Death Kappa
Dia desses eu conversava com o Complexo sobre cinema. Ele já não tem mais o hábito de ver filmes, porque os filmes bons não o atraem mais, não há mais aquele mistério, aquele senso de descoberta. E eu concordo 100% com ele.
Quando tu começa a trabalhar assistindo filmes, tu começa a notar os padrões, e aquela magia que tu tinha antes fica meio morta. Dificilmente ela é atiçada.
Por isso que normalmente filmes fast food, ou mesmo bizarramente ruins são melhores do que filmes legitimamente bons. Se eu tiver que escolher entre Guerra Civil e o Musical do Superman, com certeza eu vejo o Musical.
...e depois Guerra Civil porque é um filme do balaco baco.
E esse é um desses filmes. Um fast food japonês, praticamente. Um nível de self-aware do quão bizarro e cômico ele é que chega perto de Josie and the Pussycats.
Hoje eu lhes trago Death Kappa.
O filme começa com uma idol fracassada voltando pra casa da avó no interior, mas assim que ela volta a velha é morta por jovens desocupados, bêbados e dirigindo o carro que provavelmente o pai de um deles deu.
Praticamente o estudante médio de uma faculdade pública.
Enfim, acontece que a família da idol sempre foi fiel ao Kappa, uma espécie de duende das águas na mitologia japonesa. E o último desejo da avó da guria foi de que ela protegesse o Kappa. Imediatamente após isso, os alunos do curso de História da UFC derrubam uma estátua do Kappa, o que acende a ira da criatura e os esquarteja na mesma noite, enquanto os alunos estão mais preocupados em se drogar e trocar saliva.
Nesse ponto, o filme parece um slasher, onde um assassino serial mata jovens (geralmente nesse perfil de hormônios acesos) da forma mais brutal e visualmente sangrenta possível.
Mas fica melhor.
Parece as conversa que eu ouvia no CEFET. |
A idol, um cara e provavelmente seu filho (cujas identidades nunca são devidamente explicadas) descobrem que o Kappa gosta das músicas da guria, e eles passam a cuidar o bicho sem nem fazer perguntas como "daonde ele veio", ou "porque ele tá aqui".
Nesse ponto, o filme lembra bem uma fantasia/aventura.
Mas fica melhor.
Aquela brincadeira saudável entre bróders que geralmente termina no hospital. |
Uma organização secreta rapta o Kappa, organização essa liderada por uma japonesa que guarda o esqueleto do avô com muito carinho, homens mutantes, e o Hideaki Anno.
Sim, o cara de Evangelion
Eu mencionei que eles são praticamente neonazistas? POIS É!
MAS FICA MELHOR.
HEIL GENDO! |
A japonesa com o psicológico da Arlequina explode uma bomba nuclear, mas ao invés de varrer o Japão do mapa, ela cria um monstro gigante, e só o Kappa poderá detê-lo, enquanto joga vôlei e brinca de wrestling com o bichão.
Ok, eu spoiler os momentos principais do filme, mas assim como Freddie as F.RO.7, é um filme que você tem que testemunhar. Acredite, eu contando não é tão divertido quanto ver o filme acontecer.
Quem são os personagens? Quem liga pros personagens? A idol tem carisma o suficiente pra tu se importar com ela, bem como a ligação da promessa dela de proteger o Kappa. Os personagens de apoio são incrivelmente esquecíveis, mas os vilões são tão bizarros, e os atores se divertem tanto em fazer esses personagens, em ir até o limite, que é bizarramente divertido de assistir, embora eles não façam muito, de fato.
O começo do filme é bem atmosférico e lento, mas é meio como se fosse uma preparação pro que tá por vir. Uma ou outra coisa estranha acontece, te mantendo o interesse. A edição joga pistas do que tá pra acontecer. Na metade do filme (quando eles começam a brincar com o Kappa) tu já tá confuso demais, porque esse mesmo Kappa acabou de transformar adolescentes em strogonoff, usando o sangue deles como molho.
Ele propositadamente te deixa sem pista alguma do que vai acontecer, e o tom muda drasticamente de uma coisa pra outra. Mas ao mesmo tempo, ele é coeso e a transição desses tons muda de forma natural.
O terceiro ato é um imenso ode aos filmes de monstro gigante, mas ao mesmo tempo consegue ser engraçado, por ser mais realista em alguns aspectos. Por exemplo, o capitão do exército manda os soldados avançarem, mas a cena seguinte mostra eles recuando covardemente. É engraçado porque brinca com tuas expectativas, ao mesmo tempo que oferece algo identificável. Se acontecesse isso no mundo real, é quase certeza que a maioria ia recuar, mas eles o fazem de forma cômica.
Sim, o terceiro ato pode ficar meio maçante por não ter muito progresso, mas se tu gosta de monstros gigantes, não vai se incomodar.
E também, como é um filme de baixo orçamento, ele tem algumas soluções criativas até pra falta de tela verde, por exemplo. É admirável, no mínimo.
E também, como é um filme de baixo orçamento, ele tem algumas soluções criativas até pra falta de tela verde, por exemplo. É admirável, no mínimo.
Death Kappa não é um filme profundo, ou complexo. Ele é o equivalente japonês de filmes como Kung-Pow, Kung Fury, ou o filme do AVGN. Ele é literalmente um low-budget movie, ao ponto de nem se incomodar em esconder os fios dos helicópteros. Raios, eu acredito fielmente que todo o orçamento do filme foi pra fazer as fantasias e as maquetes, que são legitimamente bem feitas. O próprio Hideaki Anno deve ter sido pago em furikakke, e os sets devem ter sido construídos voluntariamente por estudantes de arquitetura.
Que foram recompensados atuando como os jovens delinquentes, agora tudo faz sentido.
Death Kappa é um filme fantástico. Não é pra todo mundo, com certeza, mas se você gosta de monstro gigantes, youkais, mas não quer algo que se leve muito a sério e quer uma experiência diferente, Death Kappa é o filme perfeito pra você. Junta teus amigos, faz uma pipoca, mistura com doritos, e assistam isso.
E não se preocupem caso não conheçam o básico sobre o Kappa, o filme explica o que você precisa saber sobre o bicho. Vai sem medo.
"Um monstro está atacando a cidade! Preciso botar minha melhor maquiagem de David Bowie!" |
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