O Legado de Tio Walt - Parte 14: Largando o Osso
O início dos anos 2000 é particularmente interessante pra Disney.
A empresa é mais conhecida pelos longas animados 2D, mas o seu ganha-pão vinha
de trocentas outras coisas, o que impedia a companhia de fechar. O que
acontecia era que os outros departamentos tavam pagando pra manter a jóia da
coroa, que vinha enfraquecendo exponencialmente desde o final dos anos 90.
A Pixar que tava sustentando tudo, com uma ratio de orçamento absurdamente
mais lucrativa que as produções do Rato. Ok, a Disney tava copiando a fórmula da
Nickelodeon de fazer filmes baseados em animações pra TV, o que deu uma
segurada nas contas, mas não era suficiente nem funcional a longo prazo.
Pra ter uma idéia da disparidade entre os estúdios, Irmão urso custou 110 milhões (sem contar marketing) e faturou
145 milhões.
Enquanto isso, Os Incríveis custou 92 milhões (sem contar marketing) e faturou
600 e tantos milhões.
O segredo tava basicamente na diferença de filosofias.
A história de produção de Os Incríveis é algo interessante. Caso não lembrem,
sempre teve algum estúdio querendo imitar a Disney em algum nível, seja nos
curtas ou nos longas. Nos anos 30 tivemos os
Fleischer com Gulliver’s Travels; anos 80 teve o ex-rato Don Bluth fazendo o mais próximo de uma
imitação Disney com o know-how interno que ele teve. Nos anos 90 a Warner
tentou entrar no ramo, fosse distribuindo animações de outras produtoras, como
Rover Dangerfield e Thumbelina (de Bluth, cujos direitos hoje tão com a Fox,
que foi comprada pela Disney), ou com produções tipo O Rei e Eu na beira dos anos 2000.
Negócio é que a Warner produzia filmes como executivos, e não como artistas.
Tem um
vídeo muito bom
que cê devia abrir numa segunda aba e ver depois, pra ter uma idéia de como
funcionava a mentalidade Warner pra fazer filmes.
Pra resumir, era muito como Jeffrey Katzemberg pensava quando chegou na
Disney, presumindo que a produção de animação era semelhante à de um live
action, o que irritava profundamente os animadores e sobretudo, o diretor Joe
Dante. Ele mesmo disse que nunca mais faria isso de novo se precisasse.
Brad Bird passou por uma experiência parecida.
Bird dirigiu O Gigante de Ferro, um filme que é muito melhor do que tem
direito de ser. Mas como a Warner era esse amontoado de executivos palermas
que menosprezam animação (como boa parte da indústria, aliás), o filme não
teve o marketing necessário e causou prejuízo pros Irmãos. A Warner começou a
anunciar o filme meros 4 meses antes da estréia, enquanto
Tarzan, da mesma época, tinha trailers um ano antes da estréia. O fato de o filme
ter saído junto de O Sexto Sentido (também da Disney) não ajudou muito.
Frustrado, mas ainda tendo que pagar a conta da água, Brad planejava fazer o
pitch do próximo filme (que envolveria uma família de super-heróis) pra
Warner, até que recebeu uma ligação de seu velho amigo John Lasseter.
Brad Bird seria o primeiro diretor de fora da Pixar a dirigir um filme.
Os Incríveis (2004)
O tempo que Incríveis foi lançado, eu já era uma criança criando meu próprio
senso de humanidade. No sentido de que eu me organizava pra comprar coisas que
eu queria (mesmo com pouco dinheiro), e sabia exatamente o que eu queria, o
que eu gostava, etc.
Eu ainda devo ter a graphic novel com a história do filme (que eu comprei
antes de ver o filme no cinema, aliás), ainda guardo mesmo com a capa
detonada; e a caixa do DVD duplo do filme, que eu não me desfaço por nada
mesmo com os dois discos terem ido pro saco há mais tempo que alguns de vocês
são nascidos.
Brinde de McDonald’s? Eu tinha todos, menos a Violeta (eram 3 em casa, não
dava pra comprar fácil os 8 brindes, até por falta de grana mesmo). Cheguei a
ter um boneco lindíssimo do Síndrome que levava surra todo sábado de manhã do
Sr. Incrível enquanto eu assistia Três Espiãs Demais ou qualquer coisa em
acetato que tivesse passando na TV, quando não tinha corrida ou qualquer outra
coisa que as emissoras julgavam mais importante que desenhos animados.
Aliás, só ontem eu descobri que o
comercial do McLanche dos Incríveis tava perdido, eu nem sabia. Eu sei que teve uma versão dublada dessa
propaganda, mas eu nunca mais vi.
Aliás, enquanto eu preparava esse artigo, o vídeo original foi privado, e agora tem pouquíssimas cópias de boa qualidade no YouTube. Se eu fosse vocês, baixava esse vídeo aí por precaução.
No geral, se eu acordasse cedo sábado não passaria desenho, mas se eu dormisse
até meio-dia, teria passado todos meus favoritos. Televisão era um negócio
bisonho, parando pra pensar, mas servia pra nos conformar. Não é como na era
do streaming que eu tenho acesso (quase) ilimitado a (quase) tudo que existe,
e fico "eeehhhh vejo depois" e acabo vendo nada.
Enfim, o lance é, eu AMAVA Incríveis. Eu e toda minha família, de fato.
Provavelmente pelo fator “sitcom familiar” que o filme tem, e porque é
simplesmente um filme absurdamente divertido de ver.
Em outras palavras, é um filme do Quarteto Fantástico melhor que FantQuatrostico.
A história se passa num mundo onde super-heróis simplesmente existem. Nunca
nos é dado uma explicação, e ainda bem, provavelmente seria algo que só
complicaria a coisa toda. Super-heróis existem tal qual como ursos falam e
tocam instrumentos em Country Bears, se acostume.
Um dos maiores heróis da cidade é o Sr. Incrível, que logo nos minutos
iniciais do filme consegue impedir uma fuga de assalto, resgatar o gatinho de
uma árvore, segurar um trem prestes a cair, deter um piromaníaco, mandar um
moleque doido de volta pra casa, e salvar um suicida.
