O Legado de Tio Walt - Parte 11: Experimentos



O novo milênio chegou, e Michael Eisner continuava pondo seus planos avante, gozando do bom sucesso da Década Disney e da Renascença. Os anos que se seguiram, porém, foram incrivelmente turbulentos pro CEO, que agora também pegara o papel de Presidente da Mesa, após o falecimento de Frank Wells.

O excesso de trabalho levou Eisner ao hospital algumas vezes por motivos de estresse, e seu relacionamento com os outros executivos e até funcionários de menor escalão vinha se deteriorando gradativamente.

Não é a medida mais correta a se usar, mas os longas animados da Disney normalmente refletem o status quo do estúdio. Se tu ignorar gosto pessoal e analisar conceitos, orçamento-bilheteria, e recepção geral dos filmes, dá pra tirar uma noção geral do estado do estúdio e da empresa como um todo.

Os próximos desenhos vão mostrar isso. Mas enquanto isso, vamos ver mais um investimento Disneyano fazendo filmes fabricados pra aproveitar alguma coisa que deu certo no passado e provavelmente vai dar no presente.


Depois do fracasso de Flubber, a produtora de John Hugues, Great Oaks, faliu mais rápido do que tiro de baladeira. Os únicos filmes produzidos foram Jack, o remake de 101 Dálmatas, e Flubber.

Adivinha qual desses filmes ainda era uma franquia rentável?

102 Dálmatas


Eu me lembro de ver o teaser pra esse filme, e era bem mais sombrio do que deveria parecer, na real. Eu postei o link no artigo passado, veja lá se tiver interesse, eu tou sem saco pra ir atrás. O primeiro filme tinha coisas que funcionavam, mas no geral... Era um clone de Home Alone, só que com cachorrinhos. Uma fórmula que nessa época já era saturada e continuaria a ser explorada até os dias de hoje, mas em produtoras menores como a Asylum.

Enfim, a história conta sobre como Cruella fez um tratamento psiquiátrico pra remover seu ódio por filhotes e casacos de pele, e tenta retornar à sociedade através de uma agente de reabilitação de ex-presidiários.

Que coincidentemente adotou um dos filhotes de Pongo e Perdita, Dipstick, que tem seus filhotes agora, mostrando que as Leis da Conveniência Universal ainda são válidas nesse universo.


Cruella decide investir num abrigo de cães abandonados chefiados pelo Sr. Fantástico, que tá prestes a falir. O acordo que o juiz fez com Cruella é que ela não pode voltar aos seus velhos hábitos, caso contrário sua fortuna será doada ao abrigo.

E durante um tempo, ela consegue manter essa pose de amiga dos animais, fazendo uma luxuosa reforma no abrigo e usando a mídia pra mostrar que ela realmente mudou, e todo mundo acredita nela.

Mas... o doutor que fez o tratamento nela se chama Pavlov. É literalmente o primeiro personagem que conhecemos no filme. E ao ouvir o badalar do Big Ben, todos os outros pacientes de Pavlov voltaram aos seus instintos pré-tratamento.

E isso inclui Cruella.

Como raios ninguém pôde prever isso, eu não sei.


Aí a megera se junta com GERRARD DEPARDIÊ, outro estilista famoso por usar peles de animais, pra fazer o tal casaco de dálmatas, ao mesmo tempo que jogam o Sr. Fantástico na lista de suspeitos de ter sequestrado 101 filhotes ou algo assim.

Ah sim, uma das filhotes de Dipstick nasceu sem manchas e se sente mal por isso, constantemente arranjando jeitos de se pintar.

...

É.


Eu não vou amansar: é um filme ruim. Mas não é um ruim só "é mais uma Sessão da Tarde medíocre feita de um amontoado de clichês". Meio que é, mas além disso, é um filme maçante.

Vamo dar uma recapitulada nas outras versões: a versão animada, embora não seja um dos longas favoritos meus, ainda tem lá seu charme e fator diversão. Os humanos tem o seu papel, mas o destaque é mesmo pros animais, que podem falar e assim criarmos uma ligação maior com eles. No remake de Hughes, os humanos tem um papel maior, já que os animais não podem falar, mas o filme ainda é deles.

O foco ainda é Pongo, Perdita e os trocentos filhotes que tem que escapar de Cruella. De fato, Cruella teve seu papel bem mais expandido nesse filme, também como efeito dos cachorros não falarem. O que fazia o remake funcionar eram as peripécias que os animais performavam, treinar eles pra fazer o que eles fazem deve ter sido um inferno, e o resultado compensa.

Hey, é o gêmeo perdido de
Dupond e Dupont!

Aqui... Eu não sei se é pela falta de Hughes ou pela inexperiência do diretor com live-action, mas... Eh. Os humanos tem um foco bem maior que os animais, e até os momentos que vemos os animais não são exatamente impressionantes. São trucagens básicas e inexpressivas, e talvez ele use bem mais CG que o primeiro.

Digo sim em alguns momentos a CG é necessária e até consegue te enganar, mas eu creio que esse ligeiro momento de "é CG ou real?" é uma ilusão. Vejam bem, a Oddball, a filhotinha que aparece em todo material promocional do filme e que provavelmente deveria ser a protagonista, é a única dálmata sem manchas. Manchas essas que tiveram que ser removidas digitalmente.

Então, eu suspeito que não só eles tenham usado um modelo 3D da filhotinha em vários momentos, mas o fato de usar CG até no live-action causa a estranheza que eu senti em vários momentos. Não que eu tenha sentido muito, mas mais porque não tem muitas cenas importantes dela.


O pior é que o diretor é um cara talentoso. Glenn Close sugeriu que o estúdio usasse Kevin Lima após trabalharem juntos em Tarzan. Só que Lima até então só tinha dirigido animações, e esse foi seu primeiro live-action. Raios, Lima nos deu o fantabuloso FILMEDUPATETA, ele é um cara que sabe como conduzir um filme, mas provavelmente sua experiência com um filme comercial cheio de notas do estúdio não seja lá seu forte. Ao menos depois nos daria Encantada depois, mas me adianto. O fato é que tanto a inexperiência dele com filmes live-action e as ordens superiores pra esse filme contribuem pra que seja... eeeehhhhhh.

