Uma Dobra no Tempo (2018)


Eu ia ver esse filme no cinema, mas... contratempos. Não pude ver o remake de Uma Dobra no Tempo, baseado no livro que já teve outra adaptação pela Disney em 2002, a qual eu resenhei aqui.

Mas essa é uma nova versão, com um orçamento que vale mais que o pão de queijo e uma jarra de Tang que foi o primeiro filme. Não senhor, agora temos esse sci-fi (??) surreal com efeitos em computação gráfica realistas... quase, e temos um elenco de peso, como Reese Whiterspoon, Mindy Kaling e OPRAH WINFREY!
Josh Peck estaria delirante nesse momento.


Mas essa mistura vale a pena?

Disney continua com o péssimo hábito de fazer filmes ruins com trailers chamativos e legititmamente interessantes?




A história do filme envolve um casal de cientistas que estão prestes a fazer um grande achado científico: o de viajar pra outros planetas usando só a mente. Essencialmente, passar por um buraco de minhoca através do pensamento. Obviamente isso não é levado a sério pelos cientistas de sua época, mas o cara é literalmente o Kirk de Star Trek, descobre o segredo, e some deixando a esposa, a filha biológica e o filho que eles tinham acabado de adotar.

...eu acho. A passagem de tempo é meio confusa nesse filme.

Então acompanhamos Meg, uma menina estranha que não se encaixa em nenhum grupo social, e apesar de ser incrivelmente inteligente, age estranho porque seu pai sumiu há 4 anos e nada dá a entender que ele vai voltar. Agora ela passa os dias a arranjar encrenca com as outras crianças que ficam zoando ela.


Seu irmão adotado é autista e aparentemente tem feito contato com senhoras de outros planetas que tem nomes de pronomes ingleses, que sabem como encontrar seu pai perdido.
Usando o poder da mente.
Pra viajar pra outros planetas físicos.
Com. O. Poder. Da. Mente.

Assim, Meg e CARLOS VEGETAL vão viajar no temp... espaço pra encontrar seu pai e derrotar o Palhaço Krusty.

Oh, e tem algo sobre o moleque... que eu acho que é crush da Meg. Nunca dizem nada sobre isso.



Se tu comparar essa resenha com a da primeira versão , vai notar que a história parece um pouco mais seca. Mas é porque o próprio filme é mais enxuto. Ele corta vários elementos do livro pra economizar tempo. Alguns não fazem a menor diferença e realmente fez bem terem sido cortados, como os gêmeos da família. Outras danificam o filme a um nível olímpico, como não desenvolver o relacionamento entre Meg e Charles Wallace.

Sim, chamar ele pelo nome mesmo a partir daqui. Nem de longe eles repetem o nome dele como no outro filme, logo não tem sentido continuar com essa piada.

Enfim, vamos pras coisas ruins do filme logo, porque rapaz... É um desastre.



Esse era um dos poucos filmes que eu tava legitimamente empolgado de ver no cinema, porcausa dos visuais surreais e design de produção interessante. Dado o histórico do estúdio na área "remakes recentes de alto orçamento", eu tinha uma idéia que a narrativa do filme ia ser ruim. Mas não a nível arquitetônico.

Comecemos por Meg. No livro, ela é uma guria estranha tanto social como fisicamente. Mas... mais "average", ela não é cartunescamente estranha, pelo que andei lendo. Ela tem aparelho nos dentes, por exemplo. A atriz do filme original era average, mas podia passar essa idéia de ser estranha e rejeitada socialmente. Aqui, ela é uma menina linda, quase uma modelo do getty images. Trocaram a etnia dela porque "MUH DIVERSITY" e... eu tou até ok com isso. Não é algo que faça muita diferença na história ou seja muito importante no livro, e essa mudança não traz tanta diferença (como, sei lá, fazer Meg sofrer racismo pesado). Mas isso nos leva a outros problemas.


Se fosse uma guria branca (como é no livro e no primeiro filme) não teria muito problema pra tornar ela fisicamente estranha. Mas é notório que essa diversidade era um dos pontos de venda do filme (ao menos em termos estéticos, porque Buzzfeed e Tumblr são público potencial grande, eu acho), então pegar a protagonista mestiça puxado pra negra e deixar ela fisicamente estranha seria um ponto contra o produto final, podendo provavelmente causar algum mal-estar de algum grupo abilolado.

Seria como fazer o primeiro personagem abertamente gay da Disney, mas fazê-lo como sendo um bobo da corte e cujo nome é literalmente "O Tolo".
...não, pera.


