The Little Drummer Boy (Rankin/Bass)
É muito difícil adaptar histórias curtas pra uma mídia maior. O tanto de desdobramento e filler que cê precisa criar pra que a história tenha as mesmas batidas narrativas e mantenha o mesmo teor, mensagem e ordem dos fatos é uma tarefa muitas vezes até meio ingrata.
Imagina receber o trabalho árduo de ter que adaptar uma fábula de Esopo pra um longa metragem? Ou um livro do Dr. Seuss? Ou um conto dos Irmãos Grimm? O resultado quase sempre vai ser negativo por N motivos, e o desafio é fazer com que tudo seja coerente.
Às vezes é melhor omitir alguns detalhes (quem leu os contos de Aladdin e Bela e a Fera vai saber) em prol da fluidez da narrativa, e em outras o que se faz é adicionar uma história inteiramente nova ao redor de outra história, o que ainda assim pode ter resultados debatíveis.
Caso em questão, The Little Drummer Boy.
Eu odeio essa música. De verdade. Nem tanto pela música em si, mas porque ela gruda na cabeça feito aqueles caranguejos de Half Life.
É adorável, mas depois a repetição fica irritante e você só quer bater a cabeça na parede até começar a cantar qualquer outra canção de natal, páscoa, ou o dia de pagar o imposto de renda. E eu meio que não queria odiar, porque ela tem boas intenções, mas a repetição é o que mata pra mim.
A história narra um menino (provavelmente o filho de um dos pastores, mas a canção não diz com certeza) que se aproxima de Jesus recém-nascido, e vê os sábios do Oriente com seus presentes. Ele, querendo dar alguma coisa ao Rei dos reis, não tem nada, mas toca seu tamborzinho para ele. É uma história inventada, mas que vem de um bom lugar, é uma boa ilustração.
A canção tem origens disputadas, mas é sabido que a primeira versão gravada foi feita pela Família Von Trapp. Aquela mesma que serviu de inspiração pr’A Noviça Rebelde. E, curiosamente, Julie Andrews cantou uma música que supostamente seria a versão original de Drummer Boy, chamada Patapan.
Small world, eh?
Mas enfim, é um conceito bonitinho que funciona pra uma mídia mais curta como música, que não precisa de muitos detalhes e muito vem da interpretação de quem ouve.
O que parece ideal pra fazer um especial de fim de ano de 40 minutos, claro!
Agora, pra ser justo, não é como se não pudessem existir boas adaptações ou bons especiais ou raio, até longas metragem baseados em músicas. Santa, Baby!, Santa Baby e Santa Baby 2 meio que não conta, é só um trocadilho tonto, mas de cabeça eu lembro de Grandma Got Run Over by a Reindeer… ok, péssimo exemplo, mas a Rankin/Bass basicamente fez uma carreira com esse tipo de especial. Raio, eu já resenhei alguns aqui no SRT, mas tem muito mais de onde veio, qualquer coisa olhem a categoria na Wiki de Especiais Natalinos.
Sim, existe uma wiki só pra especiais natalinos, porque a surpresa?
Mas, ao contrário de Rudolph, que conta uma história e tem elementos que dão brecha pra ser criativo e expandir a históira, The Little Drummer Boy dá um pouco menos pra se trabalhar, descrevendo apenas o encontro do menino com Jesus, Maria e José. Embora eles tenham tentado fazer alguma coisa pra ligar uma história original dentro de um fato histórico e passar a mensagem da canção, o que eles criaram não é lá muito interessante ou destoa demais do contexto em que a história se passa.
A história conta sobre um menino tamborista que vive perambulando pelo deserto com seus únicos amigos: um burro, um camelo e uma ovelha, e como este é um musical, todos eles dançam… ou andam em duas patas, que deve ser o que dava pra fazer com o orçamento desse especial.
O moleque e sua trupe então esbarram em um showman do deserto, que os captura pra que sejam sua mais nova atração, porque as outras tem menos apelo popular do que Cats 2019. O que prova que desde os tempos mais primórdios, a adição de um personagem novo como gimmick tem afligido o show business. O pobre menino do tambor é basicamente a Chloe Carmichael dos artistas itinerantes.
Porém, tem o problema do menino odiar seres humanos em geral. Mas não é simplesmente um odiar humanos tal qual um usuário de TikTok médio, é odiar MESMO, a nível mortal, tudo isso porque ladrões invadiram sua casa, roubaram tudo, botaram fogo na fazenda e mataram seus pais.
…ok, é um trauma bem pesado, mas é suficiente pra justificar essa raiva toda? Os pais dele eram humanos também. Sei lá, me parece fora de lugar, mas também me soa como uma boa origem de vilão do Batman.
Lembrando que há menos de dois minutos atrás vimos animais dançantes.
Após uma apresentação semi-proveitosa, eles encontram três sábios do Oriente, junto de suas caravanas, em direção à estrela mais brilhante do céu. Provando que é um típico artista de rua, o P.T. Barnum do Egito se propõe a fazer uma apresentação aos magos, e eles, provando que são de fato homens sábios, dispensam os serviços dos artistas de rua.
Mas um dos camelos dos sábios ficou doente com a viagem, e o meliante oferece vender o camelo do menino, que novamente se revolta contra humanos, porque precisamos de um tema recorrente aqui. Ainda assim, ele vai em busca de seu amigo, e, seguindo a mesma estrela, pára na estrebaria onde estão José, Maria e o recém-nascido Jesus. Movido pela cena, ele toca seu tamborzinho com a música sem fim e eu confesso que a essa altura eu já tava com a mente em outro lugar totalmente diferente.