É um filme criminalmente básico e que se apóia em clichês incrivelmente irritantes. Por exemplo, tem um momento que a dona do Dipstick e o Sr. Fantástico vão jantar num restaurante italiano chamado Tony's. A princípio eu pensei "ok, é uma referência bacana, relativamente sutil, ok".

Aí o filme fica num vai-e-vem entre os dois no restaurante e os cachorros assistindo A Dama e o Vagabundo enquanto os humanos recriam a cena do espaguete com uma precisão que só seria vista de novo no remake de Dama e o Vagabundo.

É absurdamente brega e não funciona em nenhum nível exceto "HAHA A DAMA E O VAGABUNDO EXISTE E É DO MESMO ESTÚDIO QUE FEZ ESSE FILME". O que é a base de 98% dos remakes que a Disney faz, na real.


Pra um filme de comédia familiar, ele também consegue ser incrivelmente sem graça. Uma piada recorrente é do papagaio que acha que é cachorro (e que se fosse feito hoje provavelmente ia ter gente reclamando que era uma piada com a comunidade trans), e que porcausa disso ele não consegue voar. Sim, é claro que ele vai conseguir voar no clímax e ainda fazer uma piada sobre ele ser um cachorro voador.

O outro aspecto cômico é a atuação de Cruella e do Obelix que...

...

Olha poderia ter sido TÃO melhor...


Digo, Glenn Close FEZ o primeiro filme, se não fosse por ela seria um desastre. Ela que deu a personalidade absurdamente cartunesca à personagem, e que deixava o cenário e seus figurinos mais fáceis de serem engolidos. O personagem de Obelix também é exagerado ao mesmo nível, mas eles nunca vão 100% no absurdo, é como se eles tivessem se restringindo.

E eles ainda usam ele lá pro final como um raptor de cachorro comum, como foi Horace e o Gaspar no primeiro filme.

Eram esses os nomes né? Ou era Jasper e Gaspar era a dublagem? É estranho porque eu não lembro muito desse filme dublado, tanto o remake quanto o original. Enfim.

Sim, eles justificam o Obelix ter que raptar os últimos cãezinhos, ele sendo um grande fã de Cruella e querer agradar ela em tudo tal qual o bando de gado de internet que assina patreon de e-girl, mas ainda é um conceito imbecil. Porque um estilista renomado e rico iria se sujeitar a um trabalho digno de um capanga encontrado na Workana ou Vintepila?


A única coisa boa do filme é a fotografia em alguns momentos, que lembra muito a de uma animação, e a atuação de Close, que mesmo que não tenha o mesmo fator diversão do primeiro filme, ainda é legitimamente uma boa interpretação da personagem, que mesmo quando boazinha mantém alguns aspectos básicos do exagero cartunesco de Cruella.

É um filme incrivelmente passável e que não vai fazer diferença alguma na sua vida, a menos que você assista pra zoar com os amigos.

Ah é, teve esse delírio febril



O próximo filme é mais uma evidência da Regra dos 15 Anos. Quando eu era moleque eu dava mó valor esse filme e à sequência. Mais à sequência, que eu vi mais vezes, mas ainda assim eu gostava MUITO do filme original.

Mais tarde veremos o motivo.

Depois de Dinossauro, a Disney persistiu na sua empreitada em produzir filmes com histórias originais, embora aqui ainda tenha algumas raízes conhecidas. A idéia original era fazer uma releitura de O Príncipe e o Mendigo, mas se passando na civilização Asteca. O filme passou por MUITAS mudanças, algo que merece um artigo por si só, mas o filme final não tem absolutamente nada parecido com o inicial, além de alguns personagens e personalidades.

O título do filme final também referencia outro conto conhecido, A Roupa Nova do Rei, mas também não tem nada a ver com esse conto. Porém, é inegável que ainda há uma tentativa de fazer algo novo e criativamente fresco, e ainda se manter no branding do estúdio, que é adaptar contos clássicos.

Algo que eles não conseguiriam fazer até 2010, mas me adianto. Por enquanto, vejamos como se saiu A Nova Onda do Imperador.


Normalmente os longas animados do cânon Disneyano tendem a ser musicais, e geralmente é isso que se espera quando cê fala em um "filme animado Disney". E embora não-musicais tenham sido feitos antes de Dinossauro (Bernardo e Bianca 2, Caldeirão Mágico, O Cão e a Raposa), ainda eram minoria.

Outra diferença do projeto é que seria 100% comédia de parceria, onde dois personagens que não se dão bem vão ter que juntar forças por um bem maior.

Tipo Toy Story.

Hum.


A história acompanha o Imperador Kuzco, o rei dos Discotecas. Ele é um jovem príncipe acostumado a ser servido por todos ao seu redor, o que criou um ego gigantesco a ponto de ele desconsiderar emoções e opiniões alheias em prol de seu querer absoluto.

Tipo millenials e jornalistas.

De fato, ele é tão mesquinho e pestilento que um aldeão chamado Pacha vai ao palácio a pedido do imperador, mas o príncipe só queria saber o melhor local pra fazer sua casa de férias, e decide que vai construir o segundo palácio justamente onde hoje fica a casa de Pacha, que foi herdada de várias gerações passadas.

Yzma, a conselheira real, planeja matá-lo pra enfim tomar o trono. Antes que você comece a se questionar como raios funciona a política dos Karatekas, Kuzco é acidentalmente transformado numa lhama e acaba indo parar junto de Pacha, e ambos se vêem obrigados a colaborar pra voltar pro palácio e impedir os planos de Yzma.

Pronto, agora esse artigo vai
ter 70% a mais de chance de
aparecer nos resultados do Google,
só pelo meme do Pacha.
O plot em si não é exatamente original, mas ele toma várias liberdades com os materiais-base. O lance do conselheiro real tentar usurpar o trono é um clichê recorrente (e foi usado em Aladdin), e o plot do Imperador jovem e egocêntrico que aprende uma lição sobre humildade também é algo ridiculamente previsível. Mas o que faz o filme funcionar é como eles passam esses conceitos.