E ainda deu tempo de casar no mesmo dia.
Como dizia meu avô, “o homem nasce, cresce, fica besta e casa”.
Mas, graças às Leis da Conveniência Universal, o suicida que foi salvo pelo
Sr. Incrível agora o processa por ter quebrado o pescoço.
Certeza que o advogado que fez o caso era brasileiro, porque nada mais
explicaria esse desdobramento.
Com isso, todos os heróis são banidos, o que é uma decisão tão imbecil que eu
literalmente não consigo explicar sem que eu tenha que berrar no pé do ouvido
de alguém. Digo, eu legitimamente amo esse filme, e eu creio que esse desdobramento só tenha ajudado a história, mas é uma decisão que não faz sentido em nenhuma maneira possível.
Só nesse começo de filme tivemos três criminosos pego: dois
deles ladrões de banco comuns, e outro um maluco cujos hobbies incluem fazer
bombas caseiras e se vestir de mímico. Não só Bomb Voyage tem uma coleção
imensa de bombas variadas, mas ele também usa uma fantasia pra esconder a
própria identidade e como uma forma de se divertir enquanto explode coisas e
pessoas.
Eles proibiram os “supers”, mas só os heróis que vão ser afetados por essa
decisão, tentar impedir que Bomb Voyage e outros super vilões parem de usar
seus alter-egos em público é tão útil quanto a ONU mandar o Talibã respeitar
os direitos humanos.
Como INFERNOS o cabo Ataliba vai dar conta de um batedor de carteira se tem um
psicopata rico e inteligente o suficiente pra ter um SUBTERRENO COM TROCENTAS
BROCAS GRANDES O SUFICIENTE PRA NIVELAR O CASTELÃO?
O filme devia se passar num mundo pós-apocalíptico tendo supers renegados
lutando contra tudo e todos porque sabem que é o certo a fazer, tal qual em
Guerra Civil.
Mas dado as notícias "científicas" que aparecem desde o ano passado, esse filme é mais realista do que eu dou direito.
Sr. Incrível agora tem outros problemas pra se preocupar que não envolvem
ricaços megalomaníacos com armamento capaz de pulverizar toda a Área dos Três
Estados, tipo pagar conta do carro, jogar bola com o filho hiperativo, brincar
com o bebê, dizer pra sua filha adolescente que ela vai ter outras
oportunidades de ir num show do McFly e relembrar sua esposa de que ele ainda
a ama mesmo com os quilinhos a mais.
O que sabemos que, no caso da Mulher Elástica, não é um problema real.
Agora assumindo apenas seus nomes civis de Beto Pêra e Helena Pêra, o casal de
supers tem filhos com poderes e todos precisam esconder as identidades
secretas, ou terão que ser realocados pelo governo em uma outra casa, de novo.
Beto vive uma vida incrivelmente maçante no escritório de
Tron
vendendo apólices de seguros durante o dia, mas ainda fazendo alguns
salvamentos aqui e ali com seu amigo de longa data, Gelado.
Numa dessas escapadas pra bancar o herói fora da lei (que eu imagino que deve
ter sido o trabalho secundário de MUITO herói pro mundo não ter virado cenário
de Fallout, mas, de novo, eu divago), Beto é notado por uma moça chamada
Mirage, que trabalha pra uma organização que precisa de heróis pra resolver
seus problemas.
Sidenote, eu era perdidamente apaixonado por ela quando pivete. Pouca coisa
mudou.
Enfim, Sr. Incrível começa a trabalhar desativando robôs gigantes numa ilha
que faz um trocadilho literário bem específico mas incrivelmente fácil de
entender em inglês, enquanto Helena começa a estranhar a mudança repentina de
atitude de Beto e resolve investigar a fundo pra ter certeza que Mirage não é "a outra", e nosso herói descobre que a mente por trás de tudo era
Síndrome, o moleque que queria ser o sidekick Incrível mas foi rejeitado.
Spoilers, eu acho.
Quando Brad Bird chegou na Pixar, haviam alguns artistas que se sentiam
desvalorizados, com a morale baixa, e até pensando em sair do estúdio. Brad
pediu pra trabalhar justamente com esses caras, pra que eles mostrassem do que
eram capazes, fazendo um filme absurdamente complicado com sangue nos olhos.
De fato, quando Brad fez o pitch pros chefões da PIxar, eles acharam absurdo,
custaria uma fortuna e levaria 10 anos pra ser feito. Até então, os protagonistas
dos filmes Pixar tinham sido qualquer coisa, menos humanos. Brinquedos,
insetos, monstros, mas nenhum humano, justamente porque a chance do resultado
ser uncanny era imensa.
O que é um erro que normalmente se faz em animação 3D, é a busca pelo
fotorralista, pelo “UAU PARECE DE VERDADE”, o que muitas vezes atrapalha o
desenvolvimento artístico. Ao invés de inspirar a arte, a tecnologia acaba
limitando-a.
Mas o que Brad fez pra burlar o estranhamento natural do desafio de animar
humanos em 3D, foi o de usar seu próprio estilo de traço usado em filmes 2D.
Claro, isso resultou num desafio de traduzir designs 2D pra modelos 3D, mas só
o cartunizar designs já ajuda muito a tornar os personagens e mundo mais
atemporais.
Não impediu que o moleque galã Toninho Rodrigues fosse mais feio que um
programa em Tron Uprising, mas nada é perfeito.
O resultado é um filme que é incrivelmente bonito. Olha as imagens desse
artigo, olha como eles tem aquela qualidade angular típica de artes dos anos
60 (que é mais ou menos o período que o filme se passa), tanto as formas retas quanto redondas. Chega a lembrar os desenhos da UPA
e da Depatie-Freleng, são minimalistas sem serem simplistas.
E a tecnologia avançou o suficiente pra que tivéssemos cabelos e tecido. Digo
ok, eles só descobriram como fazer o cabelo da Violeta direito lá pro final da
produção, mas faz parte. De fato, esse é um filme recheado de efeitos visuais,
pesadelo pra qualquer animador: cabelos, cabelos na água, tecidos, explosões,
multidões de humanos, por aí vai.
