Eu já mencionei aqui em outras ocasiões sobre a Regra dos 15 Anos. Se tu gostava de algo antes dos 15 anos, é MUITO capaz de aquilo ser incrivelmente ruim.

Quando eu comecei a ver esse desenho e postar uma ou outra screenshot em redes sociais, uma prima minha já ficou da defensiva pelo desenho. É compreensível, fez parte da infância dela e normalmente gente crescida tende a lembrar dessa época com outros olhos.

Mas... O fato é que Cavalo de Fogo é ruim, e já era ruim na época de exibição. Então o processo de envelhecimento não foi generoso com esse desenho.

Com isso dito, vamos analisar o desenho mais a fundo.

A história-base nos é contada na abertura em todos os episódios, onde vemos que Sara é filha de uma rainha em um reino em outra dimensão, mas é levada ao mundo mortal pra escapar de Diabolyn, uma feiticeira DUMAL. E em TODO episódio não só somos lembrados que a rainha morre, mas nós VEMOS o momento exato de seu falecimento.

...meio tétrico pra um desenho oitentista que foi projetado pra vender bonecas e cavalos, se me perguntar.

Enfim, o desenho acompanha as aventuras de Sara, agora com 13 anos, na terra encantada de Dar-Shan (ou Darshan, ou Darsham, ou seja lá como se escreve), onde ela tá sempre acompanhada do Cavalo de Fogo, que ao contrário que o nome sugere não é um dobrador de fogo, nem sequer solta fogo pela boca.

Eu sempre achei que ele tivesse poderes mágicos ou algo assim. Digo, ok, ele é basicamente o único meio de transporte entre a Terra e Dar-Shan, e quando ele abre o portal ele voa, mas... Sério? Nem soltar umas bolinha de fogo pra se defender?

Se bem que no primeiro episódio onde vemos Diabolyn se transformar num Dragão, Cavalo de Fogo dá um GOLPE DE JUDÔ COM A BOCA no dragão.

SÉRIO, ele abocanha a cauda do dragão e arremessa no chão que nem o Hulk fez com o Loki em Vingadores.

Infelizmente ele quase nunca faz essas coisas, os dilemas do desenho são resolvidos de outras formas menos violentas e mais agradáveis à Associação de Pais Desocupados da América.

O esquema de cada episódio funciona da maneira que tu já conhece: Diabolyn tem um plano DUMAL, os seus minions causam alguma trapalhada porque MOTIVOS, e Cavalo de Fogo vai buscar Sara pra resolver a parada porque... ela tem que aprender a ser rainha ou algo assim?

Sara também é ajudada por Brutus, um pônei; um mago cujo nome eu esqueci completamente; e Dante, de Devil May Cry. Eles servem como alívio cômico e suporte pra Sara, além de eles mesmo vez ou outra se meterem em encrenca. Como uma vez onde eles acharam um vale onde ninguém crescia graças ao poder de um carrossel mágico...

...ééé... Provavelmente um dos piores episódios do desenho.

Veja bem, a série tem boas intenções e normalmente boas morais que podem ser usadas no mundo real na vida de uma criança, e esse mostra como nós não podemos viver crianças pra sempre, e devemos aceitar novas fases da vida.

Exceto que, na história, Sara precisava convencer os moleques que não queriam crescer que eles precisavam crescer. E o diálogo foi mais ou menos assim:

Sara: OW SEUS JUMENTOS SUBDESENVOLVIDOS, CÊS NÃO PODEM SER CRIANÇA PRA SEMPRE

Moleque feio que parece o Salsicha: Mas eu não quero crescer...

Sara: MAS CÊS PRECISAM

Moleque feio que parece o Salsicha: Ok então, desmontem o carrossel.

Eu juro por Oz. Provavelmente os escritores tavam beirando as 20 páginas de roteiro e não queriam arriscar uma discussão filosófica sobre maturidade e "há tempo para tudo". Eu nem lembro se a Sara citava coisas legais que dava pra fazer quando crescer, tipo...

...

...num mundo de fantasia semi-medieval... seria trabalhar até morrer de velhice ou pela praga...?

Melhor não ter citado mesmo.

Falando em escritores, Linda Woolverton escreveu alguns episódios pro desenho. Talvez tu não conheça de nome, mas ela também trabalhou em outros desenhos, como Teen Wolf, My Little Pony (o de 86), Dennis o Pimentinha, Tico e Teco e os Defensores da Lei, Ewoks, e Garbage Pail Kids.

Ah é, e filmes como Rei Leão, Mulan, Aladdin e Bela e a Fera (a única versão existente da Disney).

E aquelas aberrações que foram Malévola e Alice do Burton.

Aliás, Diabolyn parece querer MUITO ser uma vilã da Disney. No primeiro episódio ela vira um dragão... coisa que ela não faz durante todo o resto da série; e o design dela lembra muito o da Rainha Mariana da Branca de Neve.

E por falar nisso, se tem uma coisa que eu amei nesse desenho, foram os designs de criaturas. Não são espetaculares, mas são criativos o suficiente pra que sejam curiosos. Os produtores fizeram um bom trabalho pra construir o mundo de fantasia, com criaturas fantásticas já conhecidas como fadas, elfos, dragões, e o Tarcísio Meira.