Kuzco é um personagem odiável, mesquinho, pestilento e inescrupuloso. Mas ele tem uma personalidade divertida que torna o filme um pouco mais leve, com um diálogo rápido e engraçado.

O que... acaba sendo um ponto contra o filme, por mais estranho que pareça.

Deixa eu explicar.


Conseguir equilibrar comédia e emoção genuína é um trabalho pra poucos. Normalmente quanto mais rápido e engraçado o diálogo tenta ser, quando chega em momentos que o filme dá uma respirada e tenta te fazer sentir algo pelos personagens, há uma discrepância tonal.

"Que raio é 'discrepância' ô Kapan?" VERME INCULTO, NÃO ME INTERROMPA!

Já que eu comecei comparando com Toy Story, continuemos nisso. A história envolvendo os brinquedos também é uma buddy comedy, mas nós conseguimos nos importar com os personagens, conseguimos simpatizar seus dilemas, seus arcos narrativos, seus amadurecimentos. Há momentos engraçados e o roteiro é surpreendentemente criativo, mas nunca é uma comédia rápida com um timming tão preciso e acochado quanto Nova Onda.

Outra comparação: Simpsons. As temporadas iniciais. Lá pelas temporadas 2 a 4, há vários episódios que tratam sobre relacionamentos entre personagens, e o clima fica legitimamente tocante e tu consegue até soltar um "awn". Mas o ritmo da comédia também é bem espaçado, se há esse diálogo cômico rápido ele não é constante durante o episódio ou não aparece de jeito nenhum. O próprio ritmo cômico da série em geral é bem diferente de Nova Onda, que chega mais perto de um... sei lá, Poderosas Magiespadas.


E esse talvez seja o maior problema do filme, as piadas por si só são engraçadas, mas o lado de drama é subdesenvolvido e clichê, logo não tem como criar uma ligação tão forte com Kuzco pra que a comédia seja mais efetiva. Kuzco é um personagem desgostável durante boa parte do filme, tem momento que ele faz uma jura com Pacha mas nós sabemos que ele tá mentindo e confirmamos isso em um momento depois.

Mesmo que a evolução do personagem seja gradual, o fato de pensarmos mal sobre ele e depois termos nossas suspeitas confirmadas não ajuda em momento algum a simpatizar com o protagonista.

E por mais wholesome que seja o Pacha... Ainda é um personagem meio clichê, ele e a família. Claro, são o equilíbrio necessário pra contrabalancear o egoísmo de Kuzco e são bons personagens, mas... Eeehhhh. Eles não... Sei lá, falta alguma coisa.

De fato, todo o filme tem esse sentimento. A comédia é engraçada e com um ritmo acelerado e tem até umas quebras de quarta parede sensacionais; os personagens são divertidos e conseguem se contrabalancear; a moral não é ruim e é passada de uma forma eficiente.

Mas falta alguma coisa e eu não sei exatamente o que é.


Depois do inferno criativo que foi esse filme, eu não devia me impressionar tanto com o resultado, e dar graças que o filme saiu anyway. Mas o negócio é que esse filme é TÃO bem lembrado por nós e teve até um bom sucesso nos anos 2000, tendo uma sequência (que eu considero superior ao filme original) e uma série animada (que eu devo ter visto um episódio perdido em 2007, no tempo que a grade do Disney Channel dava gosto de assistir).

Talvez (e essa é uma teoria minha que eu ainda preciso comprovar cientificamente algum dia) o motivo de lembrarmos tão bem desse filme seja um só. Digo, tudo tá no seu lugar, como eu citei. Tem tudo pra ser um filme original e divertido pra família. Mas o que falta?

A dublagem brasileira.


A Disney já vinha molhando os pezinhos na água com as celebridades em dublagens internacionais. Não sei nos outros países, mas só escrevendo esse artigo eu descobri que Ed Motta cantou Someday em Corcunda de Notre Dame. O motivo disso é que absolutamente ninguém se lembra dessa música.

Não, sério, eu só fui descobrir que ela existia ouvindo Disney Eurobeat, porque É CLARO QUE EXISTE UMA VERSÃO EUROBEAT DE SOMEDAY!
Ed Motta, cante a versão eurobeat, nunca te pedi nada.

Sim, eles cantam na versão teatral de Corcunda, mas no longa original a canção foi empurrada pros créditos finais, e é uma balada pop tão destoante do resto do filme que não é surpresa que ninguém se importe. Quando tu pergunta pra alguém qual a música favorita do filme, normalmente é God Help the Outcasts, Hellfire ou The Bells of Notre Dame, muito dificilmente vai ser Someday. Não porque seja uma música ruim, mas porque a essa altura galera já tá saindo do filme ou já mudou de canal.

Enfim, Ed Motta cantou uma versão brasileira de Someday, e logo depois todas as músicas de Tarzan. Sim esse trecho inteiro foi pra falar sobre Someday e essa minha descoberta, porque Ed Motta também cantou as duas únicas músicas do filme. Ou tecnicamente a única porque a segunda é uma reprise, enfim.

Also relevante, no original a música é de Tom Jones. Sim, o maluco de It's Not Unusual.


De fato, eu gosto muito das músicas do filme, é bizarro como os caras da Disney conseguem juntar coisas absolutamente discrepantes e fazer soar como se fossem duas metades da laranja. Império Asteca e funky jazz nunca combinaram tanto quanto nesse filme, assim como jazz e Livro da Selva, ou jazz e As Mil e Uma Noites.

Jazz é tipo o ketchup das músicas, vai bem em tudo.

...onde eu tava? SIM, a dublagem brasileira. Eu não tive problema nenhum com nenhuma das vozes originais, de fato. Patrick Warburton nasceu pra ser o Kronk e continua sendo um dos voice actors mais carismáticos que já pisaram na face da Terra, logo faz sentido que ele seja dublado pelo igualmente carismático e talentoso Guilherme Briggs. 

Yzma é dublada pela Eartha Kitt, que também é ideal pro papel e até hoje eu considero um crime terem excluído a música dela. Marieta Severo cumpre o papel muito bem, e em entrevista ela diz que tá se acostumando a fazer vilã. O que é estranho, porque o papel dela mais forte que me vem à mente é o da Dona Nenê, e de vilã tem a feiticeira lá do filme de Castelo Rá-Tim-Bum. Enfim.