Com isso dito, a atriz é incrivelmente talentosa. Ela consegue ter os trejeitos de uma menina que sofreu um trauma grande de perder o pai, passando 4 anos sem ter nenhum tipo de notícia dele, tentando resolver exatamente o que aconteceu, e acaba mudando sua atitude porcausa disso. E ela consegue passar as emoções necessárias e te convencer delas, especialmente quando se reencontra com seu pai.


O problema é que isso não se sente merecido. Mal vemos a interação com seu pai, e o pouco que vemos não é suficiente pra que sintamos essa conexão. Mesma coisa com seu irmão, onde pouco vemos de como eles se ajudam e se protegem na escola. Na real, em um momento ela meio que sente vergonha dele defender ela. Claro, era um momento pouco propício, mas... porque não vemos os momentos onde essa relação funciona?

Ok, vemos o momento onde Charles Wallace faz chocolate quente pra ela no meio da noite, mas nunca é dado o foco necessário nisso, nem vemos mais momentos pequenos e cotidianos deles dois interagindo.

No primeiro filme vemos isso, temos até uma profundidade maior com alguns elementos do livro que permaneceram, mas foram cortados dessa versão. Por exemplo, Charles Wallace só fala normalmente perto de seus familiares, e não em público ou na escola. Isso ajuda a caracterizar ele como o moleque mais "estranho" ou "autista". Aqui não tem isso, ele é mais estranho sem muito motivo.

Aliás, Charles Wallace aqui é adotado e eu juro que tou até agora tentando entender daonde cargas de molho veio essa decisão criativa. Não adiciona absolutamente nada à história e só faz criar mais dificuldades narrativas. Temos que acreditar que Meg e Charles Wallace tem uma relação fraternal profunda, mas nunca vemos de fato algo que nos faça comprar essa idéia.


No primeiro filme vemos isso acontecendo de fato, e podemos sentir melhor como se dá a relação dos irmãos. Logo, quando Meg precisa proteger seu irmão durante o clímax, é muito mais recompensador. Aqui, a gente é literalmente forçado a acreditar que eles se amam como são. É tipo eu quando eu tentava aprender regra de três na hora da prova no ensino fundamental.


Outro problema do filme é o moleque crush da Meg. Que nunca é especificado se ele é realmente crush dela ou não, já que ele é tão subdesenvolvido que poderia ser descrito como Personagem de Terceiro Mundo. Vemos levemente alguma relação com seu pai abusivo, mas é isso. É engraçado que ele aparece literalmente do nada na história, e o Charles Wallace "ah ok tu pode vir, a gente vai precisar de um diplomata na party" só que o cara NUNCA faz tal trabalho diplomático.

E a parte mais engraçada do filme é que ele é projetado como um filme do início dos anos 2000.

Ok, me acompanhem.


Alguns talvez não lembrem de cara, mas houve uma trend no início dos anos 2000 onde uma música pop entrava absolutamente do nada nos filmes, normalmente servindo de transição de cena/momento. Eu consigo lembrar de alguns que fizeram isso, como Shrek, Quarteto Fantástico, As Loucuras de Dick e Jane, e O Grande Mentiroso. Não sei se essa trend/estilo continua hoje, mas eu não lembro de ter sido usada por filmes recentes e que tenham me dado a sensação de ter visto algo dessa época.

Até que aparece esse filme.

Eu juro, eu me senti de novo um moleque de 10 anos vendo os mesmos filmes citados anteriormente gravados em VCD. Só que num sentido ruim, porque isso me distraía do filme, que tentava ser o mais moderno possível em termos visuais e estéticos. Alguma coisa acaba soando errada, inevitavelmente.


Outro conceito que fica mal explicado no filme é a da viagem espacial. Não de tempo, porque eles não dobram o tempo, mas sim o espaço. Ou usam o tempo pra viajar pelo espaço. Sei lá.
Eu entendi que eram planetas diferentes, mas alguns que não leram o livro nem viram o primeiro filme (como Doug Walker) acharam que era planos de mente ou algo nesse sentido. E... faz sentido, eu totalmente consigo entender a confusão. Nunca explicam exatamente como ou pra onde eles viajam.

Exceto que eles explicam.

Num trailer.

Cuja cena acabou deletada do filme final.

...

...eu juro, hoje eu vou botar fogo na cidade.


