A Princesa dos Ladrões (Princess of Thieves, 2001)


Uma das coisas que eu mais desprezo em Descendentes (e outras produções do mesmo gênero) é que eles nunca conseguem transformar os filhos de personagens famosos em personagens únicos. Quase sempre é uma lembrança visual e psicológica de seus pais, o que é uma jogada hiper segura, já que cê tá mexendo com iconografias conhecidas pra dialogar com uma nova geração sem correr riscos de retcon.

Quer fazer o Chapeleiro Louco namorar a Branca de Neve? Se lascar, isso é retardado. Mas se for O FILHO do Chapeleiro com A FILHA da Branca de Neve é totalmente ok.

E isso é um problema, porque evita que coisas interessantes possam ser feitas com esse mesmo conceito. Descendentes quase chega lá, e algum dia eu vou mostrar como poderia ser melhor. Mas por enquanto, vamos dar uma olhada em A Princesa dos Ladrões, que estrela a filha de Robin Hood.



O filme pra TV é parte da antologia Disney que foi gerada com o programa Disneyland, o qual eu já falei brevemente aqui e aqui. Algum outro dia eu falo sobre o programa em si (depois de talvez escrever sobre os outros filmes da mesma antologia), então analisemos esse filme só pelo que ele é.

Also, a imagem acima não tem absolutamente nada a ver com o filme, exceto que ele passou nesse mesmo programa que Michael Eisner apresentava, mas 20 anos antes.
Eu só queria deixar essa imagem porque é simplesmente adorável.


A história começa quando nasce a filha de Robin Hood, a Robin Hooda-DIGO, Gwyn, interpretada por uma sósia de uma rainha alienígena. A guria cresce sem muita presença do pai, já que como herói lendário, está sempre em algum tipo de guerra, seja as Cruzadas ou o Aniversário Guanabara. Ela vive na vila e é ensinada pelos monges, especialmente pelo aprendiz de monge Froderick, que tem o nome mais ridículo que poderia ter. Froderick. Que raio de nome é esse, pelo amor do Stan Lee? Parece aqueles nomes de paródia barata de cópia da Escolinha. 
Enfim, ela aprende a usar arco e flecha e sonha em uma vida melhor, porque ela é uma princesa da Disney, e como sabemos, toda princesa Disney quer "mais".

Enquanto isso, o rei Ricardo está morrendo, e o príncipe João quer obviamente o trono. Robin parte numa jornada pra proteger o apontado de Ricardo ao trono, seu filho bastardo Filipe. Mas Gwyn não aceita ser posta de lado pelo papai Hood mais uma vez, e resolve bancar a Mulan, cortando o cabelo e indo pra guerra mesmo assim. Tretas acontecem, Robin Hood e Will Escarlate são presos pelo príncipe João, Gwyn e Froderick vão ter que salvar Robin e o príncipe Filipe, enquanto eu tento descobrir se monges podem se casar e se o príncipe João e o xerife de Nottingham não deviam estar presos nesse ponto da história.

...é.


Eu não sou o maior especialista em Robin Hood, como já mencionei. Tudo que eu conheço do personagem veio dos filmes da Disney e do jogo A Lenda de Sherwood (que continua muito bom, aliás). Teve um Defender of the Crown também mas quase nunca rodava no meu computador, então sei lá. Pra mim que ao final da maioria das histórias sobre o arqueiro ladrão, os vilões eram presos ou sentenciados à morte ou algo assim, então eu fiquei um pouco confuso no começo, mas eh, wathever.

De certa forma, é uma releitura da história original, mas ao mesmo tempo não é. Mas é previsível, mas ao mesmo tempo é interessante. É complicado descrever.
Se tu tem ao menos dois neurônios, tu vai ter uma noção do que vai acontecer. Mas o que faz o filme funcionar, na maior parte, é o elenco.


Keira Knightley consegue ser uma guria adorável e tem uma química ótima com Froderick, onde ambos foram criados juntos e tem uma amizade forte baseada em fidelidade e uma certa rivalidade. Eles brincam entre si vez ou outra, e tem uma relação de confiança mútua que é totalmente crível. Até mais crível do que Gwyn com Filipe, que embora não seja atuada de forma ruim, o roteiro não te dá tanta firmeza. Parece mais seguir um trope comum na época do que qualquer coisa.
Cê sabe, o de que "se tem um casal de protagonistas solteiros até ao final do filme eles vão namorar/se casar". De cabeça, eu lembro que Blade não fez isso, mas só.