Pacha no original tem a voz e o carisma paterno de John Goodman, e na versão brasileira é o Humberto Martins.

Ele é ok.


Mas o que realmente me incomoda é David Spade como Kuzco. Ele é um comediante do SNL e... Ele consegue pegar a essência do personagem, mas pra mim nunca chegou LÁ. Ele dá vida a Kuzco e consegue contar piada, mas sempre que eu ouço a voz dele tentando soar sério, alguma coisa soa... off.

Graças a Deus Selton Mello salva o personagem na dublagem. Pelo amor de Oz. Eu tou comentando sobre as vozes baseado na minha memória falha e em vídeos aleatórios que eu achei no YouTube, mas esses trechos já são melhores que a dublagem original. Selton Mello dá uma alma pro Kuzco, um trejeito mais leve e até mais gostável.

Tem um momento específico que Kuzko fala empolgado sobre o projeto de fazer Kuzcotopia, e David Spade soa falso, forçado. Selton Mello faz isso de uma forma mais verossímil, ele modula a voz, dá uns saltos na fala. Colabora pra que gostemos mais de como o personagem se comporta, adiciona uma camada a mais pra que o compreendamos. O Kuzco de Selton não é só um cara egocêntrico acostumado ao poder, ele soa mais como uma criança que trata o mundo ao seu redor como sua caixinha de areia particular.

De repente nossa visão sobre o personagem muda levemente e podemos simpatizar um pouco mais com a personalidade dele e crer um pouco mais na mudança de atitude.


Agora, uma coisa que sem dúvida eu AMO nesse filme, é o design de produção. Os caras conseguiram replicar aspectos da cultura mesoamericana com as liberdades artísticas necessárias, e ainda deixaram algo agradável ao olhar. E o que é interessante notar é que alguns traços da idéia original de um filme épico e grandioso permaneceram de uma forma ou de outra.

Digo, olha essas paisagens.


Elas não são só agradáveis e impressionantes de se ver, mas também tem a função narrativa de mostrar a suposta grandeza de Kuzco e de como o mundo fora do palácio é igualmente vasto, talvez maior que o próprio palácio, mostrando que o macroverso em que Kuzco se intitula o maioral, é na verdade um microverso comparado ao seu derredor.

...é daora.

Não é que eu não goste do filme, mas o inferno criativo que foi fazer ele realmente se mostra no resultado final. Uma inconsistência narrativa que pode ser prejudicada, mas com momentos que isoladamente funcionam. Os personagens são engraçados (em especial os vilões), quebras de quarta parede fantásticas, designs estilosos e bonitos, e uma boa moral.

É um filme interessante de se ver, mas que comparado aos seus predecessores... Eeeehhhh. A história por trás do filme é MUITO mais interessante que o próprio filme, mas outro dia eu conto essa história.

Mas, período experimental. Hit and miss. O próximo filme também teria MUITO disso, inclusive os fatos ao redor do filme serem mais interessantes que o produto final.



Atlantis


Depois do trabalho feito em Corcunda, Kirk Wise e Gary Trousdale resolveram fazer algo diferente. Provavelmente eles mesmos sentiram que alguma coisa tava mudando na indústria e a Disney teria que sobreviver de alguma forma.

Então eles acabaram recorrendo aos quadrinhos e filmes de aventura pulp que permeavam suas infâncias e adolescências, como Indiana Jones, Star Wars, 20 Mil Léguas Submarinas, e Swiss Family Robinson. E eles pensaram "ok, não tem um filme assim na Disney, bora fazer", e alguém (provavelmente Trousdale), "ow mano cê sabe que Léguas e Robinson são da Disney né".

Mal sabiam eles.


Enfim, já que os filmes tavam gradualmente se distanciando de musicais pra tentar renovar a imagem do estúdio (Tarzan só tem músicas narradas, Imperador tem cenas musicais mas não é o foco do filme e acontecem dentro do universo da história, e Dinossauro existe), eles resolveram fazer uma total aventura de ação mais séria, sem músicas ou bichinhos bonitinhos e engraçadinhos. Pra que todo mundo estivesse na mesma página, a equipe fez camisetas com os dizeres "Menos música, mais explosões".

Eu pagaria uma boa grana pra ter uma camisa dessas. Sei lá porque não vendem nos parques, mas enfim.

A história segue bem mais a influência de Júlio Verne do que dos contos de fada, o que é uma mudança bem-vinda e a Disney poderia facilmente implementar na Tomorrowland, se não fosse a bilheteria desastrosa. Milo é um zelador de um museu ou alguma associação de gente rica que finge gostar de ciência pra faturar uns trocados, e ele tem provas de que durante toda a História, pesquisadores buscaram Atlantis no lugar errado, graças a um erro de tradução.

Isso que dá contratar freelancer barato na Workana. Enfim, um outro maluco rico que de fato aprecia conhecimento e era amigo do falecido avô de Milo o contrata pra uma expedição a Atlantis, e junta a melhor equipe de Left4Dead pra isso.


Esse é um filme que eu queria MUITO gostar mais dele. E talvez cada vez que eu assista eu goste um pouco mais, é notório que há um esforço IMENSO na criação desse filme, que é basicamente uma carta de amor às aventuras pulp tradicionais e steampunk.

Toda a cultura atlante é literalmente viva e interessante, mesmo que na prática seja bem menos exuberante que esperemos. Temos menos verde e menos tecnologias avançadas, mas ao mesmo tempo encaixa no conceito que eles querem passar, de uma cultura em processo de esquecimento e morte. O clichê do "bom selvagem" sempre me soou muito artificial e forçado, sempre parece mais uma forma de criticar o estilo de vida e filosofia urbana, o que é ok mas uma hora cansa e tende-se a cair no lugar comum.

Aqui o rei é arrogante em suas próprias crenças, mas também assume a culpa e percebe o erro de seus caminhos. Atlantis é uma cidade rica em cultura, mas o povo é semi-analfabeto. Digo, Kida, a princesa, se impressiona que Milo consiga ler as parada do diário do pastor (ou seja lá qual for o nome que deram na dublagem), mas ainda tem placas pela cidade, então eu suponho que sejam semi-analfabetas.