Uma das instruções que Brad deu pro pessoal foi a de “usem todas as partes do
boi”, usando de exemplo os índios americanos. Quando eles matavam um boi, além
de comer a carne, usavam a pele pra fazer roupas, ossos pra fazer armas, etc.
É uma filosofia interessante, se me perguntar.
Pena que nenhum desses bônus tenha no Disney+, só no DVD duplo. Creio que nem
no Blu-Ray tenha esses bônus, o que é uma perda absurda.
A história também é uma parada totalmente diferente do que cê espera de um
filme familiar. Seguindo a filosofia de que os caras da Pixar fazem os filmes
que eles querem ver, é uma história que tem muitos detalhes, mas nada soa
forçado ou corrido. Tudo tem seu tempo pra acontecer, ser absorvido, sem que
pareça uma exposition dump.
Por exemplo, a gente sabe que os heróis tiveram que receber novas identidades
civis e ser realocados em outras casas etc. Sabemos que aconteceu com a
família Incrível porque durante o trabalho de Beto, Helena liga pra ele pra
comemorar que acabaram com as mudanças, finalmente, e ainda pergunta porque
raios eles acumulam tanta coisa. Isso é trazido à memória de novo quando Beto
arremessa seu chefe pelo escritório e o carinha do governo menciona todo o
lance de realocação e o Beto diz “a gente acabou de se mudar etc”.
É coisa simples, mas é um claro sinal de um roteiro bem pensado e lapidado.
Todo o filme tem esse ritmo de te passar toda a informação que cê precisa sem
ter que parar e explicar alguma coisa, tudo é encaixado no flow narrativo de
uma maneira natural e fácil.
É incrível (HAH) como esse filme é bem amarrado, e chega até a ser um pouco
edgy pro padrão Disney. Todo o subplot da Helena achar que tá sendo traída por
Beto, e como Flecha e Violeta conversam sobre isso. É um subplot que seria
ainda mais explorado em algumas cenas deletadas, que ainda bem que o foram, só
iriam arrastar o filme pra repetir o que já se sabe. São interessantes de dar
uma olhada, no entanto.
Inclusive, tem uma cena deletada que só foi mostrada na internet, parte de um
ARG que a Disney fez na época, que envolvia ligar pro número da Mirage, que te
direcionava pro site do filme e a botar o número que ela te dava pelo telefone como código secreto pra
acessar informações exclusivas (que não deviam ser lá muita coisa), e a cena
deletada. O número não funciona mais, tampouco o site, mas felizmente alguém arquivou.
E cê sabe que um filme foi bem escrito quando todos os personagens tem algum
tipo de arco narrativo fechado, até as crianças. A Violeta tem um problema de
auto-confiança em relação à vida e seus poderes, e se sente inútil quando não
consegue usar suas habilidades pra salvar sua família; ao passo que o Flecha
consegue e usa, mas também tem que aprender a controlar seus poderes pra não
se expor, essencialmente o contrário de sua irmã.
Os Incríveis é um filme único, em vários aspectos. A idéia em si não é
original, quadrinhos vem usando famílias de heróis há décadas. De fato, Disney
e a DC tem um acordo de não usar o nome “Elastigirl” fora dos filmes, pra não
confundir com a Elasti-Girl.
E agora eu lembro de uma matéria da Recreio que citava Sra. Incrível e
Mulher-Elástica como duas personagens diferentes. Quem quer que tenha escrito
isso, era um nerdzão.
O grande complemento do filme é a trilha sonora, que usa um jazz que por vezes
é agitado, por vezes calmo e contemplativo, e funciona em todas as situações,
fora que é simplesmente gostoso de ouvir. Deus abençoe Michael Giacchino com
sua a trilha sonora fantástica, a cena da perseguição na ilha não seria tão
divertida como é se não fosse a orquestração.
É um filme que funciona bem como uma carta de amor de Brad Bird aos heróis
clássicos pulp. Tem uma cena que eu acho muito legal que ele comenta na faixa
de comentários do DVD, quando Helena conversa com os filhos na caverna sobre
os vilões da ilha, e usa os vilões dos desenhos como exemplo.
Brad diz que sempre ouviu psicólogos dizendo que desenhos de heróis faziam mal
pras crianças por tornar elas violentas ou qualquer outra besteira infundada
que ditos especialistas amam reverberar. Mas Brad dizia justamente o
contrário, que ajudava as crianças a, através do lúdico, compreender a
diferença entre bem e mal.
Outro resquício desses heróis pulp é Síndrome, provavelmente a melhor parte do
filme. Ele é um vilão teatral, um fã ultra inteligente que usa suas
habilidades pro mal, mas o faz com estilo.
Todo o design retrofuturista da ilha é sensacional, eu amo os monorails, o
jato que leva o Omnidroid, como é prático e angular, tudo evoca um senso de
classe e requinte que só um vilão cartunesco seria capaz.
E sim, eu ainda sustento que o Síndrome é o Artie de Liv e Maddie de uma
timeline alternativa.
Eu creio que boa parte do motivo pro filme funcionar é justamente esse amor
que Brad e a equipe botaram nos detalhes do filme. É uma história nova, mas
com ingredientes familiares a qualquer um que consuma super-heróis, seja em
quadrinhos ou animações. E a estética sessentista, além de ser apropriada pra
referenciar os pulps, é simplesmente bonita.
É um universo que pode ser expandido, o que aconteceu nos quadrinhos e até em
jogos.
Teve a sequel mas a gente meio que ignora ela.
Eu não consigo lembrar claramente se Incríveis foi um juggernaut de
merchandising, mas talvez porque eles nunca se preocuparam muito em expandir a
marca. Teve seus produtos da época e ok, não é um Carros ou Toy Story. Raios,
levou uma eternidade pra Disney reconhecer Monstros S.A. o suficiente, até
Procurando Nemo eles botam na frente na fila.
Mas é um filme absurdamente bom, que é um testamento pro potencial adormecido
de artistas competentes que foram maltratados pela indústria.
