A Vingança de Hades


A Disney tem investido muito em graphic novels recentemente, pelo menos depois que os direitos no Brasil ficaram divididos entre a Culturama e a Panini.
O que é curioso, porque o quadrinho de hoje foi publicado pela Universo dos Livros.

Em outros tempos, a Abril lançaria um formatinho colecionando histórias do mesmo tema, que também é legal, mas certas histórias merecem um formatão. A Saga do Tio Patinhas (e qualquer coisa feita pelo Don Rosa, na real) simplesmente soam errados.

Essa atitude tem sido remediada com alguns lançamentos recentes, como Ratópolis e Drácula de Bram Ratoker, que haviam sido publicadas anteriormente em uma Disney Big e num gibi do Pateta, respectivamente, mas agora recebem o tratamento de luxo que merecem.

Algumas histórias são interessantes por si só e exploram conceitos não essenciais aos filmes de origem, mas que tem algo a acrescentar. Por exemplo, alguns quadrinhos de Frozen  mostram como Elsa e Anna se portam com as novas responsabilidades reais e a relação com outros reinos. 

Por outro lado, certas histórias são longas a ponto de não merecerem seu lugar nas páginas de um Almanaque Disney, mas que ao mesmo tempo não são tão grandiosas a ponto de merecer uma graphic novel, ficando num meio-termo irritante igual quando sua namorada diz que quer sair pra comer, mas rejeita cada uma das suas sugestões.

É o caso de A Vingança de Hades.


Em tempo, uma compilação de luxo dos quadrinhos de Black Hole seria pelo menos interessante. É uma bagunça bisonha e faz tanto sentido quanto a maioria das sequels que a Disney fez, mas dado o histórico de produção do filme, é fascinante que exista.


A Vingança de Hades foca no vilão de Hércules, cujos objetivos nessa história é basicamente fazer parte de uma festa exclusiva pro panteão dos deuses do Olimpo, mas não foi convidado, provavelmente porque ninguém queria ele no bacanal.

Ei, se Aladdin podia ter orgias, Hércules pode ter um bacanal. De fato, tem um episódio da série de TV que gira em torno de uma das festas de bebedeira de Baco, e eu acho curioso que Aladdin teve duas dublagens de A Noite na Arábia, e manteve “orgias demais” nas duas, mesmo alterando o verso supostamente “ofensivo”.

Mas eu divago.

Hades não é convidado pro Ziriguidum de Zeus, e tenta bolar alguma forma de se vingar dessa pachorra do irmão. Pra isso, ele busca roubar Amaltea, cabra de estimação de Deméter, porque seu chifre fora abençoado por Zeus e é o que gerou o termo “cornucópia”.

Não sabe o que é “cornucópia”? Claramente não jogou Age of Mythology tanto quanto eu.

Ou não sabe ler um dicionário, igual Michael Kyle Jr..

E sim, eu sei que Amaltea é o nome da deusa, e às vezes também da cabra. Vocês reclamam que Hércules é completamente incompatível com a mitologia grega, mas esquecem que a própria mitologia grega entra em contradição consigo própria tanto quanto um estudande de ciências humanas, então não encha o saco e vá pro Hades que o carregue.


Curiosamente, Hades é bem-sucedido em sua empreitada, mas a cabra começa a virar o inferno de cabeça pra baixo, como todo animal hiperativo em comédias. Ainda assim, o vilão consegue pegar o chifre pra realizar um desejo, e como sempre acontece, algo dá errado porque ele diz a coisa errada na hora errada.

É, é mais um caso de desejo desperdiçado sem querer.

A história é bem mais próxima do ritmo de um episódio da série de TV do que do filme, o que é um ponto positivo, se me perguntar. O longa de 97 tem ares épicos, com grandes simbolismos, personagens maiores que a vida, e uma história tão recheada e bem fechada quanto um McWrap, que descanse em pança.
Literalmente.
Raios, que saudade do McWrap. Agora que vocês conseguiram fazer o McFish voltar, tem outra missão em mãos, nem que seja pra mergulhar aquele rolo num McFlurry.

...onde eu tava? Sim, Hércules. O filme tem um propósito e o cumpre cum laude, enquanto a série de TV tem mecânicas narrativas mais próximas de um monstro-da-semana, ideal pra contar histórias curtas que adicionam a uma história maior, que é o filme.


Assim como Ariel e a Pérola da Sabedoria,  O Diário de Aventuras da Ariel, e as graphic novels de Frozen, A Vingança de Hades é uma história menor, digna de talvez um ou dois episódios da série. É legal por focar não no herói, mas no vilão (algo que tem sido cada vez mais comum na Casa do Rato, tendo uma franquia só dos vilões que, até o momento, se focava mais em bonecos, roupas, lancheiras, e maquiagem). O problema é que esse vilão… é o Hades.
Não "problema", mas... tá, deixa eu explicar.

Uma vez uma amiga minha perguntou qual o vilão da Disney que eu mais gostava. É estranho que eu nunca tenha parado pra pensar nisso, mas a resposta era só uma: Hades.
A Princesa é claramente a Meg, e ainda assim, meu filme favorito não é Hércules. Acontece. É o mesmo caso de Bela Adormecida: ame o filme, odeie a personagem.