Eu gosto do conceito que Atlantis é um povo à beira da extinção, não tem noção disso, mas alguém luta pra que essa cultura seja preservada e estudada e registrada. É diferente de quase todas as outras interpretações que ou são Wakanda, ou Trá-Lá-Lá, ou os dois ao mesmo tempo. Onde houver ser humano, vai ter corrupção em algum nível, não importa o quão utópico seja o zeitgeist.

Exceto Trá-Lá-Lá, esse pode existir de boas.


Isso até justifica o lance "branco imperialista" que vem no pacote de referenciar/homenagear histórias da época. Milo é o cara que passou a vida toda estudando línguas mortas e procurando pistas sobre Atlantis, ele é o cara ideal pra ajudar a reconstruir a civilização perdida, não é simplesmente por ele ser civilizado.

Aliás, é legal como Milo é um cara comum, magrelo, com um trabalho desprezado, mas com um potencial absurdo. Comparado aos outros heróis do estúdio, ele é praticamente o Charlie Brown, é um personagem interessante. Ele é inteligente como o Basil, mas é magrelo e desastrado feito o Hércules jovem; é um nerd que se empolga fácil com descobertas científicas, mas também tem seus momentos solenes de apreciação. Eu gosto dele, bom rapaz.


Kida também pega um pouco dessa curiosidade de Milo, porque ela quer reconstruir sua cultura e descobrir o que aconteceu com sua mãe. De fato, Kida presenciou o afogamento de Atlantis, onde sua mãe foi levada por uma luz no céu, que poderia ter sido tanto os deuses gregos ou o ET Bilu. Milo a ajuda a descobrir a verdade do passado e fazer com que ela se sinta em paz consigo mesma e seguir em frente, é um arco narrativo interessante.

Also, é reconfortante ver que eles não se tornam um casal imediatamente, eles sequer se beijam no final, só se abraçam igual eu vou fazer com meus amigos depois que acabar a quarentena. [NOTA DE REVISÃO: esse artigo foi escrito entre janeiro e abril de 2020. Eu ainda não consegui abraçar meus amigos porque meus únicos amigos são as vozes da minha cabeça. Estou nomeando elas baseado nos personagens de Cats.] Sério, é um dos abraços mais confortáveis e cheio de calor humano que eu já vi na vida, mais emotivo que qualquer troca de saliva poderia ser.


O elenco de apoio é um show à parte. Cada personagem é memorável por alguma característica, seja física, emocional, animação, interpretação, ou pelas falas. Na real, tudo junto, mas por algum motivo eu nunca consigo lembrar os nomes de todo mundo, o que é uma pena, mas ao menos eu consigo lembrar dos visuais e a tarefa de cada um e o nome da metade deles, então é alguma coisa.

Tem Mole, o especialista em escavação e colecionador de terras dublado pelo Lucky de Dr. Dolittle; Sweet, o médico negão careca gente boa que fala mais rápido do que deveria; Audrey, que parece a guria do pôster de Tomboy (1985); Cookie, o cozinheiro; uma velha que parece aquela velha de Hora do Recreio que eu nunca lembro exatamente qual era a função dela só que aqui ela é a técnica de comunicação que passa mais tempo reclamando de tudo; Helga e Rourke que são os vilões-surpresa-nem-tão-surpresa, e meu favorito, o cara das explosões.


Não, eu não lembro o nome dele, mas ele junto do cozinheiro tem algumas das melhores falas do filme. Sério. Praticamente todas as falas dele foram improvisadas, o cara lia a fala do script e depois só deixava rolar, e o resultado foi sensacional.

O cozinheiro foi dublado pelo Jim Varney, o Slinky de Toy Story e Ernest de... Ernest. Infelizmente ele não conseguiu ver o filme completo e faleceu durante a produção. A fala onde ele se despede de Milo é a única que foi feita por outro cara imitando Varney.

Já que tocamos nesse assunto, o vilão é a pior coisa do filme. Nem é por ele não ter uma canção como os outros (embora talvez debativelmente melhorasse o caso dele), ou não ser engajante o suficiente. É só por ele ser clichê demais. Eu gosto da idéia dele ser um militar mesquinho e ganancioso, mas... Ugh, não faz sentido.


Os caras tão encontrando uma civilização perdida. Já é o suficiente pra eles aparecerem em todos os jornais, no Jô Soares, nos livros de História, e em caixas de cereal cujo brinde é um jogo de tiro em primeira pessoa.


Enfim, os caras já tão ter fama e grana o suficiente pra fazer ponta até em Lenda do Tesouro Perdido, porque RAIOS eles querem tirar a força vital do lugar? Pra ganhar MAIS dinheiro? Eu consertaria isso dando um motivo real, tipo... Sei lá, o Rourke também ser um arqueólogo só que ao invés de simplesmente ir em expedição ele coleciona os maiores itens, tipo o Thrawn de Star Wars. Ao menos daria um motivo pra ele querer o cristal.

Sim, porque qualquer ser humano em sã consciência iria querer a Kida petrificada na sala de estar.


Tem uma discussão sobre a Kida ser codificada como negra ou não, e como o design dela sexualiza ela e dá alguns traços mais europeus ou qualquer coisa assim, mas é besteira. Todo o povo atlante segue padrões genéticos que poderiam gerar outros povos, tal qual a língua tem uma base comum com línguas latinas, ou como a arquitetura tem traços maia e orientais.

Na real pessoal lembrou da Chel de O Caminho para El Dorado e não queria perder o embalo. Eu não vi esse filme desde o Dia das Crianças em 2004, então eu não lembro o quão edgy era. Eu sei que as artes conceituais dela parecem algo saído de um filme do Ralph Bakshi, e isso é dizer demais.


Esse é um filme que provavelmente se daria melhor sendo mais longo. De fato, o roteiro original tinha 155 páginas, dando quase duas horas de filme. O que teoricamente seria bom, desenvolver mais os personagens, mas na real maior parte era só as parada que eles encontravam nas cavernas, como baleias de lava e bichos assim.