Uma das minhas criaturas favoritas é o centauro, que não é um centauro comum embora seja chamado só de "centauro". Ele tem o corpo de cavalo, e o tronco de um humano se fosse misturado a um gato fortão. É tão imbecil mas tão legal que daria pra misturar com os vilões de He-Man sem muita dificuldade.

Mas infelizmente o design das criaturas e dos cenário não é suficiente pra te fazer suportar os diálogos e roteiros incrivelmente monótonos. As histórias são tão previsíveis quanto o Monomito e os diálogos fazem com que os quadrinhos da Mônica soem como Divina Comédia. O diálogo é TÃO ruim que é até zoado por um artigo de época do L.A. Times, onde o autor constata que embora a qualidade técnica das animações daquela temporada tenha melhorado, o nível de diálogo é basicamente "golly, jeepers", que são expressões que nos anos 80 já tinham caído em desuso.

Provavelmente o nível de roteiro e diálogo era algo de época, num tempo onde os desenhos demoravam mais a serem feitos, eram exibidos uma vez por semana e as crianças não tinham o tempo de atenção de um peixinho dourado nem a exigência de um hipster.

Mas o fato da série ter durado só uma temporada pode ser um indicativo que alguma coisa deu errado. Imagino que outros desenhos da época de aventura tenham tido o mesmo tratamento. Eu via desenho da Hanna-Barera quando moleque, mas era basicamente os de comédia, que era o que o estúdio era realmente bom, ou no mínimo assistível. Josie e as Gatinhas dá pra tu assistir só pelo nonsense dos plots. Claro, cansa depois de uns episódios, mas ao menos é assistível.

Séries de aventura e fantasia não eram exatamente o forte do estúdio, e esse desenho é uma prova. Cada episódio era projetado pra terminar exatamente onde começou, o que torna a exibição de reprises muito mais fácil, e era uma tática muito usada em comédias. Mas em comédias curtas funciona, tem um propósito específico. Não é como se tu quisesse um desenho que mostrasse um crescimento pessoal do Salsicha pra ele virar vegano, tu via Scooby-Doo pra ver um monte de adolescente resolvendo mistérios e mostrando que não existem fantasmas.

Não funciona em uma série de aventura-fantasia, a menos que desde o princípio tu saiba como usar a dinâmica. He-Man e She-Ra conseguiam, e até onde eu lembro tinha um certo progresso em She-Ra. Eu sei lá, She-Ra sempre foi melhor que He-Man, provavelmente na narrativa também, mas eu posso tar errado.

Tem um episódio lá pro final da série que... spoiler... Revelam que o pai adotivo de Sara é na verdade o pai biológico dela! E tem mais: Cavalo de Fogo o mandou à Terra pra fugir da maldição de Diabolyn!

...ISSO NÃO FAZ O MENOR SENTIDO

Ok, vamos aos fatos:

Há um episódio em que Sara volta no tempo e encontra sua mãe, mas nenhum sinal de seu pai. Sabemos que Diabolyn quer lançar uma maldição na família real, então Cavalo de Fogo esconde o rei na Terra, mas deixa a rainha (presumidamente grávida) em Dar-Shan. Com a irmã (ou meio-irmã sei lá) Diabolyn no palácio de boas. 

Se a ameaça de maldição já havia sido feita a ponto do Cavalo de Fogo ter que esconder o rei em outra dimensão, PORQUE RAIOS DEIXAR A RAINHA GRÁVIDA EM DAR-SHAN?

O timming inclusive bate com a abertura, onde vemos Cavalo de Fogo deixando Sara num cestinho na porta do rei que agora é um caipira do... Milwalkee? Sei lá. Mas todo o resto não faz absolutamente nenhum sentido.

E justamente esse episódio onde nos é revelado o verdadeiro pai de Sara, nós imaginamos que finalmente o desenho vai ter ALGUM progresso.

Até que chega no final, o cara tem que voltar pro mundo mortal (porque sim) e Cavalo de Fogo diz que ao voltar, ele perderá as suas memórias.

...CLARO, PORQUE NÃO?

Eu consigo aceitar que num episódio random a Diabolyn quer pegar uma taça que vão usar num casamento mas nunca usem uma linha de diálogo pra explicar o motivo, mas ISSO? Pelo amor do Joseph Campbell, esse desenho é tão cíclico que se tu ligar uma lâmpada nele ela vai acender!

De todos os desenhos oitentistas, esse é um que eu creio precisar MUITO de um reboot. Ele tem conceitos absurdamente bons, assim como o design de criaturas. Se fosse hoje ia acabar sendo feito pela Netflix e deturpado o suficiente pra agradar o Buzzfeed... Então melhor deixar como tá. É um desenho HORRÍVEL dos anos 80, que não serve nem pra caçoar direito porque tu dorme na metade do episódio, nem serve pra caçoar do quão datado ele é.

Tem desenhos com temáticas parecidas que são melhores, tipo Amethyst, Princess of Gemworld, que é uma série de curtas que passou no Cartoon Network. É baseado numa heroína da DC, mas essa versão é mais parecida com uma Magical Girl japonesa.

Se tu achar ruim, ao menos é mais curto que Cavalo de Fogo e provavelmente deve dar pra caçoar mais.