[Mês do Dr. Seuss] Os Livros de Bartholomew Cubbins
E estamos começando mais um Mês do Dr. Seuss! Que milagrosamente continua
tendo muita coisa pra ser redescoberta no passado de alguma maneira!
É quase como se simplesmente brotasse coisas na linha do tempo e um filme novo
surgisse onde antes não era nada.
Mas hoje não vamos olhar filmes do velho Geisel, porque… Pesquisando esse
tópico de hoje, eu de fato encontrei curtas que adaptam uma das histórias de
hoje, bem como outros livros seussianos, mas eles são um tanto quanto raros,
então… fica pro ano que vem, se ainda tivermos acesso à internet.
Enfim, quem acompanha o blog ou tem um mínimo de formação cultural lembra que
Seuss é conhecido pelas suas rimas e seus livros escritos inteiramente em
versos. Raios, é o ganha-pão dele, é o que ele aperfeiçoou mais em sua vida,
tal qual Don Rosa aperfeiçoava sua maneira única de misturar fantasia com
História, Chespirito com seus trocadilhos que surgiam de maneira natural, e
Peter Molyneux em contar lorota.
Porém, houveram algumas exceções. Uma delas foi
The Seven Lady Godivas, que já apareceu aqui no blog e é um dos casos mais peculiares já produzidos
por Ted Geisel, já que é um livro com teor mais adulto… kinda.
Outras exceções incluem The 500 Hats of Bartholomew Cubbins e Bartholomew and
the Oobleck. Eu podia jurar que The King’s Stilts também fazia parte dessa
série. mas não. Enfim, vamos dar uma olhada nos livros do Bart Não-Simpson e
que não tem nenhuma relação com o cover do Seth Rollins.
Durante uma de suas viagens, Ted Geisel viu um homem de negócios extremamente
rígido no trem. O cara era tão rígido que ele pensou “puxa vida! Imagina se
tirar o chapéu dele! Deve ter outro chapéu embaixo!” e isso foi suficiente pra
bolar essa história.
O modo de pensar de Seuss é bem próximo do de uma criança, mas ao mesmo tempo
levanta várias perguntas, porque as duas frases não fazem sentido uma com a
outra de jeito maneira. É fascinante.
Enfim, a história narra sobre o titular Bartholomew Cubbins, que é um moleque
comum plebeu cujo chapéu lhe foi dado pelo seu pai, que por sua vez foi lhe
dado pelo seu pai, e assim por diante.
E como estamos na Europa medieval, o rei tem o costume de passear pelas ruas
da cidade por motivo nenhum exceto que ele é o rei, e todos os plebeus que
virem o rei tem por obrigação de etiqueta remover o chapéu quando o rei
passar. Tendo visto O Príncipe e o Mendigo da Disney recentemente (o live
action com Guy Wiliams, não o desenho com o Mickey), é um costume que faz
sentido.
Porém, o pobre Bartholomew não consegue remover seu chapéu, pois há sempre
outro chapéu por debaixo do primeiro chapéu. E o rei insiste, tal qual um
funcionário do governo que exige que alguém que perdeu o braço num acidente de
moto tenha que refazer a avaliação de deficiência física anualmente, que
Bartholomew remova o chapéu.
Mesmo vendo que o moleque tira o chapéu mas continua tendo um outro chapéu
debaixo do primeiro chapéu.
Tome um shot pra cada vez que a palavra “chapéu” aparecer nesse artigo.
Ao invés de compreender a particular situação do garoto e deixar passar, o rei
mobiliza provavelmente milhões dos impostos pra trazer seus sábios,
especialistas e magos pra tentar descobrir como tirar o chapéu de Bartholomew.
Sim, parece uma crítica política disfarçada, Dr. Seuss era conhecido por
colocar uma ou outra coisa assim nos livros, sem que isso tomasse a atenção do
foco principal ou uma bandeira em particular.
