O Legado de Tio Walt - Parte 8: Segue O Jogo


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Mesmo com alguns projetos Disneyanos não atingindo o sucesso que o estúdio pretendia, financeiramente ele tava indo bem. Eisner havia conseguido salvar a companhia, expandir seus assets, e seguindo firme na sua missão de tornar os anos 90 na Década Disney.


Mas tal qual Walt, o estúdio procurava por inovação, e a implementação de computadores nas animações 2D não era por acaso. Eles queriam elevar o nível de tecnologia, até por motivos de marketing: se os filmes fossem visualmente bonitos (e lembremos que o CAPS não era só pra incluir modelos 3D, mas pra colorização dos frames de animação, que davam mais liberdade pro uso de cores e sombras), o interesse do público era maior.

E justamente, os computadores que eles usavam eram de uma pequena empresa com uma história que, como uma poesia, ela rima.

E é irônico.





A Pixar foi criada dentro da LucasFilm como a divisão pra computação gráfica, sob a direção do Dr. Ed Catmull do Instituto de Tecnologia de Nova York. Ele trabalhava nos fundamentos pra computação gráfica, e fizeram um curtíssimo curta experimental chamado The Works


Daí os caras começaram a trabalhar com a ILM, fazendo efeitos especiais pra projetos como Star Trek 2 e O Jovem Sherlock Holmes. Enquanto aprimoravam suas tecnologias, Estêvão Trampos comprou a divisão de George Lucas, que aceitou a venda após passar por um divórcio. Se os 5 milhões eram pra pagar pensão ou bebida, eu não sei; mas Trampos tinha em mente um plano específico pra Pixar: vender o aparelho.


Sim, esse trambolho que parece um cofre.

Os principais clientes da companhia eram agências do governo, médicos, e uma pequena companhia que fazia uns filme por aí, chamada Walt Disney, que usava o sistema CAPS num computador da Pixar. Nesse ponto, John Lasseter (que, recordemos, havia sido demitido da Disney após irritar os superiores apresentando o teste de Onde Vivem os Monstros, misturando 2D e 3D) havia entrado no time de animadores da Pixar.

Mas Catmull não podia contratar animadores pra companhia, então deu a Lasseter o cargo de Designer de Interface, que nunca foi questionado por ninguém. Era uma tecnologia nova, num modelo de animação e business relativamente novo, se chamassem Lasseter de Superintendente de Ziriguidum ninguém ia estranhar.

Enfim, o trabalho de Lasseter era basicamente explorar as possibilidades da máquina e software, que serviriam até pra mostrar a potenciais clientes o que o aparelho era capaz de fazer.


O primeiro curta que John fez foi As Aventuras de André e Wally B., que obrigou Lasseter a literalmente dormir no escritório pra produzir e animar o curta. Ele até disse pra secretária que quando ela chegasse, o acordasse pra que ele voltasse a trabalhar.

A prática não morreria cedo pra Lasseter, mas eu me adianto.


Após vários curtas (os quais eu tirarei um post inteiro dedicado a eles, eventualmente), o aparelho não tava vendendo como Trampos queria, e tava sobrevivendo com as propagandas e trabalhos de estúdios que pediam cenas em CG. A Pixar tava à beira de fechar ou ser vendida. Lasseter fazia pitchs (ou é "pitches"? sei lá) pra Disney pra que eles financiassem uma sequência do curta Tin Toy, se passando no Natal.

A idéia foi se desenvolvendo de um curta, pra um especial de 30 minutos, até que um dos caras da Disney disse "mano faz logo um filme".

O que motivou a Disney a tomar essa decsão foi que Mickey ouviu que algum brasileiro tava fazendo o primeiro longa metragem totalmente feito em computador. Aí mandou sabotar o projeto, jogou um saco de dinheiro com um cifrão desenhado no colo de Lasseter e disse "Você sabe o que fazer. Não me desaponte, ou você dorme com os peixes. Hu-hah!"

Lasseter aceitou o conselho e junto de sua equipe, continuaram a desenvolver o filme.

É importante ressaltar que computação gráfica nesse ponto era usado basicamente em filmes de ação, como Godzilla, Jurassic Park e Exterminador do Futuro 2. O que os produtores de Toy Story buscavam era algo totalmente diferente. Até porque o nível de detalhes que eles conseguiam ter deixava os objetos parecendo plástico. Se fosse pra ser hiperrealista provavelmente o resultado ficaria horrivelmente envelhecido e tronxo até pros padrões da época.



A idéia original era de ser uma sequência de Tin Toy, onde o brinquedo seria esquecido pelo seu dono e junto de um boneco de ventríloco, iria voltar pra casa. Até que John percebeu que Tin Toy era um brinquedo ultrapassado, e o removeu da história, restando só o boneco de ventríloco. Isso serviria de base pra escolher que brinquedos poderiam ou não entrar no filme final.

O foco passou a ser o tal boneco, que acabou se tornando um caubói (ou cowboy, ou vaqueiro, que tira muito do ar aventuresco do personagem mas wathever). Disney queria que o filme apelasse tanto a crianças como adultos, então pediu que tivesse umas referências mais modernas/adultas no filme. Segundo a Lost Media Wiki, queriam até lançar pela Touchstone, que em 93 lançava Nightmare Before Christmas, o que explica muita coisa, na real.