Mas vamos dar uma pausa na animação, segurem esse pensamento, daqui a pouco
voltamos a ele. Vamos olhar um segmento que é diversas vezes meio que
ignorado: os filmes de aventura live-action.
A Disney desde sempre investiu em diversidade de gêneros e estilos, o que
explica o boom de live-actions por suas vezes medíocres nos anos 50, 60 e 70.
Às vezes “medíocre” nem é menosprezando o filme, é só que… ele simplesmente
não… parece “Disney”.
Não tem um elemento fantástico, não tem uma história mirabolante demais, é um
filme de premissa interessante, mas básico. Um exemplo disso é
As Fiandeiras da Lua, que eu já resenhei aqui, inclusive. Moon-Spinners é baseado num thriller de
mistério interessante, mas que não tem as qualidades que a gente pensa num
filme “Disney”, mesmo os live-actions.
A Lenda do Tesouro Perdido tem um pouco disso, mas melhor.
A Lenda do Tesouro Perdido (National Treasure, 2004)
Uma das paradas mais estranhas que eu presenciei quando moleque foi a promoção
da Disney de Lenda do Tesouro Perdido. Eu já sabia que o estúdio era conhecido
pelas animações de contos de fada clássicos e musicais como
Mary Poppins
(que eu só fui conhecer mesmo três anos depois, mas já tinha uma noção).
Live action da Disney não era nada estranho, mas o forte mesmo eram animações.
Se fossem live-actions, provavelmente seria algo mais fantasioso, ou
espetacular, ou exagerado (como Max Keeble's), ou pelo menos romantizado em
algum aspecto. Raios, Piratas do Caribe e Mansão Mal-Assombrada saíram um ano
antes do período que tamos relembrando agora.
Mas tinha algo estranho em Lenda do Tesouro Perdido.
Era um filme que soava MUITO como filmes de ação que passavam na TV e eu não
dava bola porque eram filmes que não tinham magia, aliens, nem eram
engraçados. Eu reconhecia o estilo, porque desde pivete eu acho que fui me
treinando pra reconhecer esse tipo de coisa, e meu cérebro entendia que um
filme que se passava nos tempos atuais, sem música, sem foco em comédia, e que
tinha armas de fogo realistas era algo MUITO fora da curva, pelo menos pro Rato.
De fato, esse filme devia ter saído pela Touchstone, que, como vocês sabem
porque leram as partes anteriores da retrospectiva, era um galho da Disney pra
filmes mais adultos, ou PG-13 pra cima. Disney produzia conteúdo familiar,
Touchstone podia ser mais edgy mesmo se tratando de algo familiar, ou por
qualquer motivo, eles não queriam associar a marca Disney™ com algum filme
específico.
Tipo os filmes do Ernest, A Máquina do Outro Mundo, e Adventures in
Babysitting, que é o motivo do filme ter direito a uma
F-Bomb e a versão do Disney Channel
ter removido isso. Se o filme vai pra Touchstone, mesmo sendo um filme mais
familiar, pode ser um pouco mais edgy, mas um filme da Disney com uma F-Bomb é
um big no-no.
O que me lembra, tiraram a bunda da Daryl Hannah de maneiras hilariamente
imbecis em
Splash
quando botaram no Disney+, fizeram a mesma coisa com Adventures in Babysitting e mais uma PANCADA de coisa que nem faz sentido. Dá uma lida depois, vale a pena pelo menos saber que tão mudando uma pancada de coisa em streaming.
E de novo, se você puder ter as versões originais, seja em mídia física ou digital (cê sabe como encontrar), o faça.
Mas, eu divago.
Os caras devem ter visto que Lenda não era um filme tão pesado pra Touchstone,
e poderia ser lançado pela Disney, se fosse lapidado pra isso. E assim eles o
fizeram, e graças a Deus por isso.
A história começa com Ben Gates, que passou a vida toda se tornando um history
buff porcausa da história da família, que calhou de ter três gerações de
homens com nomes de presidentes americanos. Além disso, eles também são
descendentes de um maluco random que tem o último segredo guardado pelo último
sobrevivente das assinaturas da Declaração de Independência, e Ben dedica toda
sua vida a achar o tal tesouro lendário dos templários.
Diga isso rápido três vezes.
O pai de Ben (o secretário de defesa de Bayformers) acha a história toda um
amontoado de delírios febris de autistas que passam tempo demais no /x/, então
Nicholas Cage é obrigado a contratar Aquele Cara Que Morre em Todo Filme pra
ir atrás de Charlotte, um navio que seria o ponto inicial das pistas pra
chegar ao tesouro.
A conclusão que eles chegam é que a próxima pista tá em algum lugar na
Declaração de Independência, o documento mais importante dos Estados Unidos,
junto de Action Comics número 1 e a receita da torta de maçã. O outro cara
(que é britânico) quer roubar a Declaração, e pra proteger o documento,
Nicholas Cage o rouba antes que o outro cara apareça.
Aí começa a caçada pelo tesouro, pelas pistas, onde Aquele Cara que Morre em
Todo Filme usa tecnologia de ponta, mas sempre tá um passo atrás de Nicholas
Cage, cujos únicos instrumentos à mão são seu cérebro, um nerd franzino, e uma
loira.
Pelo menos a loira é tão autista quando Nicholas Cage, o que ajuda que o nerd
magrelo seja um mago da tecnologia porque é o único que não manja de História
do grupo.
Eu imaginei agora uma mesa de RPG com esse set up. Não sei como a Disney ou algum fã pensou em montar um cenário envolvendo o roubo de tesouros e documentos inroubáveis.
E lá vai a equipe atravessando o país, pista atrás de pista, fugindo de Sean
Bean e do FBI, que não tinha levado seu alerta de que alguém iria roubar a
Declaração a sério.
E pra um filme de ação familiar, é muito empolgante. Tem cenas de ação e
desenvolvimento de personagem, mas o grande foco é na resolução dos
quebra-cabeças. Descobrir o que significa o que, saber onde tá a próxima
pista, e tudo lidando com História real, o que vai pelo menos te dar
curiosidade de aprender alguma coisa.