Também pode ter sido feito de maneira quase aleatória e essa ser uma
interpretação minha tentando fazer uma piada, mas considerando que Seuss
costumava fazer charges políticas, não estranharia ele querer tirar sarro de
funcionários públicos em geral.
A primeira coisa que chama a atenção é que é uma história totalmente em prosa.
Com exceção das falas dos sábios, não há rimas aqui, é uma narrativa direta,
normal, mas com a criatividade característica do velho Geisel.
É interessante como ele tenta (e consegue) criar um clima de conto de fadas
clássico, como algo dos Grimm, Andersen, ou outro autor clássico. Porém, a
maior diferença é que não há uma moral clara ao final da história.
Digo, não é que não haja um final satisfatório, uma catarse. Há sim, existe um
fechamento, mas não há uma moral. Mas, pra ser justo, nem toda história
clássica precisa de uma moral, pelo menos não de maneira tão clara. Existem
contos folclóricos que eram simplesmente divertidos por serem engraçados, ou
que contassem histórias de personagens superando desafios monumentais, ou até
mesmo tragédias como
A Pequena Sereia.
500 Hats segue basicamente esse padrão, não há uma lição a ser ensinada, é
simplesmente o caso estranho de um moleque cujos chapéus não paravam de
aparecer na cabeça. Dá pra ser fazer o argumento que a honestidade do moleque
fez ele sobreviver e ser recompensado, há um momento até que ele livra o
próprio pescoço porque existe uma lei que não se pode cortar a cabeça de
alguém que esteja usando chapéu.
Na sua inocência, obediência e simplicidade em como tratar com a situação
estranha, dá pra tirar bons valores e morais, mas esse não é o foco. Seuss
tinha essa noção interessante, seus livros por vezes serviam pra ensinar
lições importantes (The Cat in the Hat,
Thidwick, Butter Batle Book), e às vezes eram simplesmente livros divertidos e
criativos e imaginativos de ler (Mulberry Street, me vem à mente). Mas há
outros que estão no meio termo, são divertidos de ler mas podem levantar
lições e questionamentos de uma maneira sutil e eficaz, como
Lorax
e
Horton Hears a Who.
E 500 Hats é um livro tão divertido, tão simples mas também tem essa qualidade
fairytale-like tão específica que foi absurdamente bem recebido em sua época.
Oras, logo depois da publicação já ganhou uma adaptação em áudio e uma em
animação stop-motion.
Pelo menos parece stop-motion, eu não achei o curta inteiro pra assistir.
Mas não só isso, nos anos 80 uma
companhia de teatro infantil
foi (segundo o blog da companhia) a primeira companhia de teatro a ter uma
autorização oficial do próprio Ted Geisel a adaptar uma de suas obras pro
palco.
De fato, o próprio Dr. Seuss apareceu no final da primeira apresentação, algo
que deve ter sido fantástico de presenciar.
E… bom, coisas… aconteceram. Um dos fundadores e vários membros da staff da
companhia foram acusados de abuso das crianças e por isso eles tem um
disclaimer gigante no começo da postagem sobre a peça.
Não é tão relevante pra obra em si, mas se o disclaimer tá ali, eu me sinto na
obrigação de replicar aqui também.
Mas eu queria muito saber como fizeram o truque de múltiplos chapéus, mas não
existem registros filmados dessa peça.
Enfim, 500 Hats é um livro curto e divertido, eu recomendo até pra quem tá
aprendendo a ler com Dr. Seuss mas tá meio enjoado das rimas e quer um livro
em prosa. Existem outros dele no mesmo estilo, e provavelmente até menos
repetitivos do que esse.
De novo, é uma história que emula muito bem o feeling de conto de fadas,
inclusive o de repetir cenas, momentos e ações.
…
Perdão, repetir não, rimar.
…
HAH
…
Enfim, próximo livro, Bartholomew and the Oobleck.