Ok, Procurando Nemo também, mas aí eu acho que era uma situação inter-espécies e... FOCO!


Aliás, tem MUITO clichê da época, da guria que quer ser tratada como igual até ao maluco covarde e ao herdeiro ao trono que não quer ser rei. Mas pra crédito do filme, esses clichês não ficam muito tempo na tela, e os que ficam, não são exatamente irritantes. 

De novo, o elenco consegue te passar uma aura de carisma e credibilidade, e definitivamente se esforçaram mais do que deveriam aqui. Até o Robin Hood, que é menos aquele ladrão pululante e sorridente e mais um velho cansado mas que se esforça pra fazer o que é certo. Por vezes podemos ver muito pouco do antigo e jovem Robin aqui, como quando vemos ele e Will reagindo às torturas do príncipe João, ou na forma que ele luta. Aí temos um vislumbre daquele personagem clássico. A diferença é que ele se tornou cansado e talvez até mais estratégico, algo parecido com a evolução de Obi-Wan em Star Wars.


Mas infelizmente, parte do elenco é meio sub-utilizado. Eu adoro a performance do príncipe João (que é o mesmo cara que fez o caçador em Jumanji e o mordomo de Riquinho do MACAU LEI COOKING). Ele é basicamente uma versão diet do Tim Curry, desde a aparência até o tom de voz. Ver ele surtando é divertido, mas nunca chega a ser absurdamente divertido. Provavelmente queriam pegar o mesmo feeling de Três Mosqueteiros, mas não cabia no orçamento, ou Tim tava muito ocupado reclamando do roteiro escrito com material fecal de Scooby-Doo. Ainda assim é uma performance boa e parte que mostra que é um filme self-aware.

A fotografia também é sensacional ao retratar as florestas. Eu gosto como é muito verde, mas também é muito cheio. A impressão é que dá pra se perder fácil, mas ao mesmo tempo se localizar fácil. Sei lá, é estranho, mas é tão familiar.


Não deveria ser nada mais do que um filme pra preencher um espaço na TV, e... é exatamente o que é, um filme pra preencher um espaço na TV. Mas também sabe exatamente o que é, e tenta ser divertido como pode. 
Os atores são carismáticos e atuam bem, as coreografias de luta são verossímeis o suficiente (tem os exageros que toda lenda tem, mas não é sempre), e o plot é cheio de detalhes e reviravoltas que são previsíveis, mas são confortavelmente previsíveis. Tem algumas surpresas, mas só o suficiente pra que não se torne uma literal releitura da história original. E até nisso o filme é self-aware.


Por exemplo, tem um torneio de arqueiro no meio do filme, e obviamente tu sabe que eventualmente a Gwyn vai acertar uma flecha dentro da outra. Mas a forma que eles fazem isso é diferente, Gwyn erra um tiro e só tem outra chance porque o xerife ficou cansado de esperar pelo resultado final, e até o xerife depois fica "ih rapaz parece o Robin Hood. hhhhhhhhuh, suspeito."


É simplesmente um filme divertido de Sessão da Tarde, e tu não deve esperar muito dele, porque ele mesmo não espera muito de si. Mas ainda é divertido de assistir e vale a pena ver num dia maçante.


***

 

Se tu se interessa pela história de Robin Hood, eu recomendo essa versão da Zahar que tem comentários. Pelo que eu conheço do material da editora, é uma ótima forma de conhecer tanto a obra original quanto os fatos que a cercam.
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***
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6 comments

  1. +Kapan, sempre gosto muito de suas resenhas (esse filme eu nunca ouvi falar)!

    Sinceramente, uma abordagem mais precisa da história de Robin Hood deveria possuir pelo menos 3 horas, para ter o world buildinng necessário para situar e desenvolver os personagens!

    Você já chegou a assistir a versão do filme do Robin Hood de 2011, com o Russel Crowe? Ironicamente, esse filme trata a história de Robin Hood como algo real e justamente acaba, no exato ponto em que o mito do Rei dos Ladrões-que rouba dos ricos para dar aos pobres-começa.