Claro, não são tantas as situações que saber que Benjamin Franklin escrevia
cartas sob o pseudônimo de Silence Dogood (que nossa dublagem fez o favor de
traduzir pra Silêncio Fazbem) vai servir de alguma coisa, mas é sempre legal
saber uma trivia.
E sim, muitas das pistas não fazem sentido ou são simplesmente interpretadas
erroneamente, uma rápida olhada na parte de trivia no IMDB deixa isso bem
claro. Mas é o mesmo caso dos quadrinhos de Don Rosa, ele mudava certos
eventos e lugares pra melhor encaixar na história. No caso de Don era ainda
mais difícil, porque ele tinha que sincronizar com a História e com os
quadrinhos feitos por Carl Barks, e mesmo assim, ele se baseava em eventos
históricos possíveis.
Da mesma forma acontece aqui, o mais importante é como as pistas se
desenvolvem, e menos se são historicamente acuradas, mas elas tem uma base
histórica real que pelo menos a narrativa se esforça pra te fazer engolir,
simplesmente por ser divertida e engajante.
É que nem as parada do MacGyver: é claro que ninguém conseguiria fazer uma
bazuca usando um cano de escape de carro, um manche de câmbio, espuma de
almofada e um isqueiro. Mas visualmente faz sentido, então a gente engole.
É a mesma coisa aqui, maçons e templários nunca coexistiram, mas VAI QUE
alguns da ordem dos templários depois viraram maçons? Até onde eu sei, o
Priorado de Sião são Templários 2.0, então não seria difícil.
Os metido a historiador pode debater à vontade nos comentários, mas eu não vou
duvidar de Don Rosa.
Outra coisa que faz o filme funcionar absurdamente bem é a química entre os
atores e personagens. O nerd franzino é engraçado e meio tonto, mas não o
suficiente pra que ele seja irritante ou prejudicial pra história. Ele é
ligado aos seus arredores, em uma situação de perigo ele consegue se virar e
pensar estrategicamente. Mas ele meio que sofre da Síndrome do Homem Aranha,
onde o Peter tem que ficar fazendo piada durante situações de risco pra não
surtar, é a forma dele extravazar.
A loira lentamente passa de pedra no sapato pra ajudante fiel na caça ao
tesouro, e os conhecimentos de História também vem a calhar pra ajudar
Nicholas Cage.
Ben Gates é um personagem fascinante, ele parece que tá sempre pensando no
próximo passo, mas sem querer expressar que sabe alguma coisa. Mas é notório
quando as engrenagens começam a girar e ele percebe que pistas encaixam onde e
qual a dedução lógica do código ou segredo.
Eu tenho a teoria que ele (e talvez o Riley) tenham traços de autismo, mas não
vi ninguém corroborando ou mesmo discutindo isso, além de uma página random
que usou as tags “ben gates autistic” e “riley autistic”.
Eu sempre achei fascinante como séries e filmes de quebra-cabeça funcionam.
Talvez por eu ter crescido com isso e até hoje séries criminais serem
relativamente populares, porque nada mais é parecido com isso. Scooby-Doo,
Dekaranger, Monk, CSI, resolver os crimes em histórias assim é diferente de
querer prever o desenrolar de uma história de fantasia ou aventura. Todas
essas histórias tem coisas em comum: apresentação de regras do mundo, itens,
suspeitos, personalidades, são o que usamos pra deduzir como se dará o
terceiro ato e/ou fechamento de uma narrativa.
Mas só histórias envolvendo resolução de crimes e caça ao tesouro funcionam
dessa forma ativamente, dando ao público a faca e o queijo na mão e deixando
que eles tentem resolver até o fim da sessão. O desafio real é fazer com que o
público volte a rever o filme, seja porque a própria história e seus
personagens são interessantes e cativantes, ou por ter um universo
interessante, ou por ter pistas tão mirabolantes que é um milagre que
funcionem da forma que funcionam, e é fascinante revisitar os quebra-cabeças.
A Lenda do Tesouro Perdido tem um pouco de tudo isso. Seus personagens são
memoráveis e simpáticos, a gente realmente passa a se importar com eles
através de suas personalidades gostáveis que funcionam até na hora de resolver
quebra-cabeças ou dar seguimento à história; e seus mistérios tem alguns
detalhes específicos de História Americana que nem sempre dá pra pegar tudo de
uma só assistida.
Revendo esse filme (que eu vi mais vezes do que posso lembrar ao longo da
minha vida), eu consegui relembrar algumas pistas e como elas se encaixavam,
mas alguns detalhes me passavam desapercebido ou me fizeram pesquisar pra
entender melhor como funcionam.
E é simplesmente um filme divertido. E pra um filme que lida ativamente com
História Americana, não ter nenhuma piada de cunho político é um feito que só
poderia ter sido feito pré-2010. Um filme com essa temática jamais poderia ser
feito hoje e ser simplesmente divertido como é, eles iam acabar querendo
enfiar alguma piada ou só panfletagem mesmo.
O que me faz temer muito pela série em desenvolvimento pro Disney+.
Até nos decepcionarmos com essa nova produção, no entanto, sempre teremos os
filmes originais que não tentam ser mais do que são: um filme de caça ao
tesouro com puzzles divertidos e que te inspiram a pesquisar e aprender alguma
coisa sobre História sem soar político, brega, ou ativamente tentando te
ensinar alguma coisa.
E falando em ensinar, que tal nos lembrarmos de Henry Penny, a história do
galinho que achava que o céu tava caindo?
E a culpa eram de aliens?
...não?
...ok.
O Galinho Chicken Little (The Little Chicken Chicken Little, 2005)
Pois é, agora aconteceu!
Quem diria, 2016 agora parece tão distante… Eu era jovem, alegre, um sorriso
no rosto, um brilho no olhar e sonhos nas alturas...
Hoje eu tive que roubar jujubas de um mendigo pra poder sobreviver.
Enfim, eu vou tentar o mínimo possível de repetir o que eu já dissertei no
artigo original, até porque algumas opiniões mudaram ligeiramente.
Não muito, porque o resultado final ainda é uma bagunça, mas um pouco.