O que mostra realmente uma falha do pessoal da história, aliado ao vilão surpresa fraco do filme. Aqui foi quando a Disney começou a pegar gosto em vilão surpresa né? Rourke, Pete Fedido, Waternoose, Rico. Mas me adianto.

O engraçado é que na época muita gente comparou Atlantis a Shrek, inclusive elogiando o filme com o ogro escocês, dizendo que "a falta de imaginação vai ser ainda mais dramática para o público em comparação com o vitoriosamente sofisticado 'Shrek'." 

...

Vivemos num mundo onde alguém compara Atlantis com Shrek com esses adjetivos. É como comparar 20 Mil Léguas Submarinas com Zumbis na Broadway, ou Abbott e Costello Encontram a Múmia, que veio no mesmo período. É retardado demais, mas ainda era o tempo em que animação era tratado como um gênero, e não uma mídia, como realmente é. Ainda bem que isso mudou né?

...NÉ? 

...

Enfim.


Mesmo com as falhas de narrativa, ainda é um filme burlescamente impressionante. A mistura de 2D com 3D talvez seja menos efetiva que em Tarzan (mais pelo conjunto da obra), mas é notório que fizeram avanços o suficiente pra pavimentar a morte do 2D. Digo, olha a cena do Leviatã, aqulo é sensacional. A cena de abertura e da entrada em direção ao centro da Terra também são coisas que só uma baixíssima bilheteria explicam não ter uma atração nos parques.

E não só isso, mas a sinergia entre o 2D e o 3D é sensacional, Deus abençoe o cel shading. Also, a tomada final onde a câmera vai se afastando e mostrando uma panorâmia de Atlantis talvez seja até hoje a tomada mais difícil da História da Disney. Os caras foram juntando um monte de folha e montando um monte de animação sincronizada na marra e com uma pancada de veículo em CG passando.

Eu não ligo pro quão realista é o tecido na roupa do Luca, o que eles fizeram nesse encerramento é um trampo absurdo.


Agora, eu quero dar uma pausa e comentar algo muito peculiar que eu descobri pesquisando sobre esse filme. Veja bem, eu fui uma criança que não viu esse filme quando moleque, mas eu sabia de parte da história graças aos quadrinhos que o McDonald's dava de brinde. Os gibis vinham com cards e eu tenho CERTEZA que ainda tenho alguns guardados, e a gimmick deles era sensacional.

Os gibis e cards eram em 3D. Mas um 3D específico, baseado em paleta de cores. Tipo, olha essa capa:


Tu botava os óculos de papelão com lente de plástico que vinham junto, e tu via tudo em vermelho na frente, o que ta´em verde no meio, e o azul lááá atrás. Era BÁRBARO. Era um truque de óptica simples, mas incrivelmente eficaz. E não só isso, mas dava um ar diferente pro gibi, algo que talvez o tornasse uma entidade completamente separada do filme, as cores davam um drama diferente pro tom da história, era lindo.

Os passatempos também eram um negócio à parte, como eles se baseavam em puzzles com linhas e formas geométricas, a parada tomava ares de neon, era lindo. Legal que na época eu cheguei a experimentar com esse lance e fazia minhas próprias ilustrações em 3D usando o Centro de Atividades do Toy Story 2.

O negócio é: esses gibis praticamente se perderam no tempo.



Não há muita informação sobre eles. O INDUCKS sequer tem as capas (até o fechamento desse artigo), eu achei a primeira e a última no Guia dos Quadrinhos, e a terceira num site de vendas. Não existem scans dos gibis. Achei os cards escaneados, inclusive o do Big Mac.

Lembra quando promoções de fast food tentavam ser memoráveis por si só? Era legal.

Engraçado que teve dois sets de brinquedos nos EUA, mas a gente só teve isso, e basicamente fomos o ÚNICO país do mundo a ter esse gibi, o que me faz pensar que foi todo feito aqui por artistas nacionais que sequer sabemos quem são.


Also, é legal porque ele segue bem o estilo de arte do Mike Mignola, o criador de Hellboy. O estilo visual do filme tentava seguir os quadrinhos dele, assim como Bela Adormecida seguia o estilo de tapeçarias medievais, e Bela e a Fera, Pinóquio e outros similares emulavam ilustrações de contos de fada, e Dinossauro tentava ser o Animal Planet dramatizado.

Legal que na época ele ainda era um autor independente, o único trabalho em cinema que ele fez foi naquele Drácula do Coppola. A Disney chamou ele "ow quer fazer uns design pra gente?" e ele berrou "WHO GAVE YOU MY NUMBER?"

Aí ele chegou numa reunião cheia de gráficos e notas sobre como desenhar no estilo dele, soube que os caras passaram uma reunião inteira só discutindo sobre design de mãos, e ele ficou meio "me ensina a desenhar como eu, porque eu só desenho e sai naturalmente".


Voltando aos tie-ins. Além das campanhas de fast food e salgadinhos, brinquedos e o raio a quatro que sempre fazem, tivemos alguns produtos curiosos. Jogos pra console? Normal, aventura, plataforma, centro de atividades, etc. Mas como eu mencionei lá em cima, teve um JOGO DE TIRO EM PRIMEIRA PESSOA. COM UMA PRÉVIA DO JOGO DE GRÇA JUNTO DO CEREAL. Não era uma demo, era um jogo novo (curto, mas original) que servia de prequel pro jogo principal.

A história do jogo (que vinha no cereal cereal) seguia a expedição do avô de Milo pra achar o diário do pastor, e nosso prêmio é o trailer do filme, porque eram os anos 2000.

Algum dia eu falo sobre esse jogo (o de console/PC) em detalhes, mas é curiosamente arcaico pros padrões de hoje, é interessante. Mas também foi um dos primeiros filmes a usar marketing digital, com joguinhos em flash num site (que também distribuiu o Search for the Journal até 2001), e até pra celular.

Mas também teve... vejam só... uma promoção com a Maggi. Teve SOPA e MIOJO de ATLANTIS!


A REALIDADE ÀS VEZES É SEM CONDIÇÕES E EU AMO ISSO.

