspectos maduros e até tocando em pontos polêmicos de História, mas não vejo isso prejudicar as vendas de bonecas da Bela.
(Inclusive se puderem ler, leiam é incrivelmente bom; evitem A Fera em Mim, é fraco e absurdamente sem nexo na própria história.)

Meu ponto é que conhecemos o povo que é a origem dos poderes de Elsa, mas não os conhecemos o suficiente nem os vemos usando tanto seus poderes, que aliás nem existem, o pai das meninas só explica que "eles se aproveitam da natureza". Provavelmente se ele fosse explicar demais iria acabar descrevendo a Força, mas ainda assim.


Foi uma oportunidade de ouro perdida, mas eu imagino o inferno criativo que esse filme passou. Ninguém pensou em uma continuação de Frozen, embora a origem dos poderes de Elsa fosse uma questão forte no lore. Era um ponto que devia ter sido melhor explorado, mas o pacing amalucado do filme forçava os produtores a cortar cenas e idéias. 

Ou talvez seja porcausa do comitê que foi formado com os povos indígenas pra garantir que a história fluísse melhor, o que pode ter gerado alguns empecilhos narrativos. Talvez eles fossem levar o conceito pra algo interessante, mas o pessoal cuja cultura serve de inspiração pro povo lá achou ofensivo ou culturalmente inacurado. Ou talvez o puro medo de os produtores pisarem fora da linha, vai saber.
Ao menos deram um pouco de contexto maior pra Vuelie, a canção de abertura de Frozen 1. 

Acontece que é um ritmo tradicional do povo indígena norueguês, e eles reconheceram a melodia. A Disney acabou fazendo um contrato com representantes do povo pra garantir que tudo no segundo filme fosse culturalmente acurado. O engraçado é que no primeiro filme soa como uma música totalmente solta do resto, mas no segundo conseguem ligar tanto ao povo quanto à origem dos poderes da Elsa.


Maior parte do filme ainda se passa com Elsa e Anna descobrindo o passado e tentando consertar o futuro, com alguns momentos entre uma coisa e outra pra gente se lembrar de que Kris não sabe propor casamento e Olaf tá começando a tomar consciência de sua própria mortalidade.

O que é bizarro, eu mencionei no artigo sobre quadrinhos de Frozen (quando tiver postado eu boto o link aqui) que Olaf tá quase sempre sem sua nuvem de neve, mesmo nos dias quentes, e aqui também. 
Hm. Efeito Cidade das Esmeraldas, talvez?
...vocês não leram Maravilhoso Mágico de Oz. Verdade. Enfim.
...

Ok é tipo o lance dos atlantes usarem um espaço de ar dentro d'água em Justice League mas em Aquaman todo mundo fala de boa debaixo d'água porque o diretor disse algo como "eu não ligo pra decisões imbecis do Zack Snyder".

Eles basicamente ignoraram uma parada que faria sentido dentro daquele contexto porque só funcionaria lá e não numa sequência. No caso a obrigação de usar óculos verdes pra entrar na Cidade, porque o lance dos atlantes precisarem de  um espaço de ar pra falar é realmente imbecil. Enfim.

Mas é engraçado como em partes separadas, o filme funciona muito bem. A comédia vem praticamente toda do Olaf, e eu CONSEGUI NÃO ME IRRITAR COM A DUBLAGEM BRASILEIRA. A voz do Fábio Porchat no primeiro filme foi o motivo mais forte pra eu desejar que Olaf fosse derretido e servido em cubos em um fast food, mas aqui ele conseguiu até ME FAZER RIR NÃO IRONICAMENTE. 


O que é um kudos pro roteiro e storyboard, porque o timming cômico desse filme é tão preciso quanto um relógio suíço. E é um filme que realmente precisava disso, porque ele consegue ser sombrio como eu acho que nenhum outro filme recente do estúdio conseguiu.

Os temas de perda, lidar com a tragédia do passado e como encarar o futuro são uma constante desde o começo, e a comédia que inclusive nos faz rir de tragédias ajuda a levantar o clima, mas ao mesmo tempo dando o peso que as tragédias tem dentro da história. E todos os arcos dos personagens seguem mais ou menos a mesma linha argumental, mas cada um à sua maneira particular. 

Elsa e Anna acabam tendo um vislumbre da morte de seus pais, Olaf constantemente faz questionamentos sobre mudanças e propósito da existência, e Kris estrela um clipe dos anos 90.

Sim, você não leu errado. E sim, eu e minha irmã postiça éramos os ÚNICOS na sala lotada a rir MUITO nessa cena. E de novo, timming acochado feito os parafusos de uma betoneira; começa sutil, te acomonando ao que vem a seguir, daí gradualmente ele começa a usar estética de comercial de perfume e quando tu percebe é um clipe que faz com que Forever de Jesse and the Rippers pareça sutil.

