O Espelho Encantado (Magic in the Mirror)


Patos. 

Uma das criaturas mais terríveis da face da bela Terra verde que Deus nos deu. E também um lugar na Paraíba, mas pra MoonBeam Entertainment, eles são os mesmos monstros miseráveis e sádicos que nós conhecemos.

Porém, assim como Howard the Duck (o filme da LucasFilm baseado em uma propriedade da Marvel e que mesmo assim não tá no Disney+), esse filme insiste que patos podem ser assustadores…


Como assim esse não era o ponto de Howard the Duck?

Seja como for, Magic in the Mirror (ou O Espelho Encantado na terra natal de meu avô, que serviu de modelo pro velho Geri da Pixar) é um filme charmoso e que tem conceitos interessantes, mas que são tão bem executados quanto os outros filmes da MoonBeam.

Dito isso, eu só vi a trilogia Prehysteria desse estúdio, mas já foi o suficiente. Sem mais delongas, temos uma double feature hoje, então não perdamos mais tempo, adiante!


QUACK!




Nossa história começa com a pequena Mary Margaret, que é tão doce, adorável, e imaginadora quanto a Branca de Neve. Quem pegar essa referência ganha um biscoito Scooby. Ela vive com seu pai, um biólogo de plantas, e sua mãe, uma cientista físico-nuclear de quadrinhos.

Não, sério, aparentemente ela fez um pós-doutorado em superfícies reflexivas avançadas, e trabalha num laser que poderia partir dimensões e rasgar o tecido do espaço-tempo, mas que se atingir alguma coisa que não seja um espelho (digamos, uma parede) o máximo que fará será um buraco do tamanho de uma bandeja do McDonald’s.

Se isso não é a descrição de um vilão do Homem-Aranha, eu não sei mais o que é.


Com dois pais extremamente ocupados, Mary Margareth passa seus dias inventando aventuras com suas amigas imaginárias, Bella e Donna, e causando problemas leves na escola com respostas atrevidas que só uma criança cuja bagagem cultural se resume a Calvin e Haroldo consegue.

Calvin dá uma surra na Mafalda com uma mão nas costas, aliás.

Até que seu pai recebe um espelho que pertencia à sua avó, uma antiguidade com uma moldura feita à mão, uma beleza. Mas Mary Margareth descobre que, com algumas frutinhas que sua avó colecionava em um livro de plantas, ela atravessa o espelho e encontra… a terra de Gaia, eu acho.

Ok, ela encontra um Guarda do Espelho, cuja função é garantir que nada do espelho passe pro seu mundo e vice-versa, mas ele tem as orelhas e o nariz daquele filme cujo único trunfo era ser dublado pelo elenco do Pânico, numa época em que não existia o politicamente correto e o Pânico não era proibido por lei.


Por causa de uma lei imbecil (Mary insiste em ter uma audiência com a rainha) os dois guardas tem que levá-la até a Rainha Hyssop ou seja lá como ela se chame. No meio do caminho, ela é alvo da rainha pata, Dragora, que se diz rainha mas não é rainha de nada… até onde sabemos. E o motivo da perseguição à pobre Mary Margareth é muito simples: seres humanos dão um ótimo chá.


Diga o que quiser, mas pelo menos conceitualmente, esse filme sabe como ser assustadoramente memorável pra uma criança. Eu tenho certeza que se tivesse visto isso com 8 anos eu teria alguma memória de imaginar como deve ser o processo de ser escaldado vivo pra fazer chá.

Esse é provavelmente a maior qualidade do filme, ser extremamente criativo em pontos bem específicos. Pelo que andei pesquisando (e o material sobre esse filme é bem mais escasso do que eu imaginava), esse filme foi feito com restos do que sobrou de um projeto da FullMoon, que era o estúdio-parente da MoonBeam, que fazia filmes de terror de baixíssimo orçamento. Não sei exatamente qual era a idéia original de Mirrorworld, além de envolver espelhos (duh), mas com certeza dá essa edge que era comum em filmes família nessa época.

Não é níveis de “bruxa Mombi com sua coleção de cabeças” ou “seja lá o que Labirinto tenha feito”, mas é alguma coisa.


O roteiro em si não se esforça muito nos diálogos, que envolvem muita exposição por parte dos guardas dos espelhos, obviamente. Mary Margareth é uma criança com uma imaginação ativa e muito curiosa, então ela naturalmente faz muitas perguntas e seus novos amigos tem até um certo prazer em explicar tudo de uma maneira bastante detalhada, em diálogos onde… nada de mais acontece.

É até estranho em alguns momentos, tem cenas onde o trio tá simplesmente parado no meio de uma colina, Mary pergunta alguma coisa e o líder dos guardas do espelho simplesmente gasta dois a três minutos explicando world building, quando eles poderiam ter feito isso… andando.