Apesar de ter ares de SuperBook, o especial não se diverge muito dos fatos, e ainda consegue se passar como uma ilustração de humildade e esforço que a música original tenta passar. Mas ainda assim, é um ritmo lento, os personagens são desinteressantes, o menino acaba sendo irritante com sua constante… irritação, e as músicas originais não são tão memoráveis ou divertidas ou mesmo agradáveis por si só.
Nenhum dos personagens é especialmente memorável ou desgostável, mas a animação é o que é mais interessante de ver, embora não seja o melhor que a Rankin/Bass tenha feito. É legal por ter uma boa variedade de tipos de bonecos, o que mostra que teve um cuidado e trabalho pra fazer o especial, e embora a animação ainda seja meio crua, é boa, é servível.
Esse foi um dos primeiros especiais feitos pela MOM Productions, que colaborou com a Rankin/Bass em projetos passados, antes de ser substituída pela Mushi. Então meio que se justifica a animação meio estranha, mas nada que seja ruim.
Mas ainda assim, eu diria que é um especial inofensivo. Se tiver numa playlist de especiais da Rankin/Bass ou de especiais natalinos, eu não me oporia a assistir. Seria um especial que eu provavelmente puxaria o celular pra jogar Mario Kart em algum momento, mas eh.
Porém, quando eu fui logar esse filme no meu Letterboxd, me veio uma informação que eu não tinha antes.
Esse especial tem uma sequência.
…
OH, JOY!
Ainda bem, caso contrário esse artigo ficaria muito pequeno e eu iria ter que deixar de molho até o ano que vem.
The Little Drummer Boy: Book II
Se o primeiro especial já era absolutamente pointless, esse aqui dobra a aposta. Pelo amor de Oz com fagulhas de marshmallow, que curta maçante e sem propósito.
É um negócio tão sem necessidade de existir, que foi produzida quase 10 anos depois, o suficiente pra entrar em bibliotecas de duas empresas diferentes quando a Rankin/Bass faliu: o primeiro especial tá sob a guarda da Universal, enquanto a sequência é distribuída pela Warner Bros.
"Distribuído" é força de expressão, porque até onde eu sei, ambas empresas mantém os curtas dentro de um cofre desde a era do DVD, não existindo nenhuma maneira de assisti-los fora da TV, YouTube (por uploads preservados) e WebArchive (preservado).
O curta continua exatamente onde o primeiro terminou, quando um dos magos leva o moleque (cujo nome eu não lembro e não faço questão de ir atrás) até um amigo dele que trabalha fazendo sinos, que também esperava o nascimento de Jesus Cristo e queria comemorar tocando sinos gigantes.
…okay.
Mas aí eles vão ter que enfrentar os coletores de impostos de Roma (cujo líder é o Zero Mostel), que, ao não encontrarem nada de valor na casa do sineiro, resolvem levar os sinos.
E aí acontecem shenanigans, a trupe formada pelo menino, os animais, um dos magos e o sineiro traçam planos de invasão do acampamento dignos de O Mágico de Oz, e Zero Mostel canta uma música sobre a evolução do escambo e dinheiro.
...é, tá.
Cê nota que eles quiseram elevar muito os stakes desse curta quando em um momento, os romanos tomam o tamborzinho pra servir de lenha pra derreter os sinos. Ainda assim, não é suficiente pra tornar esse especial algo interessante.
A gimmick do original se perdeu completamente, já que é essencialmente um spin-off de um curta baseado em uma canção sazonal, o que é meio bisonho de se pensar. Os personagens não eram gostáveis ou complexos o suficiente pra justificar uma sequência, e a história nova é ainda menos interessante que a primeira.
De fato, a mensagem desse curta é ligeiramente diferente do original, e eu consigo ver o lado bom e o lado ruim.
Por um lado, segue a idéia de que cada um faz o que pode pra homenagear o Messias prometido, de acordo com suas habilidades. Porém, cê pode argumentar que, no primeiro, havia uma lição de humildade, porque o menino realmente não tinha nada, e tudo que ele poderia fazer era tocar tambor, e o fez no melhor que podia. O sineiro fez sinos de prata gigantescos, como quem quer chamar atenção.
Entretanto, o sineiro faz sinos, e os tocou no meio do deserto, onde ninguém além dele, um dos magos, o menino, e Deus iriam poder ouvir. Ele poderia até deixar os sinos lá como um monumento, um memorial do nascimento de Jesus. Também há uma lição interessante aqui, se você pensar o suficiente.
Pena que o desenrolar do curta seja maçante, e o ritmo meio esquisito. Mesmo a presença de gente como Zero Mostel não faz valer a pena ir atrás disso, exceto por uma curiosidade mórbida ou pra dizer que viu todos os especiais da Rankin/Bass.
O único upgrade em relação ao anterior é na técnica de animação. Tem algumas cenas que são realmente complicadas de serem feitas, ainda mais em 1975. Especificamente, tem uma tomara aérea em movimento entrando na casa do sineiro, com personagens em movimento. É algo absurdamente difícil de fazer em stop motion (ou animagic, como é chamado esse tipo específico de stop motion da Rankin/Bass), e eles o fazem com maestria.
Ainda assim, é extremamente dispensável. Outros especiais são meio que um gosto adquirido, que precisa rever mais vezes pra que o apelo singelo dos especiais faça sentido pra você. Mas ess aqui simplesmente não tem muito o que fazer e estica até dar o tempo de duração necessário.
Sinceramente, eu preferia ter que assistir Holiday in Handcuffs. Pelo menos é um ruim que dá pra tirar sarro.
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