O Conto de Natal dos Muppets: Uma Cena Deletada e Uma Lição Pra Vida


Ok, eu sei que eu já falei desse filme num vídeo (aliás, pelo amor do raio, como minha narração era RUIM), mas depois de um tempo eu me toquei que houve um ponto importante do filme que eu não mencionei. Eu fiquei me remoendo porque eu já tinha upado o vídeo e não queria retrabalhar nele pra reupar de novo ou regravar com a voz diferente do resto, etc.

Mas provavelmente esse é o momento certo pra dissertar sobre isso. Não sei pra vocês, mas primeiramente pra mim.

Sim esse é um daqueles artigos de final de ano que eu acabo quebrando o personagem.

...sim é claro que eu chorei.



Ok, pra você que era colega de quarto do Patrick Estrela, Muppet Christmas Carol adapta o conto tradicional de Charles Dickens sobre um velho ranzinza e mesquinho, que muda de vida após ser visitado pelos 3 Espíritos do Natal: Passado, Presente e Futuro.

Nessa versão, nós temos os Muppets no meio da história, que servem pra deixar o ambiente mais leve e engraçado e cantarolar as novas composições de Paul Williams, que retornou aos Muppets após um período conturbado em sua vida. Ainda assim, consegue ser um filme assustador e emocionalmente pesado.

Digo, é Christmas Carol, se não der medo ou te fazer querer chorar, tá fazendo algo errado.


Claro, tem o momento do Pequeno Tim, que inclusive canta uma canção que usa as palavras-chave da sua frase "Deus abençoe, a todos nós" e expande de uma forma que podemos ver que, mesmo sendo uma criança doente e prestes a morrer, ele agradece pela família que tem e vive cada dia o máximo e melhor que pode.

E eu sustento o que eu falei no vídeo, a atuação do Michael Caine é meio zoada. Ele interpreta bem o papel de Scrooge, mas talvez a excessiva seriedade dele não tenha batido tão bem com os Muppets.

Como ele mesmo disse, "eu vou interpretar como se eu estivesse na Compania Real de Shakespeare, eu não vou piscar nem fazer nada abobado; vou interpretar Scrooge como se fosse um papel uber dramático e ignorar que tenho fantoches ao meu redor". No papel, parece algo que realmente funcionaria, mas na prática... Eu tenho lá minhas dúvidas.
Tanto é que quando ele interage com humanos ele parece se sentir mais à vontade, como veremos daqui a pouco.

Agora, continua sendo uma boa atuação e tu consegue assistir e comprar a idéia sem nenhum problema. Mas... Há um detalhe que faltou na versão teatral e no Blu-Ray. Uma cena deletada que não exatamente fez falta, mas teria adicionado MUITO à mensagem do filme e uma camada extra de interpretação pessoal.

Vejam bem, crianças, além do subplot com o Pequeno Tim, temos outra cena emocionalmente pesada no Passado. Scrooge revê o momento em que sua noiva o deixa, porque ele se tornara ganancioso demais e passou a ignorar a moça e seus sentimentos. Tem até esse print que serve como uma ótima reação cotidiana:

Quando tu tá de boa mas o cérebro
insiste em te lembrar DAQUELA situação
de 10 anos atrás
Hilário. Enfim.

Mas há algo que soa... estranho. Gonzo e Rizzo servem como narradores da história, e constantemente fazem comentários ao que acontece. Mas aqui, a reação deles parece um pouco exagerada. Rizzo até chora, mas a cena em si não tem o tempo nem a carga dramática que resultaria num choro de um mero expectador.
É como se faltasse algo a mais ali.

Pois bem... Existia uma canção, chamada When Love is Gone.

Aqui, ouçam:



Pois é. Essa música foi cortada da versão de cinema do filme. O que é bizarro, porque tinha até uma versão pop cantada pela Martina McBride, que eu literalmente nunca ouvi falar até agora. Ela parece ser uma estrela do Country, gravou uma música de Bambi 2, foi mentora num American Idol, e até apareceu num casamento no Disney Weddings.
Então, quem tomou a decisão de cortar essa cena e porque?