Como fazem em outro momento.

Aliás, muito do carisma dos personagens vem dos atores. Talvez eles não tenham uma química boa entre si, e o guarda do espelho mais novo é um teco irritante, mas o supervisor dele é aquele tipo de ator teatral bonachão, cuja atuação é exagerada (porque é um filme pra crianças), mas ao mesmo tempo ele faz soar tão natural e eleva a atuação dos colegas.

…pensando bem, “elevar” talvez seja o termo incorreto. Talvez “tornar menos sofrível” seja mais apropriado.


Pra ser justo, a menina fazendo a Mary Margareth não é uma má atriz mirim. Ela não tem inflexões ruins ou emoções fora de lugar, e quando acontece, soa mais como um erro do diretor do que dela.  Jamie Renée-Smith parece inteligente, tem umas frases gigantes com palavras difíceis de serem pronunciadas juntas, e ela tem uma entrega de fala melhor do que eu esperava pra uma criança dessa idade.

Um momento que me vem à mente e que isso se torna mais visível é quando as amigas imaginárias de Mary se sacrificam por ela, e quando os guardas do espelho perguntam como ela sobreviveu, ela diz que suas amigas tomaram seu lugar, mas diz sorrindo.

Não é pra ser um momento alegre, mas eu imagino que a direção dada à criança tenha sido algo como “estou triste, mas preciso mostrar um sorriso pra parecer mais forte”, que… não é uma emoção que muitas crianças tem normalmente, então é difícil do seu público alvo se identificar. E também deveria ser um momento genuinamente triste, então a expressão devia ser de tristeza.


De resto… parece uma imitação ruim do teatro dos contos de fada. Sabe, personagens que gritam porque “criança gosta disso”, ou parecem desenhos animados… ou o que adultos acham que desenhos animados se parecem na vida real. Os patos especificamente.

Assim como outros filmes da Casa da Lua, é um filme absurdamente barato. Muitos cenários são reutilizados, as fantasias tem problemas que ninguém se importou em corrigir nem mesmo na edição ou gravando um segundo take. O mais notável é que a boca dos atores aparece através do bico algumas vezes, que nos dá flashbacks de uma cena específica do filme das Tartarugas Ninja. Vocês sabem qual.

Seria algo que poderia ter sido consertado, mas ninguém se importou. Esse sentimento permeia todo o design de produção do filme, rápido e barato, e se possível, com uma segunda equipe filmando outras cenas ao mesmo tempo, como fizeram em Prehysteria.

Mas por outro lado, isso é meio que parte do charme desses filmes.


Há algo de fantástico em filmes feitos com props e cenários reais. Ir pra um lugar, caçar o melhor cenário, arrumar, tudo dentro de um orçamento é uma das coisas que dão graça e estimulam a criatividade. Mesmo que a computação gráfica seja impressionante e versátil, a mistura do real e virtual é o que torna cenas memoráveis e engajantes.

Tem uma tomada específica em O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa de 2005 que poderia passar desapercebida, mas para ser feita, foram usados cortes rápidos entre uma fantasia física e computação gráfica. A mesma técnica foi usada em Jurassic Park, embora provavelmente não tenha abusado dos cortes rápidos.

São produções de alto orçamento, bancadas por estúdios grandes e com uma baita história por trás, mas a MoonBeam/Full Moon era um estúdio minúsculo, que fazia filmes comerciais direto pra vídeo. Eles não tinham o mesmo escopo de uma Disney ou Universal, era o puro sentimento de filme independente fazendo o melhor que podia.


Alguns efeitos visuais são tão simplórios que chegam a serem quase imperceptíveis, como por exemplo, a “sala” do trono da rainha Hyssop. É um campo ao ar livre, sem nenhum efeite grandioso, e com grama morta ao redor. Ora raios, dava pra ter escolhido um lugar melhor não? Ou pelo menos dar um trato na grama um tempo antes?

Mas aí é que tá, talvez eles não tivessem esse tempo antes. Chegou no lugar, escolhe o melhor recanto pra gravar, gravou, bora simbora.

E a sala do trono da rainha Dragora é uma escadaria!
UMA ESCADARIA!!!

E tem também esse efeito dos patos voando que faz com que as esquetes do Casseta e Planeta se pareçam com Vingadores Ultimato.


O filme tem ecos de Alice Através do Espelho e de Mágico de Oz, o clássico da MGM de 39. O que é óbvio, mas ao mesmo tempo, a lógica interna do filme é tão consistente quanto um discurso da Kamala Harris. No começo do filme, vemos que Mary Margareth tem aptidão pras artes, e faz uma caricatura de sua diretora como um pato (algo que é apreciado por todo o corpo docente, aliás), e a atriz que interpreta a diretora aparece depois como a rainha pata.