Ok, então... Nas cenas deletadas eles explicam um pouco melhor o que é um tesseract e o conceito de dobra de espaço, que eles insistem em chamar de dobra no tempo. E é engraçado porque eles explicam o conceito pro Calvin e ele "ah ok acho que entendi" e eu tou aqui pensando comigo mesmo "não, seu imprestável amontoado de hormônios, cê só disse que entendeu porque quer fazer uma média com a possível futura sogra".

No original, fica mais claro que é uma viagem entre planetas, mostrando os personagens viajando fisicamente pelo espaço etc. Mas eu gostei da forma que a diretora usou pra mostrar como Meg aterrisa nos planetas: meio tonta, sem saber exatamente o que aconteceu; até que em um momento ela consegue viajar sem problemas. É um progresso interessante na personagem, mas poderia ter sido trabalhado melhor.

Aliás, muita coisa nas cenas deletadas complementa MUITO bem o filme, tanto na narrativa quanto no ritmo, com cenas que desenvolvem um pouco melhor Calvin e até uma cena inteira de Meg sendo curada pela Tia Chewbacca em Hoth

Sim, eu sei que a criatura e o planeta tem outros nomes, mas dane-se, é tudo Disney e o público adora essa meta-linguagem/sinergia entre as propriedades.

E eu tou com preguiça de ir procurar os nomes agora.


Ok, falei das coisas ruins, e as coisas boas?

É um filme visualmente criativo.

Tem uma mulher-repolho voadora com
o rosto da Elle Woods.
A computação gráfica vai ficar antiquada do mesmo jeito que o primeiro filme ficou hoje, mas é meio que parte da fantasia. O que é fantasioso parece de outro mundo, o que é pra ser mais realista (como as ilusões em Camazotz) é real e usa menos CG.
Algumas decisões me incomodam muito, como Camazotz não ser um planeta físico, mas sim uma escuridão abstrata, porém sólida (quem escreveu isso? Tetsuya Nomura?). Isso diminui o impacto do controle do palhaço Krusty do mal sobre a cidade onde todo mundo veste a mesma roupa e pratica as mesmas atividades no mesmo horário da mesma forma robótica, como também me faz riscar a piada de comunistas espaciais desse artigo.


Não, sério, se eu ver algo desse filme
em Kingdom Hearts 3 eu juro
que saio na rua com um taco de baseball.
Mas ainda assim, o que funciona nele realmente funciona. Os cenários e criaturas são interessantes e executados de uma forma surreal; bem como a fotografia. Mas em comparação ao primeiro... conceitualmente ainda não tá "lá". É como se as coisas surreais fossem acontecendo, mas só porque "tá no livro". O que parece ser um padrão de filmes live-action recentes da Disney, mas divago.

O ideal seria o meio termo entre o primeiro e o segundo filme: ter o conceito e a criatividade e a narrativa do filme pra TV com o orçamento e direção de arte do segundo.


No final das contas, qual filme é melhor ver? O primeiro. Por mais "meh" que ele seja, tem uma história mais consistente e personagens mais agradáveis e simpáticos. O remake é... assistível. É MUITO ruim MESMO, a ponto de tu conseguir rir de cenas que deveriam ser sérias, mas acabam invountariamente engraçadas. Dá pra fazer umas 10 piadas sobre o ego da Oprah Winfrey brincando.

Mas se quer um pensamento mais fechado e decisivo se tu deve ou não ver esse filme, considere o seguinte: eu sou o cara que não consegue se empolgar mais pra NENHUM filme novo, seja de qual estúdio for. Absolutamente NENHUM. Mas eu tava SUPER empolgado com esse filme e queria muito poder ver no cinema, nem que fosse só pelos visuais.

Pois bem... Hoje eu dou Graças a Deus de não ter visto essa bomba no cinema, porque nem a história e nem os visuais valem o preço do ingresso. Se eu ver na minha TV da sala é suficiente pra ter os visuais interessantes de uma forma agradável. A narrativa (mesmo com as cenas deletadas incluídas) tem tanto buraco que faz com que a Falha de San Andreas se pareça com uma bola de ping-pong. A atriz da Meg é simpática e atua absurdamente bem pra idade dela.

Aliás, quem foi o porco-espinho com reumatismo
que botou CORES nessa cena? Era pra soar ameaçador,
não amigavelmente desconfortável.
A menos que tu esteja muito interessado no livro e escrever um artigo sobre diferenças de adaptação do livro pra filme em um blog de internet que ninguém se importa em ler, não vale a pena ver esse filme. De verdade. Vá ver Ponte para Terabítia que ao menos tu vai poder dizer "um filme da Disney onde uma piveta de 6 anos diz 'God damn you to hell'".