EXATO!

Jeffrey Katzemberg, que na época era presidente da Walt Disney Pictures, achou que When Love is Gone iria lentar o ritmo do filme e as crianças iam ficar entediadas durante a música, porque não tinha fantoches e nem era engraçada.

Esse foi o mesmo cara que quase matou A Pequena Sereia quando ordenou que tirassem Part of Your World.

POIS. É!!!

E embora essa música não tenha o mesmo peso de Part of Your World, é uma falta sensível à narrativa do filme. Quando tu começa a estudar técnicas e estruturas narrativas, nota que há certos padrões que exaltam a mensagem que a história tenta contar.


Muppet Christmas Carol, assim como outros musicais, usam reprises de músicas levemente alteradas como uma forma de fazer uma simetria a eventos passados na história. Por exemplo, a versão Broadway de Aladdin tem uma música (que foi cortada do original) chamada Proud of Your Boy, onde o protagonista "conversa" com a mãe, dizendo como a vida dele vai mudar, como ele vai lutar pra que ele possa ter sucesso e enfim dar orgulho pra ela.

(Narrador: Kapan chora por uns segundos e suspira.)

E então acompanhamos Aladdin em todo o plot que vocês conhecem ("With a small twist or two"), até que o Sultão tá prestes a anunciar Prince Ali como noivo de Jasmine.

Após Friend Like Me onde o Gênio transforma Aladdin em um príncipe, ele canta uma reprise de Proud of Your Boy, mas agora prometendo à sua mãe que "AGORA VAI É SÉRIO É PRA VALER".

Depois, quando ele se vê obrigado a continuar a mentira de ser um príncipe, ele canta outra reprise, onde ele diz à sua mãe algo como "Espero que esteja orgulhosa, porque eu não me sinto mais alto ou mais belo ou mais sábio".

Nas duas reprises, a melodia é basicamente a mesma mas a letra transforma a letra original praquela situação específica, criando elos de ligação com outras batidas narrativas da peça.
A mesma coisa acontece com Prince Ali, na reprise do Sultão e de Jafar, onde o Sultão apresenta Aladdin como noivo de Jasmine, e Jafar desmascara o ladrão de rua.

Reprise é uma ferramenta narrativa poderosa num musical, e podem ser usadas pra exemplificar de maneira natural e prática a transformação de um personagem.


Mas assim como a reprise de Over the Rainbow em Mágico de Oz, When Love is Gone foi tida como uma música desnecessária, que lerdava o filme, e seria maçante pro público-alvo.
Na mente de um engravatado que provavelmente não tinha a cabeça no lugar na maioria das vezes.

Não sei quanto aos caras da MGM, mas o fato de Katzemberg ter mandado tirar a "I Wish Song" de Pequena Sereia só mostra como ele não tinha conhecimento do que Menken e Ashman queriam fazer e como eles planejavam revitalizar as animações Disney.
Eu dissertei sobre isso em detalhes no Tio Walt, se tiver interesse lê lá depois.


O fato é que, ao final do filme, Scrooge canta When Love is Found junto do resto dos personagens, referenciando diretamente When Love is Gone e mudando sua temática em 180°.

Mas há um detalhe interessante que eu quero chamar sua atenção: em momento nenhum a reprise fala de amor romântico. Amor de casal.

Eu traduzi as letras, vamos comparar.