Os pacotes vinham com figurinhas colecionáveis pra botar num álbum, que eu imagino que deve ter sido muito difícil de encontrar na época. Eu tenho uma vaguíssima lembrança de ver esses miojos pra vender, e talvez até tivesse comprado algum, mas a essa altura nem eu nem meus pais vão lembrar se compramos um miojo com embalagem específica nos anos 2000.

O que me entristece é que Atlantis provavelmente foi um dos maiores marketings que a Disney já fez, e tão experimental quanto o próprio filme, mas quase tudo acabou se perdendo no tempo. Às vezes eu me questiono se é realmente necessário campanhas como a de Meu Malvado Favorito anunciando que o horário de Super Onze vai mudar, mas ao mesmo tempo é legal ter registro que esse tipo de coisa aconteceu.


Atlantis é um filme de paixão que acabou se deixando levar pelos efeitos visuais e deixou a história um pouco de lado. Dá pra ver que eles queriam alçar ares maiores, como uma série de TV chamada Team Atlantis que inclusive teria um crossover com Gárgulas, mas obviamente nunca se concretizou e foi relegada ao mesmo destino de outras séries animadas que foram canceladas mas já tinham dois ou três episódios prontos: virou sequência direto pra DVD/VHS.

É uma pena, porque eu totalmente consigo ver uma série de Atlantis na mesma veia de Tarzan, descobrindo segredos do lugar, encontrando mistérios, talvez outros povos perdidos, criaturas míticas, mas tudo com a real justificativa de estar reconstruindo a cultura atlante.

De todos os longas animados Disney, esse é um dos que CLAMA por um remake live-action, que pode ser até melhor que o original se consertarem a narrativa e o vilão.

Não sei se tu gosta desse filme ou não, mas dá uma olhada, tem umas paradas conceituais que mostram que ao menos o coração do filme tava no lugar certo, e alguma coisa aqui vai te agradar, nem que seja a simples coragem de tentar algo novo e diferente.


E sim, eu vou tentar aprender a língua atlante. Parece um pouco mais complicada que mando'a, mas legal. Ah é, foi criada pelo mesmo cara que fez a língua dos Klingon, e o Spock dubla o rei atlante.

Huh.

...não sei como encaixar no próximo filme, então...

Monstros S.A.


Caso tenham se esquecido, a gimmick da Pixar era de fazer histórias 100% originais e que os próprios criadores queriam assistir, mas não existiam. Em essência, a Pixar era um grupo de cineastas independentes fazendo o que queriam, mas com um orçamento gazilionário, e eles agora estavam mais unidos, fortes, e com um estúdio novo que era um show à parte.

E após Toy Story 2, a Pixar voltou pro seu modus operandi normal, com um filme que tentava trazer interesse de crianças e adultos, com temas que todos poderiam compreender em algum nível e dizer "oloco, parece daora".


Monstros S.A. nos conta sobre os monstros que vivem nos armários. Ou guarda-roupas, como é o caso de alguns lugares. Digo, eu imagino, eu não lembro especificamente eles saindo de guarda-roupas, mas enfim cês entenderam.
Os monstros de fato existem, mas eles assustam as crianças pra coletar seus gritos e transformar em eletricidade. Quando os pais vão ver daonde saiu o monstro, é só um armário comum, porque eles já desligaram a porta. Isso é importante porque os monstros acreditam que as crianças são tóxicas pra eles.

Eu quero que você pare um pouco pra analisar o fato que a Pixar conseguiu tornar interessante e fantástico o que é essencialmente o dia-a-dia de um funcionário da COELCE. Ou Eletropaulo. Ou Enel, sei lá onde tu mora.

Digo, eu até sei, mas prefiro manter distância de você e dos sites que você acessa.

Seu SACRIPANTA! É por isso que não ganha presente do Papai Noel!

Mike Wazowski após ouvir Sulley descrever as
artes homenageando Cellia no DeviantArt.

Acompanhamos a vida de Sulley e Mike. Sulley é o melhor assustador da companhia, e Mike é seu fiel ajudante. Eles fazem aquela clássica dupla onde um é o grandalhão de coração mole e geralmente segue os planos do baixinho esperto cheio de energia e de fácil irritabilidade. Joga um espadachim espanhol com sede de vingança que isso vira A Princesa Prometida. Ou Labirinto.

Tudo vai de boas até que um dia Sulley sem querer deixa uma criança entrar no mundo dos monstros, e o rival deles, Randall, quer a garota pra pôr em prática seu plano maligno de sugar gritos das crianças de uma forma mais eficaz, torturando-as.

Isso porque as crianças tem se assustado cada vez menos (numa época pré-YouTube, lembremos), e Randall tem meios de sugar gritos à força usando uma máquina. Sim, eu sei, é um plot INCRIVELMENTE complicado, se você for o Doug Walker.

Não, sério, no vídeo de Disneycember ele não conseguiu entender o plot maligno do filme. Esse maluco ganha mais dinheiro que você usando um décimo do teu esforço. Pensa nisso.


O conceito em si de ter monstros vivendo em um mundo próprio não é original, mas eles conseguiram dar elementos originais o suficiente e que fossem interessantes. Dão um propósito pro mundo existir e ter coesão, e personagens que podem fazer alguma coisa com esses propósitos.

Uma das coisas que sempre me intrigou muito quando moleque (e que agora eu consigo apreciar melhor) é o controle do ritmo da história e como ela se transforma no decorrer do filme.

Passada a introdução e apresentação de mundo (feitas de forma que funcionam dentro da história e não cansam o público), o filme toma ares coloridos, agradáveis, quase uma sitcom de tão confortável. Daí temos o trabalho de assustar em si, com sets e metologias feitas de uma forma que seja divertida de assistir, mas também faça sentido de um ponto de vista empresarial.

Na metade do filme, temos a Travessia do Limiar, quando uma criança escapa pro mundo dos monstros por culpa de Sulley, que foi investigar uma porta que não deveria estar ligada. Daí temos momentos engraçados onde Mike e Sulley tentam achar um jeito de mandar a guria de volta pra casa, mas também descobrem o complô de Randall. Aí o filme toma ares de thriller e a paleta de cores fica gradativamente mais sombria e a história ganha com altos riscos.