Aí do nada tem uma referência ao Queen.

...

Lembrando que esse é o filme que toca em temas tão profundamente sombrios que não se intimida a mostrar ao menos duas mortes de personagens importantes e dois quintos do elenco principal, incluindo os mais lucrativos.

POIS É. E ainda assim não te dá uma sensação de discrepância tonal como Star Wars 8.


Frozen 2 é surpreendentemente bom. Comparado a lixos desnecessários que a Casa do Rato insistiu em dar luz verde (cês sabem, remake de Bela e a Fera, de Rei Leão, Toy Story 4, Wifi Ralph, Incríveis 2), Frozen 2 é espetacular. 

Mas o bichinho criativo em mim diz que poderia haver mais nesse filme. Aquele senso de fantasia épica com uma rica mitologia como se costumava fazer antigamente. Frozen 2 poderia ter sido melbor que o primeiro, expandido horizontes e nos deixado apreciá-los. Mas passamos pouco tempo com os novos elementos pra nos importamos tanto com eles.

Há um potencial absurdo em Frozen, assim como há em outras franquias disneyanas, e o estúdio persiste em consistentemente ignorar as possibilidades e tomar as piores decisões possíveis. O que nos é dado é algo que poderia muito bem ser mais uma graphic novel no mesmo nível de Breaking Boundaries e Reunion Road.
Não é espetacular, mas é divertido pelo que é. Mas pra merecer o título de Frozen 2, deveria ter sido muito melhor, maior e mais ambicioso do que o primeiro.


E sim, eu aposto 10 conto como o lance do "povo branco" brigar com o "povo índio" por motivos imbecis e mal-explicados que sofreram um "revisionismo histórico" e o filme ter toda estética de outono e ser lançado no Dia de Ação de Graças foi totalmente calculado pra gerar burburinho.
Que parece não ter dado tanto resultado. Hm.

Mas ao menos não é um filme odiável. Pelo contrário, é absurdamente divertido e passamos tempo com personagens que conhecemos e amamos. Talvez quando eu ver o filme com áudio original minha opinião mude um pouco, ou talvez se lançarem uma versão novelizada do roteiro original.

E eu faço as palavras de Saberspark as minhas, se for uma segunda parte de uma história em 3 filmes, com o terceiro sendo a conclusão da saga, com um mal maior e com perigos reais, talvez valha a pena esperar.
Mas se for assim, vai ter o efeito Half-Life 3.
...
Expectativa tão grande que não importa o que o produto faça não vai atender ao que tu espera. Eu tenho que explicar tudo por aqui?


Sim o artigo tá meio que pra todos os lados, mas o filme meio que faz isso também, então é condizente. De fato, a trilha sonora é um bom resumo do feeling geral do filme: é bom, mas não tão marcante quanto o primeiro. 

É um bom filme, mas poderia ter sido épico.


****

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Sério, já viu o preço do salmão? Pois é.

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1 comments

  1. +Kapan, gostei bastante do artigo!

    Verdade, bem que a Disney poderia produzir um épico de fantasia com um nível de worldbuilding comparado com O Senhor dos Anéis (descanse em paz Christopher Tolkien), ou Skyrim ou até mesmo fazendo justiça as obras nas quais se baseiam o filme O Caldeirão Mágico/The Black Cauldron!

    Obs: fiquei pensando se a Amazon Prime não poderia comprar os direitos de Os Feiticeiros de Waverly Place e produzir uma franquia de 12 filmes baseados nessa série, adaptando os arcos mais famosos em trilogias.

    Trilogia 1: Introdução do mundo dos feiticeiros, introdução e desenvolvimento de Alex, Justin e Max Russo, introdução de Harper, convívio dos Russo na escola do Diretor Laritate, Haper descobre sobre os feiticeiros e começo das pistas do torneio dos feiticeiros;

    Trilogia 2: Introdução da Feitiço Tech, introdução de outras espécies mágicas, duelos de feiticeiros de outras escolas mágicas, ampliação da história da feitiçaria, recuperação de antigas relíquias mágicas, consolidação da amizade entre os Russo, especialmente entre Alex e Justin;

    Trilogia 3: a trilogia do conflito entre vampiros (Julieta) e lobisomens (Mason), desenvolvimento do relacionamento entre Justin e Julieta e Alex e Mason e ampliação da mitologia dos feiticeiros;

    Trilogia 4: revolução mágica entre os feiticeiros perdedores que não querem abdicar de seus poderes e o torneio dos feiticeiros para ver qual membro (a) da família Russo será feiticeiro (a) da família.

    Obs: ainda estou esperando por uma resenha sua sobre a trilogia do Senhor dos Anéis (2001-2003).

    No mais, continue com o ótimo trabalho e aguardo resposta!

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