Segundo o IMDB, esse filme trocou de estilo durante a produção, mas eu acho
MUITO difícil de acreditar, sabendo dos bastidores da companhia como um todo e
vendo os testes primordiais onde Chicken Little seria uma menina (que já era
feito em 3D).
Aí os caras mostraram pro Michael Eisner, que provavelmente devia estar
entupido de rivotril, Gatorade e balas de gelatina em forma de ursinhos. Ele,
mostrando que ainda tinha algum tino artístico, mandou que trocassem pra um
menino, porque ser baixinho pra um menino era pior do que pra uma menina.
Inclusive, a voz original era a Holly Hunter, que fez a Mulher Elástica.
Não sei o que fazer com essa informação.
A história toma base na fábula O Céu Está Caindo, que foi adaptara pela Disney
nos anos 40 pra mostrar como Hitler enganava geral. O que, parando pra pensar,
é irônico que esse filme não tenha um vilão. Huh.
Enfim, numa cidade do interior de… Zootopia, eu imagino, vive o Galinho
Chicken Little, que alarmou toda a cidade de que o céu tava caindo, mas
aparentemente era só uma avelã que caiu na cabeça dele, o que me faz pensar
que existe uma linha do tempo muito mais divertida sobre Isaac Newton.
Nisso, ele vira a piada da cidade, e até seu próprio pai sente vergonha de
Chico Liro, e sim ele é provavelmente o pior pai animado de toda a história.
Mesmo com zero apoio e muito conselho de “não persiga seus sonhos” de seu pai,
Chico Liro não desiste e persiste em tentar fazer seu pai orgulhoso dele, ao
jogar baseball como seu velho Buck.
Ele acaba fazendo a corrida da vitória na final numa sequência de eventos que
é BEM mais dramática do que deveria ser (ele ter sido eliminado não seria fim
de jogo naquela situação, eles poderiam virar o jogo nos innings extras, mas
até aí baseball é um jogo folcloricamente complicado de entender), e vira o
herói local. Até ser atingido de novo por um pedaço do céu na cabeça.
E aí os aliens deixam uma cria deles na Terra e o clímax envolve o Galinho e
seus amigos devolvendo o moleque pros pais.
Cê também não odeia filmes cuja sinopse obriga a contar todo o filme?
A animação do filme é uma das coisas que é constantemente estranha e bisonha e
que envelhceu mal, mas quando cê descobre que eles tiveram que ensinar
animação digital pra um monte de animador tradicional, as coisas fazem um
pouco mais de sentido e cê passa a ter uma apreciação diferente.
Eu consigo sentir um pouco de pena dos animadores, que tiveram que se virar
pra aprender um meio totalmente novo e propenso a simplesmente parar do nada
por motivo nenhum, mais a pressão que provavelmente faziam neles porcausa da
treta com a Pixar.
Com isso, o design altamente cartunesco joga a favor de toda essa situação, e
o visual geral do filme se mantém atraente até os dias de hoje. Se acha que
isso é um exagero,
dá uma olhada no jogo de PC, que mantém o mesmo design de produção e continua bonito.
Aliás, o visual poderia ter sido MUITO pior, se eles não tivessem pegado os
caras que fizeram Dinossauro. Tecnicamente a Disney contratou um estúdio de CG
(Secret Lab) pra fazer Dinossauro, e depois acabou comprando e fundindo o
Secret Lab com a Disney Animation.
As formas-guia e estilo de construção de personagens e cenários emula muito
aquele estilo mais simplificado dos anos 50-60. De fato, o diretor mandou que
eles vissem os desenhos do Pateta onde ele não era o Pateta (especialmente os
How To e os curtas de esportes). A animação dos personagens também tenta
emular muito o squash and strech desses curtas, que envolviam muita comédia
física, tal qual Tom e Jerry.
Inclusive, Mark Dindal é um velho conhecido do Pateta, já que ele trabalhou em
Goofy in Soccermania, que não tem no Disney+, mas eu comprei o DVD num bazar.
Tem o curta no YouTube, vale a pena assistir. É um dos raros casos onde Tio
Patinhas e Pateta interagem.
Mark Dindal também dirigiu
Gatos Não Sabem Dançar, então de estilo simples e funcional ele entende.
Enfim, eu discorri demais sobre o filme no artigo original, mas eu gostaria de
reafirmar: Buck, o pai do galinho, é um pai terrível. Mas… Eu entendi o que
eles queriam fazer com o personagem. Dar um arco de redenção, talvez.
O problema é que ele passa muito tempo sendo um terrível pai, a ponto do arco de redenção não ter efeito. É uma falha grave de roteiro, porque a
própria direção da história não dá vazão a isso, não tem um momento onde eles
podem sentar e conversar sobre isso.
Até tem, mas veio tarde demais. O outro momento onde eles poderiam ter tido
essa conversa, o Chico era o herói da cidade, não tem motivo pra eles
conversarem sobre isso. E quando ele dá o segundo alerta (o do campo de
baseball) e seu pai lhe vira as costas de novo, não tem motivo pra ele
acreditar no filho.
Não tem uma brecha, não tem gambiarra: é um roteiro que simplesmente não
permitia que eles resolvessem esse problema sem uma mudança radical no filme
todo.
Tem uma
cena deletada que
TALVEZ aliviasse um pouco disso, onde Buck tenta fazer o café da manhã pro
Chico Liro, mas acaba numa confusão e queimando tudo etc, comédia básica.
Embora sim, a cena fosse longa demais e atrasasse a história principal,
mostrava Buck sendo um pai que genuinamente ama o filho, mas que não sabe como
passar isso após o falecimento da esposa.
Side note: uma das vezes que eu vi esse filme quando pivete, minha prima
perguntou o que houve com a mãe do galinho. Um amigo dela disse que ela foi
pra panela.
Esse é meu headcanon e nada me convence do contrário.
No entanto, mesmo essa cena devia ser altamente editada, porque o Buck fazia
um comentário sobre o Chico sem saber que tava sendo gravado, e isso conta
MUITO contra o personagem.