É fascinante como o filme se transforma de uma sitcom pra thriller de perseguição de uma forma tão orgânica, era algo que me fascinava quando moleque e que ainda fascina hoje. Não por não ser algo que outros filmes ou séries não façam, mas essa discrepância tonal é forte demais e eles fazem a transição de forma natural, é fantástico.


A comédia do filme é sensacional, o timming e entrega das falas é no ponto ideal, balanceando as personalidades dos personagens bem como a animação. Ao contrário de outros filmes em CG, animadores específicos animaram os personagens principais, e quando tu dá pausa procurando os inbetweens, tu nota como eles devem ter se divertido muito fazendo isso.

Pra quem não sabe, inbetween é aqueles frames extras entre um frame e outro de uma animação.  Um animador faz as poses mais importantes, chamadas de "key", e um inbetweener faz o preenchimento entre as keys.

Geralmente os personagens fazem alguma careta ou pose absurdamente zoada, mas tu não nota porque é rápido demais, o foco da gente tá sempre nos frames principais. Aqui é uma parada interessante porque eles parecem ter muitos inbetweens mas com a metade do tempo que deveriam ter, criando movimentos rápidos e engraçados.

Mike é o mais culpado disso, mas dá pra ter uns bons prints de Sulley também, mesmo ele sendo um grandalhão mais lento. Mas não só a comédia, mas os momentos mais dramáticos também funcionam perfeitamente (porque, ao contrário de Nova Onda, a comédia não é rápida 100% do tempo). Aliás, a cena que ele se despede da Boo é provavelmente uma das melhores cenas da História da Animação.

SIM, MELHOR QUE A DESPEDIDA DO ANDY EM TOY STORY 3! PRONTO, EU FALEI!


O foco nos olhos do Sulley, a expressão corporal, o fato da Boo encher o Sulley com os brinquedos dela (coisa que criança normalmente faz na vida real), o fato dos olhos dele estarem marejados e a própria Boo, mesmo pivetinha entender o que se passa... É demais pra mim.

E fazendo valer o que John Lasseter usava de mantra pra Pixar, "tecnologia inspira arte, e arte desafia tecnologia". Ou algo nessa linha. O tanto de texturas diferentes que eles usam pros monstros é surreal, especialmente pra esse tempo. Os pêlos de Sulley são realistas, mas o personagem em si ainda tem a característica cartunesca que todo personagem deveria ter pra não envelhecer rápido. Ou ao menos soar estranho. Embora o pessoal que acha a Elsa em Frozen 1 antiquada deveria ter a vista examinada pelo Dr. Riviera.

HI, EVRYBODY!

O design dos monstros no geral também é ridiculamente criativo, embora se tu prestar atenção, fique claro que eles tomaram alguns atalhos, reusando monstros em lugares diferentes e com designs genéricos o suficiente pra não soar fora de lugar. Por exemplo, tem aquele monstro vermelho com braços e pernas imensos que tem hora que parece ser um cidadão comum mas depois tá na fábrica.

Mas ao mesmo tempo, tem monstros que foram criados unicamente pra uma cena ou uma piada e que não aparecem de novo, então ok. Reciclar personagem dessa forma é interessante porque não fere as regras de mundo, e são design divertidos e dá pra fazer brinquedo deles a um nível reconhecível.


Tem personagens que são basicamente o mesmo modelo (tipo o Josh Rivera e o Tony), mas dá pra dizer que são da mesma espécie e pronto. E sim eu tou olhando a Wiki de Monstros S.A.

É CLARO que existe uma wiki de Monstros S.A..

Em alguns momentos a animação mostra sua idade, mas ao invés de ser algo que te distraia, soa mais como uma curiosidade, um sinal da época. É coisa tipo quando tem close na pele do Mike e dá pra ver a textura se esticando, ou algumas formas mais orgânicas como lábios soando falsos, ou iluminação que foi programada pra refletir em pêlos e acaba caindo em partes que não foi programada pra cair com perfeição (como dentes). Vai incomodar tanto quanto a rotoscopia da Branca de Neve, é o tipo de coisa que envelhece bem.

Meu único problema com o filme é mais a versão que tem disponível. Vejam bem, assim como Toy Story 2 e Vida de Inseto, a Disney lançou o filme normal, e depois relançou com os erros de gravação, e no caso de Monstros S.A. com a peça que o Mike faz.

Aparentemente a versão de Blu-Ray e do Disney+ eles pegaram os masters da primeira versão teatral, eliminando assim o que muitos julgam a melhor parte do filme.

Eu não, é algo especial mas é como a sobremesa depois do jantar. Ainda tem aquele sentimento que falta alguma coisa, mas não é como se eu tivesse perdido meu tempo. Claro, faz uma falta medonha quando cê assiste, mas é o tipo de coisa que dá pra ver no YouTube sem muito esforço.

Ainda é um filme incrivelmente engraçado e divertido, e vale a pena rever. Eu poderia começar a divagar sobre a OBRA DE ARTE que é o lançamento em DVD, mas esse artigo já tá grande demais, outro dia eu comento isso.


Enquanto a Disney tava tentando se reinventar, a Pixar tava crescendo cada vez mais. Era uma época interessante, onde tínhamos a Disney fazendo animação tradicional e a Pixar fazendo computação 3D. Mesmo que os filmes da Disney fossem misturados e melhorados com técnicas digitais, eles ainda buscavam aquele aspecto 2D clássico, com técnicas de cel shading e etc. Fora que ainda tinha as diferenças temáticas: Pixar fazia filmes originais que os criadores queriam fazer como um projeto de paixão, praticamente; e Disney fazia contos de fada/fábulas/histórias já conhecidas mas adaptadas com o estilo Disneyano.

É nisso que eu consigo encaixar os filmes com histórias originais mas que ainda erma experimentais, como Imperador, Atlantis, Chicken Little e Nem que a Vaca Tussa.

E onde fica Lilo e Stitch?

...

ÓTIMA PERGUNTA. Talvez eu responda no próximo artigo.



Aparecem nesse artigo: 



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