Até aí tudo bem. O problema é que nem todos os personagens tem um equivalente 1 para 1 pra que a lógica do trope se mantenha. Por exemplo, os guardiões do espelho não são interpretados pelos caras que entregam o espelho na casa da Mary Margareth, o que poderia confirmar a lógica.

O que cê pode argumentar que é lógica de sonho, mas aqui o mundo do espelho não é um sonho, porque os pais dão pela falta da filha, e logo mais a mãe da menina também entra no mundo do espelho.

O psiquiatra da escola de Mary Margareth no mundo do espelho é um dos asseclas da rainha pata (não lembro agora qual e não me importo o suficiente de ir atrás). Há uma lógica, de ambos os personagens terem posições hierárquicas semelhantes no mundo real e no mundo do espelho, mas... é só isso. De novo, teria lógica em sua falta de lógica caso fosse um sonho, mas não é esse o caso.

Ainda não tá complicado? Ok.


Uma vez que não é um sonho, não tem como traçar paralelos psicológicos de Mary Margareth aplicados ao mundo do espelho. De fato, suas amigas imaginárias, Bella e Donna, aparecem lá, e os guardas do espelho explicam que fadas são tipicamente do mundo do espelho, mas que algumas fugiram pro mundo dos humanos.

Enfim. Existe uma interpretação de que a rainha Hyssop representa a mãe de Mary Margareth: insípida, rígida, impiedosa, e cujas motivações a dar ordens e decisões podem ser resumidas em “porque sim”. Lembrando que sua mãe é uma cientista e seu pai um biólogo, enquanto Mary é uma garota das artes. 
A punição que a rainha Hyssop dá aos súditos envolve transformá-los parcialmente em plantas, o que pode ser uma analogia ao castigo de “fique aí até eu mandar sair”, algo que era muito comum nos anos 90 quando existiam pais e mães de verdade, e não essa patifaria de gentle parenting.

Essa é um paralelo bastante interessante, sobretudo porque a rainha e a mãe são interpretadas pela mesma atriz. Exceto que, como eu mencionei, é um mundo real e não um sonho, e em um dado momento, as duas personagens se encontram.

É um negócio tão esquisito que até me distraiu do fato da mãe da Mary Margareth me lembrar muito a Ana Paula Arósio.

Mary Margareth é simplesmente um nome bonito de pronunciar. Tente você aí.


Enfim, é um filme ruim, de baixo orçamento, mas que também merece uma assistida, nem que seja pelo puro caos visual e narrativo. Os filmes da MoonBeam me soam muito como brinquedos: eles tem uma idéia geral do que lhe querem passar, e geralmente é uma idéia bastante interessante, mas que param no estágio de conceito e não completam seja lá o que eles queriam fazer, deixando isso para que as crianças usem em suas brincadeiras no faz-de-conta.

É uma boa maneira de justificar filmes cujo orçamento não é maior que um episódio de Daria.

Mas, como é um filme barato, eles rodaram a sequência ao mesmo tempo do primeiro, fazendo com que os dois filmes fossem lançados no mesmo ano.

Oh, joy!




Magic in the Mirror: Fowl Play

Você esperaria que um filme com uma piada tão cretina no subtítulo fosse pelo menos divertido de ver. Ok, eu não esperava muito, mas que tenha pelo menos um senso do ridículo, e que siga com o absurdo que foi o primeiro.
E não só absurdo, mas criatividade. Vimos vários cenários, paisagens, e até uma cena de noite, dando uma boa indicação da passagem de tempo.

"Kapan, isso não é pouco demais pra elogiar?"
Calma, gafanhoto.

Já que estamos nessa onda de referenciar Alice, o nome poderia implicar um torneio, um campeonato, um jogo, um duelo entre a protagonista e a rainha pata. Sei lá, qualquer coisa. O destino do mundo dos humanos em jogo, e a rainha trapaceia, Mary Margareth precisa juntar um número de objetos aleatórios, etc. 
Curiosamente, a sinopse da sequência é bem mais interessante do que isso.

Mary Margareth lendo Alice in Wonderland
SUBTLE

Na primeira aventura de Mary Margareth no Mundo do Espelho, aprendemos que há regras de idas e vindas entre o nosso mundo e o mundo mágico. Como eu mencionei, há até um pedaço pequeno de lore onde é dito que as fadas escaparam de lá e vivem em nosso mundo, isso é bem peculiar e pode inflamar a imaginação de seu público-alvo.

Na sequência, o nível é outro. O cientista ex-colega da mãe de Mary Margareth (MEU DEUS, que nome legal de repetir) consegue reativar o treco de abrir o portal entre os mundos, e calhou que a rainha pata estava exatamente lá nesse exato momento.