Essa cena por si só não seria capaz de salvar o filme ou mesmo o próprio
personagem, mas seria um baita de um auxílio. Eu entendi o que eles quiseram
contar, mas foi absolutamente ineficaz.
O final da cena foi retrabalhado pra fazer
um dos teasers do filme, que só
agora que eu notei que a dublagem brasileira chamava ele de GALETINHO.
Mas todo o tom do filme tava atirando pra todos os lados. Eu entendo, uma
fábula modernizada, mas precisava carregar TANTO nas referências a cultura
pop? Chega a ser bisonho, um mundo só de animais referenciando seres humanos
constantemente, como Barbra Streisand, Abba, sem contar que eles tavam vendo
Indiana Jones, pelo amor de Oz.
Isso tudo era medo de Shrek, por mais que eles tentem dizer “não num sei que a
gente aproveita da tecnologia pra honrar o legado Disney, se o Valter tivesse
vivo ele ia amar”, a gente sabe que o uso direto de música moderna (pros
padrões disneyanos) era uma tentativa descarada de imitar a fórmula
DreamWorks.
Soa bisonho demais, mas de alguma forma, funciona pro filme, é meio que parte
da identidade dele agora. Bom, Dindal também dirigiu A Nova Onda do Imperador,
então esse senso de humor nonsense não vem do nada.
Antes de irmos pra importância desse filme no grande esquema das coisas, uma
linha de trivias aleatórias que não consegui encaixar em lugar nenhum desse
artigo.
O cara que dublou o pai do galinho foi o criador de séries lendárias como
Happy Days e seus spin-offs, e viveu fazendo ponta em séries e filmes como
Monk, Hocus Pocus, e Pinky e o Cérebro. também dirigiu filmes como Uma Linda
Mulher (da Disney, vale lembrar). Ele também tava em Father of the Pride,
porque… eu sei lá, carma?
Raspa fez o urso em
Dr. Dolittle 2, Monty em Stuart Little e aquele nerd em A Creche do Papai. e ele também
tava em Monk, curiosamente
O pai alien fez o humano presidente da BNL em Wall-E e o pai da Ella em
Prehysteria 3
A outra única coisa que o moleque que fez o Kirby (o bebê alien) atuou foi
nesse curta ultra amador.
Ok, mas existe um motivo pra esse filme ser importante, que eu até meio que
pincelei no artigo original, mas nunca cheguei a detalhes.
Chicken Little era mais do que um filme. Chicken Little era a chave que
decidiria o futuro da Pixar.
A Casa do Rato tava produzindo filmes animados que não tavam nem caindo no
gosto do público pagante, nem da crítica especializada, enquanto a Pixar tava
rolando em louros e louras.
Entenda isso como quiser.
Se a Disney tivesse um bom sucesso com Chicken Little, seria um sinal que eles
não precisariam da Pixar. Se fosse um desastre monumental, a Pixar teria
vantagem nas negociações.
Todo o histórico de produção caótico de Chicken Little me lembra muito o de
Aladdin, que
teve que ser refeito do zero porque não tava funcionando.
Lembram que a idéia original era de que Chicken Little fosse uma menina?
Então, Mark Dindal tinha toda essa versão pronta e praticamente storyboardada,
e envolveria a Chica Lira indo pra um acampamento motivacional, onde ela e
outros animais descobririam sobre uma trama dos lobos de engordar as crianças
e raptar os conselheiros.
Sim é basicamente uma versão furry de Psychonauts.
Até que Michael Eisner mandou refazerem o filme com Chicken Little como um
menino, fora a mudança de presidência da Walt Disney Animation. Thomas
Schumacher iria se dedicar à divisão teatral (que tava indo de vento em popa),
e em seu lugar assumiria David Stainton, que mais uma vez mandou refazerem
Chicken Little do zero.
Como é de costume com executivos de Hollywood, eles sempre querem que as
produções durante suas gestões tenham a visão deles, algo parecido com os
produtores que pegam projetos que tem certeza que vão sair (como foi explicado
na história do
filme cancelado dos Sete Anões).
Dindal misturou um pouco da versão do acampamento com outra versão de
brainstorming, que envolveria animais de fazenda provando que aliens
invadiram, mas como tudo aconteceu numa fazendinha ninguém poderia provar.
Exceto que o fazendeiro deixou a câmera de segurança ligada e viu tudo depois.
A história focaria nos animais rejeitados tentando provar algo pros animais
que ganhavam prêmios em feiras, mas acabariam descobrindo que não precisavam
de prêmios pra se sentir bem ou alguma coisa assim.
Nisso temos a versão que acabamos por receber, mas todo mundo, incluindo
Schumacher, sabiam que descartar a versão garota seria uma desgraça pro filme,
já que tava tudo bem amarrado e em boa forma.
Além do lance de tamanho, tinha
algum estudo de mercado que “meninas vão ver filme estrelado por menino, mas
menino não vê filme estrelado por menina”, o que contraria toda a História do
estúdio, mas né. Mas o presidente novo disse (o produtor Randy Fullmer
descreve “com uma certa alegria”) que o projeto era uma batida de trem.
Talvez a idéia fosse desestimular os caras a continuar o filme, mas eles
persistiram, e muita influência corporativa no meio nos deu essa bagunça que é
o resultado final. Digo, ok, é um filme divertido… pra uma criança. Nada de
errado, mas vejam bem, Disney sempre foi sinônimo de agradar crianças e
adultos, especialmente nos longas animados. Walt fazia esses filmes com
paixão, “não estamos fazendo ‘cartoons’, estamos fazendo arte!”
Chicken Little, Nem Que a Vaca Tussa, podem ser até divertidos, mas não são
arte como Walt descrevia.
Chicken Little é basicamente o Aladdin que não deu certo.
Also, David Stainton fechou a unidade de animação na Flórida, responsável
pelos bem-sucedidos Mulan e Lilo e Stitch. Mark Dindal não teve nenhum crédito
em filme depois de Chicken Little, até Wonder Park; todos seus projetos
morreram no inferno de desenvolvimento. O produtor Randy Fullmer largou o meio
do cinema e hoje tem uma marca de guitarras.
