A Ressurreição de Gavin Stone


Eu não costumo resenhar filmes religiosos aqui, e o mais próximo que eu chego disso é no Natal, especialmente se for sobre alguma produção envolvendo um moleque cabeçudo e depressivo.

Negócio é que é complicado encontrar um filme religioso genuinamente bom, mesmo se for só contando as histórias bíblicas. Meu senso crítico pra esse tipo de filme é bem mais rigoroso do que pra outros filmes, eu não achava nada que fosse bom o suficiente, mas o que era ruim nunca parecia valer a pena ser dissecado. Mas eu devo ter encontrado um bopm filme que se encaixe no Natal, mesmo se passando na Páscoa.
Porque obviamente as duas festas são interligadas e co-dependentes em sua mensagem.

E eu vou ser sincero, talvez eu não assistisse Gavin Stone se Shawn Michaels não tivesse no elenco.

Sim, o cara que nos anos 90 ganhava a vida fazendo gestos obscenos e berrando "SUCK IIIIIT!" junto com o Triple H nas segundas-feiras da WWE, que se converteu depois de um tempo e é uma das poucas celebridades cuja conversão eu realmente acredito e não soa como uma mera mudança de gimmick pra vender seja lá o que eles vendem.

Um nome de celebridade muito específico deve ter pipocado na sua mente agora.

Enfim, sem mais delongas, adiante!



A história conta sobre Gavin Stone, um ator que fez um sucesso absurdo quando moleque ao estrelar uma sitcom que provavelmente teria sido uma mistura de Full House com Family Matters, só que ruim.
Tipo, sério, mesmo pra uma paródia de sitcom noventista, a série nesse universo parece ser incrivelmente maçante e sem graça.

Depois da fama como ator mirim, Gavin se tornou um ator medíocre que vivia se metendo em confusão e festa e bebedeira e normalmente acordava com um cavalo vestido de Sailor Moon no banheiro sem saber como aquilo foi parar lá.

Ou seja, basicamente a história de vida da Lindsay Lohan.

Só que a última presepada dele (que envolveu uma catapulta no terraço) o obrigou a cumprir serviço comunitário numa mega-igreja da redondeza, que graças às Leis da Conveniência Universal, é a região que ele cresceu quando pivete, e agora ele tem que se reconectar com seu pai pra ter onde dormir enquanto cumpre as 200 horas de trabalho.

Enquanto limpava o chão da igreja, ele descobre que eles tão se preparando pra apresentação anual sobre a Paixão de Cristo, e ele acaba conseguindo o papel principal fingindo ser um cristão. Daí se desenrola várias trapalhadas e quiproquos que vão gerar altas confusões que até etc etc you know the drill.

Exceto... que o filme nunca abraça totalmente as oportunidades cômicas que lhe são dadas, mas eu compreendo a proposta.


Muitas das piadas que poderiam ser feitas só seriam engraçadas pro público que realmente participa ativamente do cristianismo protestante/batista/similares. O filme tenta não alienar públicos de outras religiões e mostra situações que podem ser compreendidas até por não-religiosos, mas que ainda soam cômicas ou pelo menos são comicamente desconfortáveis de ver, como Gavin tendo que agradecer pela comida sem nunca ter feito uma oração na vida, ou como os cristãos parecem muito mais caretas do que são no começo do filme, representando mais a visão de Gavin do que a realidade, aos poucos mudando de hábitos e atitudes, ou ele comendo pão da ceia como se fosse Cheetos, etc.

Momentos assim funcionam tanto pra quem tá no meio como pra quem não tá, o que faz sentido, porque ainda é um filme comercial, sendo produzido pela Walden Media (aquela mesma que fazia filme com a Disney, como Crônicas de Nárnia e Ponte para Terabítia) e pela WWE Studios, e em uma das declarações do presidente da WWE Studios, eles queriam mais diversificar o catálogo de filmes, que costuma fazer mais ação e terror.

Então é mais uma joint-venture comercial do que um filme feito inteiramente por cristãos, mas que ainda assim não deixa de passar sua mensagem.


O que mais te convence dos arcos narrativos de cada personagem são mesmo os atores, que conseguem fazer um bom trabalho mesmo com um material que por vezes não parece ser muito bem trabalhado. Alguns diálogos podiam ter alguma lapidação, mas no geral eles conseguem passar bem a idéia de cada personagem.

O pastor da igreja é um homem generoso e compreensivo, mas rígido quando precisa; Gavin é obnóxio e egocêntrico, mas a transição de arruaceiro pra legítimo cristão soa natural e orgânica, graças tanto à atuação como à forma que o roteiro guia o personagem suavemente nas batidas narrativas; os membros da congregação que atuam na peça são caricatos, mas nunca chegam ao ponto de terem cartunescos ou extremamente distantes da realidade, são só indivíduos com características marcantes e que Gavin aprende a respeitar e apreciar; e a diretora da peça é alguém que tem um chamado pro ministério, mas que também tem traumas passados e que por isso acaba se fechando, e aos poucos aprende a superar esses traumas.