Com isso, os patos invadem o nosso mundo, determinados a ferver todos os humanos e beber seu chá!

Zinks! Zoinks! Que cataclisma! Parece algo vindo de Marte Ataca!

A série de figurinhas, não o filme.

E então? Como se desenrola o filme?

"O senhor tem um minuto pra ouvir a palavra de nosso Senhor e Salvador Patolino?"

Ele se passa inteiro dentro da casa de Mary Margareth, onde sua mãe, pra comemorar o avanço científico de sua pesquisa, decide dar uma festa à fantasia.


Sim, nenhum dos convidados percebe que os patos são patos e elogiam suas fantasias.



É isso.

...

ADVENTURE, HO!


Absolutamente nada acontece, em termos narrativos. Depois do prólogo que relembra o primeiro filme e reestabelece que as frutinhas caíram no porão e deram fruto, temos o primeiro ato, onde somos apresentados ao cara que tá gerenciando a festa da mãe.

Inclusive, ele foi creditado no primeiro filme, mas não aparece. Só pra dar um gostinho de como a produção desses filmes foi uma bagunça.

Mais ainda, ele confunde os funcionários dele com os patos, e até elogia a idéia de virem fantasiados também.

Get it???

E por algum motivo, uma das falas dele dá a entender que ele seria um vilão…? Ele menciona algo na linha de “vamos distrair todo mundo e fazer nosso serviço”, mas parece uma linha solta que leva nada a lugar nenhum, mas que em alguma versão rascunhal do roteiro seria um plot B.

Hah, a quem eu quero enganar? Esse filme nem deve ter tido um rascunho.


Tem também um subplot com esse pirralho da imagem acima, que é vizinho da Mary Margareth e acaba viajando pelo espelho. Pelos artigos que li, supõem-se que queriam fazer uma série baseada no filme, e ele seria um regular, indo e vindo do Mundo do Espelho com Mary Margareth.

Eu pessoalmente não acredito nessa teoria, porque... sei lá, quem iria financiar isso? Pelo que eu sei, a MoonBeam tava meio mal das pernas, encaminhando pra se fechar, e mesmo com a Paramount fazendo a distribuição pra home video (debativelmente pra cinema, mas não achei evidência disso), não é como se houvesse uma demanda.

Filmes mais estranhos ganharam série, sim, mas você quer realmente comparar esse monte de retalhos com Pequena Loja dos Horrores?

Foi o que eu pensei.

Also, por algum motivo Mary Margareth se fantasia de Scarlet Pimpernel... pelo menos a versão de Phineas e Ferb.


Encontrar informação sobre os filmes da MoonBeam (e da Full Moon) é uma tarefa bastante ingrata. Poucos filmes tem página na Wikipedia, e a trivia do IMDB não ajuda de muita coisa. As informações que eu peguei foram de um blog gringo que eu não sei exatamente se são informações fidedignas, ou se são chutes e piadas de quem escreveu, o que é bastante provável.

Tem um livro sobre a história do estúdio, que talvez tenha sido de onde as informações saíram, mas eu não vou me dar ao trabalho de ler isso agora. Eu literalmente não tenho tempo nem saco pra isso no momento, tou lendo uma pancada de coisa pra um vídeo futuro. Até porque, se bobear, Magic in the Mirror não é mais que uma nota de rodapé, sendo o último filme da subsidiária infantil de Charles Band.

E por bons motivos. O primeiro filme é ruim, mas ainda é imaginativo o suficiente e tem alguns conceitos interessantes. Dá pra tirar sarro dos efeitos visuais e da lógica de mundo quebrada, mas também apreciar o esforço em alguns figurinos e sets.
As atuações variam do teatral “eu ainda tenho alguma honra como um character actor” pro teatral “eu entrei no estúdio sob efeito de 5 copos de vodka, eu nem sei como estou de pé”. O meio-termo entre os dois é… servível.


Mas ainda assim, há mais esforço do que na sequência, que… literalmente, nada acontece, embora a premissa pareça interessante. É o tipo de coisa que te faz ponderar sobre a função do entretenimento e as expectativas que são colocadas em uma obra de arte após saber do que se trata, porque poucas coisas conseguem oferecer tanto e entregar tão pouco.

Sério, eu literalmente cochilei uns bons bocados do filme, e quando eu sentia que tinha dormido, voltava pra ver o que perdi, e… era absolutamente nada. Eu literalmente dormi durante o filme e nada da história ou de valor foi perdido com isso.

Eu tenho um certo fascínio com esse estúdio, e após ter visto o primeiro filme (Prehysteria) e o último (Fowl Play), talvez eu devesse ver o resto, só por curiosidade. Não dá pra ficar pior do que os patos que bebem chá, certo?


…certo?

minha mais sincera reação

***

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