Hades não é só um vilão maligno, mas a performance de James Woods é absurdamente divertida, e grande parte do carisma de Hades como personagem e vilão vem da performance exagerada, rápida e inteligente de seu ator de voz.

Sendo o deus do submundo, ele se espelhou em arquétipos semelhantes encontrados no mundo real, então ele fala numa velocidade ligeiramente difícil de entender, com palavras macias ou expressivas, cautelosamente escolhidas pra tentar te enganar, ludibriar, ou puxar teu saco da maneira que só políticos, advogados, e vendedores de carros usados conseguem.
Ou seja, a nata do que há de mais podre e falso no mundo.



James Woods se amarrou tanto em fazer o Hades, que sempre que a Disney convida (porque eles tem uma obrigação contratual ou algo assim), ele aceita dublar o personagem com a maior boa vontade do mundo. Não sei exatamente quanto prestígio ele tem nos círculos “sérios” de cinema, mas o que eu sei é que ele é bastante versátil e fez personagens bastante complexos, e seu IMDB é tão bagunçado quanto o do Nicholas Cage.

Sério, tem alguns filmes de ação e trama mais mainstream, aí do nada tem um filme de Páscoa cuja animação parece ter sido feita por um estúdio que se localizava numa garagem em 1998 onde os animadores tinham que custear o filme vendendo limonada e que provavelmente passaria na Rede TV! como parte da programação de férias do meio do ano, ignorando que é um filme de Páscoa.

Todo mundo tem que pagar as contas, afinal.

Mas o senhor Woods não importa se ele tem que fazer uma ponta em House of Mouse, um ARG nos parques Disney, Kingdom Hearts, ou espetáculos noturnos nos parques, ele tá disposto a gravar, independente do cachê. Se tivessem convencido ele a usar uma peruca e aprender a tocar pandeiro, com certeza ele teria sido Hades em Descendentes 3.

Grande parte da graça de Hades tá no diálogo sagaz, espirituoso, e muito provavelmente improvisado por Woods, e praticamente nada disso é traduzido bem pro formato de quadrinhos.



Os diálogos e momentos cômicos em si não são ruins, pelo contrário. Tem um momento que Pain e Panic se disfarçam de entregadores de comida gourmet pra animais, numa fantasia tão convencível quanto o Pernalonga usando um óculos do Groucho Marx.

O pior é que funciona, e é engraçado que funcione.

Mas o diálogo que escreveram pro pobre do Hades é simplesmente… muito simplório. Não dá pra imaginar esse diálogo com a voz do tio based, ou mesmo do Márcio Simões, que faz um bom trabalho emulando o diálogo rápido e sagaz. Soa muito como frases clichês de um vilão megalomaníaco com um toque de fracasso cômico.

A história até toma um rumo bastante interessante, tendo uma cena dos deuses invadindo o submundo e botando ordem na casa, mas também quando Hades perde seu posto de deus do submundo, e se torna mortal. Porém, essa é uma idéia que nunca é apropriadamente explorada, tanto no aspecto cômico como no dramático. Algo que, se fosse feito em uma série animada, teria sido mais interessante, mais vívida, mais piadas, mais momentos de contemplação. Ainda assim, também poderia ser melhor explorada em quadrinhos, uma mídia mais flexível e aberta a idéias esdrúxulas.


Mas se tem uma coisa que faz valer a pena ter esse material em mãos, é a arte. Até porque eu ouvi reclamações de que a resolução da versão digital é horrível de pequena, e depois de ver o que fizeram com A Odisséia em quadrinhos que a Recreio distribuía, eu acredito que seja bem ruim mesmo. O controle de qualidade não é tão bom quanto deveria, infelizmente.

Além dos desenhos serem uma representação fiel dos designs do filme, eles tomam liberdades quando necessário, em especial se tratando das cores. Os backgrounds são vagamente detalhados, retratando prédios, colunas, e outras coisas que compõem a cena, mas num estilo minimalista bonito, colorido com uma espécie de aerófago.

Em especial, os cenários dos deuses são bem embaçados, mas você consegue entender perfeitamente o que cada coisa deveria ser ou parecer.


A Vingança de Hades é uma HQ bem divertida, com uma direção de arte competente e bonita, mas que falha justamente em retratar o protagonista da história: Hades.
Em termos de se conectar a outras histórias de Hércules, ela não faz muita diferença, já que a história supostamente se passa 1000 anos antes do Superman grego nascer.
Ou... alguns anos depois, eu teorizo.

Segundo o Inducks, tem um cameo de Hércules marcado com um ponto de interrogação, mas a matemática prequel não bate. Tem um aldeão aleatório que aparece como uma mera ferramenta narrativa pra mostrar a terra infrutífera, mas no final Zeus o pune por mil anos, então… não bate.
Como a gente vê o Pégaso já grande, eu presumo que essa história se passa depois do filme., o que implica que o comentário de Pain e Panic se concretizou, e Hades ser jogado no Rio Styx foi só um atraso em seus planos.

O que também pode implicar que o garoto que parece o Hércules catando uma fruta podre seja o filho de Hércules e Meg, o que a tornaria a terceira Princesa Disney a ter um rebento, e a segunda numa cronologia não-oficial (logo atrás de Branca de Neve com seu filho Glauco).



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