Aliás, uma das histórias mais curiosas desses bastidores foi um momento onde
Glen Keane organizou uma palestra sobre usar técnicas 2D em 3D, pra acalmar os
animadores mais puristas e animar os empolgados pelas possibilidades
tridimensionais. Como exemplo, ele usou Rapunzel Unbraided (que na época seria
uma animação mista, e depois viraria Enrolados), e American Dog (que viraria
Bolt). O que eu acho curioso é que o modus operandi atual da Disney envolve
fazer o pencil test dos personagens e usar ele de base pra animação 3D. Ou
seja, mantém mais fiel pra animação tradicional, em termos de atuação e estilo
visual, mas sem perder as possibilidades do 3D.
Todas essas informações eu tou trazendo de um
artigo do Collider, vale a pena ler depois caso queiram mais detalhes.
Além de tudo isso, haviam as tretas internas envolvendo Michael Eisner. Ele
chegou como salvador da Disney, apoiado pelo sobrinho do velho, Roy Disney.
Mas agora, o próprio Roy tava lançando a campanha Save Disney com Stanley
Gold, pra tirar Eisner do cargo.
Quando Roy abriu mão de seu cargo, deixou uma carta citando todos os desastres
recentes de Eisner, desde o fracasso da programação da ABC (fora Quem Quer Ser
um Milionário e Lost), deixar passar CSI pra NBC, os filmes animados, a falta
de inovação pros parques, e a própria persona de Eisner se tornara
desagradável pra quem trabalhasse com ele.
De fato, o ego de Eisner era tanto que ele disse que não ligava se outra
emissora pegasse CSI, e quando o imbróglio de Lost (cujo piloto caríssimo e
sem ter uma temporada planejada foi aprovado sem a autorização de Bob Iger, na
época presidente da ABC) resultou numa rasgação de elogios no NY Times, Eisner
disse que o anúncio era uma perda de dinheiro tremenda. Ele simplesmente não
queria admitir a derrota, admitir que seu motor criativo já não funcionava
como antigamente.
Raios, ele se envolveu em tretas bastante públicas com Steve Jobs, presidente
da Pixar na época, que não tinha vergonha de dizer o que pensava sobre o
estado atual da Disney, justo na fase de lançar sequel e prequel direto pra
vídeo. Jobs afirmou que enquanto Eisner fosse CEO da Disney, não iria voltar a
negociar outros filmes com o estúdio. Eisner respondeu debaixo dos panos, ao
criar sorrateiramente o Circle 7 Animation, subsidiária que iria fazer filmes
baseados nos filmes da Pixar que foram lançados pela Disney.
O contrato dizia que os filmes, personagens e marcas dos filmes lançados pela
Disney seriam propriedade da Disney, e não da Pixar. Quando moleque eu li um
artigo inteiro de uma revista Veja sobre isso, e teimei com meu primo que era
metido a sabichão que dizia que a Disney não podia fazer um Toy Story 3 ou Carros 2
sozinha, porque os personagens eram da das duas empresas, e eles só poderiam fazer juntos, porque era uma joint venture.
TOMA ESSA SABICHÃO! EU ESTAVA CERTO! ENGULA SUAS PALAVRAS E DIGIRA-AS!
Após uma massiva rejeição não só da mesa de diretores, mas até de funcionários
dos parques (que votavam através de suas aposentadorias em ações da
companhia), Michael Eisner anunciou sua saída definitiva, indicando Bob Iger
no seu lugar.
Com Bob Iger, as coisas seriam diferentes. Um novo fôlego era dado à
companhia, que iniciaria seus passos em aumentar ainda mais seu tamanho, se
tornando um beemote das comunicações e entretenimento.
***
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2 comments
+Kapan, gostei muito do artigo!
ResponderExcluirLembro-me que fui assistir o filme Os Incríveis no cinema no final de 2004 e antes disso, fiquei ansioso pelo filme devido ao teaser trailer que vinha nas fitas vhs da Disney antes dos filmes.
Lembro-me que tanto possui a fita vhs desse filme, quanto o dvd duplo (edição de colecionador), este último, infelizmente vendi em 2009 (assim como vários outros filmes que tinha) para conseguir algum dinheiro e até hoje me arrependo muito.
Sobre o filme A Lenda do Tesouro Perdido, tinha o dvd e lembro que era muito bom!
Não sei se seria clichê se esse filme e sua continuação ficariam melhor sendo ambientados mais ao passado, mais precisamente nos anos 1920/1930, para dar os ares necessários de filmes típicos de aventura (afinal de contas, nessa época, ainda havia lugares no mundo para ser explorados/desbravados), como a trilogia Indiana Jones e os dois primeiros filmes da Múmia, fora também, mostrar o certo interesse da população americana em aprender a sua própria história (interesse esse que era maior na época).
Sobre o filme do Galinho Chicken Little, sou totalmente indiferente, já que assisti apenas trechos somente uma vez e não deixaram uma grande impressão para mim!
Caso decida fazer uma resenha de filmes de terror, recomendo fortemente o filme O Enigma do Horizonte (Event Horizon-1998). É assustador, possui trechos horripilantes, contudo a estética e o design de produção da espaçonave que dá o título do filme é sensacional!
No mais, continue com o ótimo trabalho e aguardo resposta!
Se eu não me engano, Os Incríveis foi a última produção Pixar a ter lançamento em VHS. Carros teve um lançamento em VHS, mas só em inglês através de um clube de assinatura Disney, o que o torna ultra-raro.
ResponderExcluirEu não sei, talvez se a série de Tesouro Perdido forçar o Ben a pesquisar sobre os antepassados Gates e como eles influenciaram a História seja interessante. Tipo um Arquivo Morto, com eles "vendo" o que aconteceu e procurando pistas pra próxima pista nesses momentos.
Sei lá, parece bom demais pra ser feito.
Event Horizon eu gosto da ironia que o diretor fez os filmes de Mortal Kombat, onde ele não poderia pegar pesado na violência por ser PG-13, e quando ele pôde pegar pesado na violência, a censura não deixou hauehaeuhae