O livro funciona como uma sequência de 500 Hats, só que é uma boa sequel. De
fato, tal qual Shrek 2, talvez seja uma sequel perfeita.
A história agora envolve o rei de Didd, agora com Bartholomew como seu…
aprendiz? Escudeiro? Alguma coisa assim, sei lá. E o rei grunfa e murmura, e o
motivo da grunfação e murmuração é que sempre cai algo conhecido do céu:
chuva, neve, névoa, sol, e pedaços da Dona Redonda.
Bartholomew o retruca dizendo que sempre foi assim, e o rei se queixa
justamente disso, e manda trazer os magos do rei que façam cair algo diferente
do céu.
Os magos respondem (em rima) que farão cair o oobleck.
“O que raios é oobleck?”, pergunta o rei.
“Sei lá, nunca fizemos”, respondem os magos.
Esse é o tipo de diálogo que faria Roberto Bolaños derramar uma lágrima de
orgulho.
E então, no dia seguinte, algo verde, mole e pegajoso cai do céu, e mais
rápido do que você possa dizer “NÃO MÔNICA NÃO SENTE NESTA PEDRA”, Bartholomew
vai a diferentes setores do reinado, do trombeteiro real, ao sineiro real, ao
capitão da guarda real, e todos eles acabam sendo tomados ou incapacitados de
alguma maneira pelo Oobleck.
É uma história absurdamente simples, mas que dá pra tirar algumas lições
interessantes pra crianças, como o querer do rei que vira uma birra e que tem
consequências ruins pra todos do reinado. Ou como Bartholomew, sendo parte do
reino e amigo pessoal do rei, tenta resolver a situação pelo bem de todos, ao
invés de deixar que o caos fosse instaurado graças à chuva de slime gerada por
uma atitude errada de outro, ainda que seja o rei.
Mas além da história, o que eu mais gosto nesse livro são os traços. Digo, não
sei se foi um livro com qualidade de scan superior ao 500 Hats (o que é
possível, já que esse meu scan de 500 Hats faz com que os Manuscritos do Mar
Morto pareça com a tinta digital do Kindle), mas a qualidade do traço é muito
bonita.
Não sei se era carvão que ele usava pra desenhar, ou algo parecido, mas
certamente tem a textura de carvão, e é absolutamente fantástico. Cada traço
tem um ar de algo que não foi arte-finalizado, algo que por algum motivo
bisonho, é muito bonito de ver, como os longas animados Disney que usam a
técnica de xerox e que não foram estragados por remasterizações mal-feitas.
Mas não é só isso, o desenho tem uma certa emoção a mais, seja agressiva ou
sinistra, no caso dos magos. É simplesmente muito expressiva, detalhada, e até
rebuscada.
E há o oobleck, que é a única coisa aqui com tom verde, tal qual os chapéus de
Bartholomew no primeiro livro. Talvez num terceiro (ou mais) livros a idéia
fosse ter um único elemento colorido, e que seria o tema da história.
Mas o legal é que o raio do oobleck existe. É um líquido não-newtoniano (ou
seja, é um líquido que não se comporta como líquido exceto quando ele se
comporta como um líquido, ou algo semelhante) e foi muito melhor explicado e
demonstrado nesse vídeo:
Me parece muito algo que eu veria na TV Cultura, só que com um orçamento menor
e sem um cara vestido de rato gigante.
Enfim, ambos os livros são divertidos de ler, e são uma boa variação caso cê
esteja cansado de ler livros rimados do Dr. Seuss. Não sei porque raios cê
maratonaria os livros do velho Geisel (como eu fiz), mas cá estamos.
E eu ainda não sei como raios não tem um longa animado baseado nos dois livros. De alguma maneira, daria pra adaptar as duas histórias ao mesmo tempo, com Bartholomew passando o filme inteiro tirando os chapéus de tempos em tempos.
...sim, parece meio idiota, mas lembremos que a Universal deu um final ao Lorax.
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***
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