Romi-0 e Julie-8
Especiais de televisão são uma forma interessante de se testar idéias. Às
vezes cê pode ter algo clichê feito realmente pra manter as crianças caladas
por meia hora (tipo os especiais de fim de ano da Globo, ao menos até onde eu
me lembro), e às vezes pode ser a semente de um projeto mais audacioso e
maior, tipo
Devil and Daniel Mouse
gerou
Rock and Rule.
E tem os que ficam no meio do caminho, que apresentam uma idéia bacana, mas
nunca é high-concept o suficiente pra justificar um filme inteiro. O que não
impediu que os canadenses tentassem o mesmo conceito depois com Pinocchio
3000, mas é história pra outro dia.
Hoje veremos Romi-0 e Julie-8, um filme cujo título tem um trocadilho tão
específico do inglês que deve ser por isso que botaram o título alternativo de
Runaway Robots, visando o mercado internacional.
O que é um desperdício, porque esse curta nunca saiu da américa lá de cima e do
Reino Unido.
A história do curta é bem direta e sucinta: duas companhias de robótica rivais produzem novos modelos de seus robôs: Romi-0 e Julie-8. Considerando que essa história se passa no futuro, essa coincidência irônica sem ser autoconsciente mostra que o pessoal realmente parou de ler livros ou que os esquerdistas finalmente conseguiram banir toda e qualquer literatura do mundo pra não ofender ninguém.
Sei lá, tem o lance do suicídio em Romeu e Julieta, vai que é gatilho de
alguém em Pirapora-do-Passa-Quatro.
Mas hey, música disco teve um revival no futuro! …mais um.
Pelo menos eu vou poder cantar Cuidado com o Pateta em público sem ser linchado.
...longa história.
Obviamente, os robôs se apaixonam e fogem de seus criadores na calada da
noite, confiando em um contrabandista de robôs nada suspeito que os leva a um
planeta onde um robô-sucata gigante quer casar com Julie-8.
Ah sim, o contrabandista é apaixonado pela Julie-8 e no final do especial ele
começa a construir a própria namorada com sucata.
O FUTURO!!!!
Dá pra notar que pelo menos as batidas narrativas pra fazer um longa tão ali:
o mundo normal, conflito, chamado à aventura, dificuldades, etc. Obviamente,
sendo uma produção de 79 iria ser MUITO inspirada por Star Wars, que foi
lançado em 77. Não só na estrutura narrativa e elementos da história, mas
também no design de produção e trilha sonora.
A animação é bem vívida, com personagens que se movimentam bem mais do que
deveriam, mas que não soam estranhos. Ok, os chefes das empresas de robótica
(que ao final do curta formam um casal porque é claro que sim) são tão
mastodonticamente gordos que poderiam dar dicas de nutrição na internet e
fazer dancinha no TikTok, e a animação leve neles soa completamente fora de
lugar, mas ao mesmo tempo funciona.
De uma forma totalmente bisonha, mas funciona.
Sei lá, tudo parece operar na mesma lógica de movimento que as propagandas da
Red Bull, eu fui acostumado desde pirralho a ver essas propagandas e achar
engraçado, então ok.
O que é estranho é ver os robôs com esse mesmo estilo de animação dos humanos.
São seres de metal duro e frio, mas ainda assim eles se movem como se fossem
feitos de gelatina, dobrando e curvando seus corpos metálicos. E não só os
protagonistas, mas todos os robôs que aparecem nesse especial.
É um estilo de animação bem bizarrinha, mas que tem lá seu charme. Meu
incômodo é terem usado isso numa produção que era pra ser uma aventura
dramática ao invés de uma comédia, e até comédias, dependendo do caso, tem certas regras pro quão maleáveis podem ser as partes de metal, como em A Torradeira Valente, que varia de maleabilidade se for pra expressar emoções. Mas funciona relativamente bem em Droids, que
foi co-produzido pela Nelvana uns anos depois, em 85.
Sim, aquele desenho do C-3PO e R2-D2 que tem no Disney+ e cê não viu ainda.
Outro dia conversamos sobre ele.
Sim, eles também fizeram aquele curta do especial de Natal de Star Wars (não o
de LEGO, aquele que o George Lucas tenta enterrar até hoje) que tem o Han Solo
britânico.
Agora, eu amo o design de cenário desse curta. Embora a animação peque
bastante no quesito “lógica interna”, os cenários são bastante criativos e
vivos, com aquele estilo retrofuturista que na época era só futurista, mas que
hoje é cartunescamente charmoso.
Eu não sei, eu tenho um soft spot pra produções que tentam prever o futuro
baseado na tecnologia de sua época. Coisas como o próprio gênero steampunk, ou
filmes como Eu, Robô, The Black Hole,
Família do Futuro,
Tron, e os designs do EPCOT e Tomorrowland através dos anos. É curioso e dá uma
boa idéia do que era a estética vigente da época e ver o que eles acertaram ou
erraram.
Romie-0 e Julie-8 tem muito disso, exalando aquele aspecto mais “sujo” e
detalhado que era mais vigente em sua época, resultado da tecnologia de xerox,
em parte, mas também do próprio estilo dos anos 70.
Os filmes Disney tinham esse aspecto mais detalhado (embora a versão
“remasterizada” de Robin Hood
tente esconder isso), mas de filmes de Ralph Bakshi como Wizards, Fritz the
Cat; a produções mais família como Lorax, Hobbit e Halloween is Grinch Night
tem esse aspecto mas “mal-acabado”, com mais traços residuais e menos
polimento aparente.
Eu pessoalmente gosto dessa estética, faz o filme parecer algo mais artesanal,
por algum motivo.
A história, no entanto, é aquelas carrera pra acabar. Óbvio, com só 20
minutos, é de se esperar que eles corram contra o tempo pra recontar Romeu e
Julieta com Robôs, mas mesmo alguns pontos cruciais da história parecem
apressados, tipo o suicídio da Julieta.
Que… acaba não sendo um suicídio. Sei lá porque. Digo, eles nunca fazem nada
com o conceito, a Turma da Mônica tinha suas formas de fazer um
meta-comentário sobre a obra original, mas aqui… não tinha condições nem
espaço pra fazer a mesma coisa, e fica parecendo algo meio solto. Não temos
tempo de nos apegar aos personagens nem de sentir a morte ou ressurreição de
um deles, algo que poderia ser melhor trabalhado num longa metragem.
E outro ponto terrível do curta é a dublagem. Nada contra as vozes dos
humanos, mas os robôs tem um filtro metálico que torna impossível de entender
algumas falas, é medonho.
Ainda assim, é um curta que eu recomendo assistir pelo menos uma vez. Tem um
clima de curta independente de um bando de gente fazendo e testando conceitos
de história, design e animação que é divertido de ver. A estética da época é
bem notável, tanto no visual como no áudio. Digo, raios, o Romi-0 é quase um
Disco Stu de lata, completo com o afro e calça boca-de-sino.
E tem só 20 minutos, não é como se cê fosse fazer algo muito útil com esse
tempo anyway. O ritmo apressado da história é meio incomodante e não deixa a
gente conhecer e se apegar aos personagens, mas é um curta mais pra mostrar um
conceito potencialmente interessante. E nisso, ele consegue.
Não é algo que vá te fazer parar o que tá fazendo pra ver, mas hey, se tiver
um tempo vago e quiser consumir uma estética retrofuturista em pouco tempo, eu
recomendaria isso.
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