    Penso que o filme definitivo do Robin Hood deveria ser uma mistura do Robin Hood de 2011 (tratando como alguém que existiu de fato) e como o Robin Hood de 1938, com o Errol Flynn (com mitologia de forma bem apresentável para justificar o título e a história como um todo). Na primeira metade, abordaria-se a parte histórica do personagem e com uma boa transição de tom, na segunda metade, trataria-se da parte do mito do Robin Hood, com isso, fazendo justiça ao personagem!

    Obs: se possível, poderia comentar sobre o filme do Shazam! (2019) assim que estrear nos cinemas?

    #PERGUNTA Por que até hoje não existe um filme de animação de mais de 3 horas, seja feito pela Disney, Paramount, Warner Bros. entre outras empresas?

    Ficou sabendo que há algum tempo que a DC Comics lançou uma HQ do Aquaman com o Tutubarão? O nome da HQ é Aquaman/Tutubarão (Aquaman/Jabberjaw) Já foi lançada em formato digital. Aqui a sinopse:

    Quando a cidade da Anistia é sitiada por uma série de ataques de tubarão, as autoridades chamam o Aquaman de ajuda! O que é incomum neste caso é que o tubarão não está tentando matar pessoas - ele só quer falar com eles. O muito confuso Jabberjaw precisa voltar para o Aqualand, a futura utopia submarina de onde ele veio. Mas aquela cidade pacífica onde o homem e a vida marinha consciente viviam em harmonia foi transformada em um pesadelo distópico criado por um novo Mestre do Oceano. Agora o Rei da Atlântida e seu amigável tubarão aliado tem que se unir para consertar as coisas. Também inclui um capitão Caveman atende o mago Shazam em um conto de Jeff Parker e Scott Kolins.

    Sugestão: comentar sobre a história dos intervalos em filmes antigos nas exibições nos cinemas!

    No mais, continue com o excepcional trabalho e aguardo resposta!

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    Respostas
    1. Eu não sei, acho que dá pra fazer um world building legal com menos tempo. É difícil, mas é possível, até porque grande parte do público já tem uma noção do que levou a criação da lenda do Robin Hood.

      A mistura de História com mito é interessante, mas teria que ser tratada com cautela. Não lembro se foi com Robin Hood ou Peter Pan, mas eu lembro vagamente de alguém dizer algo como "se alguém aparecer com calça de lycra verde eu caio fora". Pior que eu não lembro se eu vi isso em algum lugar ou é memória falsa hauehauea

      Ainda assim, dá pra fazer um pouco dos dois, só que com bem cautela. Algo que a DC e Marvel tem feito ultimamente ao adaptar os designs dos heróis, talvez.

      E não, únicos filmes de Robin Hood que eu vi foram os da Disney hauheauheauea



      Animação é um meio MUITO caro. O mais longo até hoje é Incríveis 2, e não vai ser tão cedo que alguém vai bater ele. É um processo criativo muito exato, muito calculado, não tem muito espaço pra improviso ou histórias mais longas como live action.

      SIM eu soube desses crossovers, mas nunca tive saco de ir atrás ahuehaueahu Eu nem terminei os de Archie

      Obrigado pelo apoio e comentários!

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  2. +Kapan, obrigado pela resposta!

    Só uma pequena correção: o longa animado do Senhor dos Anéis de 1978, de Ralph Bakshi dura 2 h e 15 min, com isso, batendo o filme dos Incríveis 2 em duração, que dura 2 h e 5 min.

    Por exemplo, o longa animado Batman: The Dark Knight Returns (2012-2013) foi dividido em duas partes de 1 h e 16 min que totalizam 2 h e 32 min, com isso, fazendo justiça a essa história (bem que poderiam relançar esse filme nos cinemas em uma sessão única)!

    Um exemplo bem simples de um arco dos quadrinhos que, se for adaptado quadro a quadro, duraria quase 3 horas: Lanterna Verde: A Guerra dos Anéis, pois há muito conteúdo para ser mostrado.

    Estou no aguardo para uma matéria sua sobre a questão de intervalos nos filmes antigos (e alguns mais recentes)!

    No mais, continue com o excepcional trabalho e aguardo resposta!

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    1. Pera, mas o Senhor dos Anéis foi lançado como filme único ou como minissérie? Eu acho que se for lançado originalmente em partes não conta...

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  3. Post muito bom, assisti o filme recentemente em uma legenda meio estranha, que fez a legenda não conseguia escrever ''você'' no teclado e sempre estava ''voçe'' , li em alguns lugares que era para ser supostamente um piloto para uma série, seria uma série de tv muito bom

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