[piada obrigatória com Tomorrowland]

You May Also Like

4 comments

  1. +Kapan, mais uma vez, um ótimo artigo que você escreveu!

    Ainda não tenho interesse em assistir esse filme (a versão recente), contudo, pensarei em assistir a versão original e se possível, pesquisar mais sobre o livro!

    O que me preocupa é que a diretora desse filme Ava DuVernay (caso tenha escrito errado seu nome, por favor, corrija-me) é que ela irá dirigir a adaptação cinematográfica dos Novos Deuses, criados por Jack Kirby no começo dos anos 1970 na DC Comics, um dos mais importantes (e brilhantes) conceitos da editora.

    Mesmo ela tendo declarado-se fã de uma das personagens mais importantes da obra (Grande Barda), ainda não me convenceu que estaria apta para tal tarefa (preferia o Peter Jackson, que dirigiu a famosa trilogia do Senhor dos Anéis e a questionável trilogia do Hobbit).

    Fora que ela tem uma fama imensa de justiceira social nos Estados Unidos o que me leva a pergunta mais relevante sobre isso (e a qual todos deveriam estar se fazendo): quando ela começar os seus trabalhos nesse filme, ela colocará a ideologia acima da arte ou será o contrário?

    Obs: penso que o material dos Novos Deuses de Jack Kirby tem o potencial necessário para se tornar o Senhor dos Anéis dessa década (brilhantemente executado e fiel ao máximo possível a obra original). Tanto que digo que seria interessante serem feitos três filmes de três horas para desenvolver ao máximo os personagens (que possuem uma grande profundidade de personalidade), e produzindo esses filmes ao mesmo tempo, da mesma forma que foi feito com a adaptação da obra da J.R.R. Tolkien, para depois de 10 anos desenvolvendo-os após essa trilogia, elevá-los a um novo patamar com a adaptação do arco Crise Final, de Grant Morrison, que no olhar de muitos, é a maior homenagem já prestada ao grande mestre Jack Kirby.

    No mais, aguardo resposta e continue com o ótimo trabalho!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado por gostar aheahuea

      Ow, Novos Deuses não era uma parada do Hiro Kawahara ou dos irmãos Bá? Eu sempre vejo eles postando algo assim no Instagram (irmãos Bá eu não tenho certeza, mas o Hiro eu já vi)

      Enfim, não posso te responder, a Ava dirigiu pouquíssimos filmes e só dois chegaram no Brasil, então... É, ela não parece ter muita experiência. Uma Dobra no Tempo foi o primeiro big-budget dela, aparentemente.

      E sim, é capaz dela botar ideologia acima da história, como é tendência no meio. Eu ainda creio que foi só por isso que fizeram mudanças nesse filme (como a etnia dos personagens, Charles Wallace ser adotado, etc.)
      Mas... Algumas decisões acabam sendo dos roteiristas ou dos produtores (no caso, o pessoal com a grana). Tipo Alice do Burton, cujos maiores problemas tavam no roteiro e menos na direção.
      ...ok a direção também tava ruim mas o roteiro era um dos maiores problemas.

      Excluir
  2. +Kapan, pelo que procurei aqui, o Hiro Kawahara escreveu Últimos Deuses junto com Eric Peleias e foi lançado esse ano em Hq!

    Já a história dos Novos Deuses, foi desenhada por Jack Kirby no começo dos anos 1970, logo após ele ter saído da Marvel!

    O grande risco dessa adaptação é que, caso não seja feita corretamente, tem grandes chances de manchar de vez o Universo DC nos cinemas (agora conhecido como Worlds of DC) e afundar de vez os filmes baseados em histórias em quadrinhos.

    Esse filme (que espero que tenha um nível de fidelidade autoral e qualidade semelhante a trilogia do Senhor dos Anéis, aqui utilizado como exemplo de adaptação literária/quadrinhos) tem tanto o potencial de se tornar um novo Vingadores: Guerra Infinta, Batman: O Cavaleiro das Trevas, Capitão América: O Soldado Invernal e Watchmen (no que concerne ao status cult), entre outros e um novo Batman e Robin, Aço, Capitão América (1990) e Quarteto Fantástico (1994).

    Por isso o receio!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. AH ERA ISSO AUHEHAEUHAUEA EU CONFUNDI TOTALMENTE

      Se Batman vs Superman não fez a parada acabar, não vai ser esse Últimos Deuses que vai...
      Mas eu te entendo, ela não parece ser uma diretora comercial, e sim mais autoral, independente, Oscar Bait.

      Excluir