When Love is Gone ("Quando o Amor se Foi", tradução livre)

Houve um tempo que eu tinha certeza
Que você e eu éramos realmente um só
Que nosso futuro era pra sempre
E nunca se desfaria
E ficamos tão perto de estarmos próximos
E embora você tenha se importado comigo
Há distância em seus olhos hoje
Então nós não somos pra ser

O amor se foi
O amor se foi
O sonho mais doce
Que nós já conhecemos
O amor se foi
O amor se foi
Te desejo o bem,
Mas eu preciso te deixar sozinho


É claramente uma música trágica sobre o fim de um relacionamento amoroso de um casal. Não há nenhuma sombra de dúvida, e se tu for traduzir o resto vai ver isso mais claramente, mas eu acho que eu já provei isso com esse trecho.

Analisemos agora When Love is Found, e comparem especificamente com o refrão em negrito de When Love is Gone.


When Love is Found ("Quando o Amor é Encontrado", tradução livre)

O amor que achamos
O amor que achamos
O sonho mais doce
Que nós já conhecemos
O amor que achamos
O amor que achamos
Levaremos conosco,
então nunca estaremos sozinhos



É a mesma melodia, mas totalmente transformada, inclusive na temática. When Love is Found NUNCA referencia o amor apaixonado de um casal, tampouco é cantado por Scrooge e sua ex-noiva Belle. De fato, os dois NUNCA mais se reencontram, até onde sabemos.
E isso é totalmente ok. Belle não é a catarse que Scrooge precisa nessa história.

Notem como há uma camada extra de interpretação, algo que não é falado tanto especialmente em um filme que em teoria é "pra criança".


Scrooge e Belle eram realmente apaixonados e tinham um futuro lindo pela frente, mas Scrooge não soube como lidar com seus problemas de caráter. A partida de Belle foi o estopim pra que ele se fechasse pro mundo e se isolasse de tudo e de todos, confiando apenas no dinheiro e em seu trabalho.

A visita dos Espíritos o fez perceber que ele literalmente perdeu o amor, mas não no sentido de "amor da sua vida", mas a capacidade de amar. Mas ao final do filme, ele reencontrou o amor. Não na forma de outra mulher, mas na forma de seus amigos, de sua família, daqueles ao seu redor que precisam de sua ajuda, e como ele poderia fazê-los felizes caso não tivesse se isolado tanto.

Scrooge na real não perdeu a capacidade de amar ou de se preocupar, só estava há muito adormecida, batida, espancada pelas tragédias e perdas da vida. Mas ele esqueceu de buscar alguém que poderia ajudá-lo nessas situações, que poderia preservar a sua humanidade.

Sério, essa cena é tão bem executada
que me dá raiva terem cortado.
Às vezes somos muito Scrooge. Deixamos coisas nos perturbarem, nos abaterem, e às vezes até nos traumatizarem. E às vezes, seja por medo ou uma ponta de ego ou não querer incomodar, não pedimos ajuda a ninguém.
Não valorizamos quem está diretamente do nosso lado, às vezes tentando nos ajudar, mas sem ter a abertura que poderíamos dar.

Eu sou alguém MUITO difícil de se abrir. Não sei porque. Provavelmente minha incapacidade de decifrar o xadrez social, esse jogo onde vemos todas as peças em seu devido lugar, mas pra decifrar a estratégia por trás das posições das pedras...
...é difícil. Talvez tu tenha a mesma dificuldade que eu. Talvez não. Talvez seja outra.

Eu não te conheço. Não sei como foi teu ano, se passou por alguma situação difícil ou ainda passa. Se perdeu alguém querido, ou algo da sua vida como emprego ou rotina que o mantinha na sua zona de conforto.
Vida é uma parada bizarra, gente que vai e volta, ou vai e não volta mais. Coisas também. Sentimentos. Neurônios.

O importante é não perder a humanidade, e se rodear de gente que a cultive em ti, e que nós possamos retribuir da mesma forma.


Obrigado por me acompanharem por mais esse ano. Obrigado à equipe que sempre esteve disposta a me ajudar, aos Padrins que tem colaborado e ajudado com as sugestões, e a você que tem simplesmente lido os artigos e até compartilhado.

Feliz Natal. Cuidem uns dos outros e de si mesmos.


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