Also o cara que faz o pastor foi o que dublou o Aladar em Dinossauro. Ele também dublou um personagem de Irmão Urso e o Aang velho em Lenda de Korra.
E Gavin Stone tava em Agentes da SHIELD, mas eu não vi então não sei o que ele fez lá, mas ele dublou o agente secreto de Milo Murphy, o que sempre anda com a outra agente que é dublada pela Mulan. Que também tá em Agents of SHIELD. E Mandalorian.

Hollywood é basicamente um ovo.

Eu poderia definir tua atuação
com duas palavras, mas deixa quieto.

O roteiro poderia ter alguns ajustes aqui e acolá, mas ele tem pontos cruciais de narrativa que mostram o amadurecimento de Gavin. Por exemplo, tem dois personagens que ficam engolindo as falas um do outro, falando por cima, fora da hora, etc. E outro que tem uma atuação tão engessada que ele poderia ser chamado pra dublar um filme da Disney no Brasil, caso fosse famoso.

Gavin começa a fazer tutoria particular com eles, dando exercícios de atuação e conselhos. O protagonista faz isso um pouco por ego, por ele se sentir incomodado de atuar junto a amadores, mas ao mesmo tempo ele começa a se aproximar mais dos outros membros e compreender o sentido de tudo aquilo.

É um processo orgânico e que consegue te convencer que houve uma real conversão ali, concretizada em atitudes e até na forma que ele atua no dia da apresentação. Mas também mostra Gavin tendo idéias esdrúxulas e quebrando a cara por conta delas.


Uma das idéias de Gavin envolvia se pendurar em cordas pra mostrar a Ascenção de Cristo, o que obviamente não dá certo. Ainda bem que Shawn Michaels estava por perto pra aliviar a queda, se tem alguém ali que sabia como cair de uma maneira segura e convincente, era o Heartbreak Kid.

O que não é de se espantar, porque ele já entrou no Wrestlemania uma vez como se fosse a Mary Poppins.

Aliás, toda vez que eu ouço o apelido dele eu quero achar que o tema de entrada dele é My Achy-Breaky Heart, a one-hit wonder do pai da Hannah Montana.

Mas, como sempre, eu divago.


Embora não seja perfeito, ainda é um dos melhores filmes cristãos que eu já vi na vida, o que já é dizer muito considerando a facilidade que esses filmes tem de ser panfletários, de serem feitos pra deixar cristãos confortáveis ao invés de deixar com um questionamento ou uma lição real e prática.

Sei lá quem raio disse uma vez, que filmes tem que te mudar de alguma forma, você precisa sair diferente do que entrou. Dá pra aplicar isso pra filmes bons e ruins, na real, ambos vão de alguma forma te mudar e moldar teu caráter. Mas é melhor que sejam filmes bons, claro, ou que pelo menos sejam tão bizarramente memoráveis que te faça questionar "como raios Abe Vigoda conseguiu esse papel em Good Burger?"

...

Enfim, A Ressurreição de Gavin Stone é um dos melhores filmes cristãos que eu vi em um bom tempo. É divertido, é dramático, o arco narrativo do personagem mostra uma mudança real, e te deixa com algo pra pensar.


Pessoalmente, ainda gosto mais de Desafiando Gigantes e A Jornada: Uma Viagem Pelo Tempo, mas Gavin Stone tá num top bom pessoal.
Sim, ele perdeu alguns pontos comigo só pelo clichê da Revelação do Mentiroso.

Also, se tiver tempo, vale a pena dar uma olhada nos testemunhos do Shawn  sobre a conversão dele , a história dele tem muito paralelo com a do Gavin Stone e talvez por isso tenham chamado ele. Claro, teve uns percalços na história dele (como a storyline que culminou numa luta de equipes entre os McMahons vs. Shawn e Deus), mas no geral ele pareceu ser bem consistente, é um bom complemento pro filme.




E assim encerramos mais um ano no SRT, esse ano atípico e conturbado e incerto, mas eu acho que fez um bem pra nós num geral. Às vezes a gente fica muito seguro de si mesmo, que nada vai mudar, cada ano vai ter as mesmas coisas que todos os outros, e é bom que a gente tenha esse lembrete vez ou outra de que somos mortais.

Os próximos anos provavelmente vão ser mais difíceis, mas se tem uma coisa que esse ano me ensinou é a de valorizar quem tá próximo, cuidar de quem precisa. Me fez ver o trabalho de formiguinha mesmo, tipo o da Corrente do Bem. Nunca mais eu vi esse filme, aliás, só lembro que tinha o Haley Joel Osment.

Mas enfim, se você mesmo nunca começou a fazer isso, o Natal é sempre uma boa hora de começar. Comemorar o nascimento de alguém que se sacrificou pelos outros é sempre um bom motivo pra rever sua vida e mudar daqui pra frente.

Also, vejam Gavin Stone, é um filme relativamente fácil de achar na... locadora.

Agradeço sua audiência, ao Prof. Carvalho e Gunther, aos Padrins que tem apoiadoo, a todos que estiveram próximo de mim, e principalmente a Deus, que tem me mantido são física e mentalmente durante esse ano.

Grandes planos pro próximo ano, vamo ver o que dá pra fazer.


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Sério, já viu o preço do salmão? Pois é.




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