Por qualquer motivo, Katzemberg tava solto nesse dia e pediu que o filme fosse mais pra adolescentes, mais cínico, mais... edgy.


"Edgy" é um termo que define quando algo (ou algum elemento desse algo) tá na beira de ser algo arriscado. Usualmente é referido pra algo sombrio ou provocativo de alguma maneira. Shrek era edgy na forma de zoar os contos de fada, por exemplo.

Só que... isso acabou sendo um problema pros caras na Pixar.


O resultado foi um desastre. Fizeram um storyboard de teste pros chefões da Disney, e... era simplesmente horrível. Os personagens eram simplesmente maus sem motivo, e o clima era pesado demais. Nenhum dos personagens era gostável ou parecia ser remotamente redimível. Há uma diferença entre Woody tomar atitudes erradas no filme, mas tu ainda conseguir simpatizar com ele, porque tu sabe que ele é um bom sujeito que foi corrompido por um sentimento ruim, mas ele não é totalmente ruim.

Já no teste... Bom, vejam. 

Vão lá, eu espero.

...

...viram?

Pois é.



Roy Disney chegou no Lasseter e disse "tu REALMENTE ouviu a gente? amador."

O filme (e provavelmente o estúdio) tavam pra ser fechados. Lasseter pediu duas semanas pra consertar a merda, e foi nesse momento que os artistas ficaram mais unidos do que nunca e deram o melhor de si pra fazerem o filme que queriam e da melhor maneira possível.
Aparentemente artistas trabalham melhor sob pressão, que é um tópico que será bem explorado em Princesa e o Sapo.

E assim surgiu Toy Story. (Que aparentemente tinha o subtítulo de "Um Mundo de Aventuras" na versão lançada em Paracuru. É um subtítulo tão imbecil quanto "Uma Aventura Congelante" ou "Um Mar de Aventuras", mas já notamos que a Disney tem um padrão)


O filme brinca (HAH) com a pergunta "o que brinquedos fazem quando estão sozinhos?" e nos mostra Woody, um boneco de pano que é o favorito de Andy, um moleque normal. Até que Andy ganha um Buzz Lightyear, que passa a ser o novo favorito. E Woody é tomado de ciúmes e quer fazer com que Andy esqueça de Buzz.



A primeira coisa que se nota hoje é como a animação envelheceu. Mas não envelhceu absurdamente ruim, só... Tu nota que não é muito bem refinado. Vez ou outra algumas juntas de braços ou joelhos dão uma mergulhada nos modelos; ou tu nota melhor a arcada dentária dos personagens; ou como os lábios tem alguns pontos muito específicos que criam tipo vetores... Mesmo que tu não saiba o que raios seja isso.

Mas embora tenha esses pequenos "defeitos", acaba tendo um charme especial por causa disso. É tipo a técnica de rotoscopia dos filmes clássicos, é antiquada e faltava um refino em alguns modelos de personagem, mas é bonito de ver e tu nota que os caras tavam se esforçando. No caso da Pixar, eles tinham que tirar leite de pedra, já que o orçamento do filme foi 30 milhões pra uma equipe de 110 pessoas. Pra efeito de comparação, O Rei Leão, que era só um experimento da Disney, teve orçamento de 45 milhões e cerca de 800 envolvidos.

Mas o que funciona, realmente funciona. Os personagens se movem de uma forma que eles provavelmente se mexeriam se tivessem vida, e os rostos tem a expressividade que precisam, mesmo com as limitações plásticas. Os caras realmente dão vida em cenários completos e incrivelmente bem detalhados.


As texturas são bastante críveis, mesmo que em alguns momentos tu perceba um pouco de pixelização, como no Rex ou na mesa do Sid. O que ainda é perdoável, já que a gente só vai notar essas coisas vendo numa TV 4K UBER HD COM LASERS. E assim como jogos da geração PlayStation pra trás e séries antigas de tokusatsu, a melhor forma de jogar/ver é numa tv pequena de tubo. Senão vai realmente soar estranho. Claro, é ótimo poder ver Perdidos no Espaço numa TV de tela plana e em qualidade blu-ray, porque conforto de vista é daora. Mas ver sabendo das limitações da época, ao invés de caçoar.

Não dá pra caçoar da falta de qualidade técnica de Toy Story, por alguns motivos. Primeiramente, ele não TENTA ser hiperrealista. Quando um filme tenta ser hiperrealista ele tende a envelhecer rápido, especialmente se ele usar captura de movimento, como Expresso Polar, Marte Precisa de Mães e Christmas Carol com Jim Carrey. Há meios de disfarçar esse envelhecimento, como fazer a cena toda de noite e durante uma chuva (tal qual Jurassic Park fez, seguindo os passos de 20 Mil Léguas Submarinas). Toy Story é um desenho animado, sabe disso, e a estrutura de seus personagens, dos cenários, o design de produção em geral tenta seguir esse padrão cartunesco.

O outro motivo é porque o público comum não tem noção do que se faz pra ter a CG, ao menos não profundamente. Por exemplo, tu pode se impressionar com o movimento da água/cabelos em Moana, ou os pêlos de Sully em Monstros S.A., mas todo o resto do filme tem tanta dificuldade quanto esses outros pontos. A diferença é que tu não sabe os processos por trás, logo é induzido a pensar "ah é só digitar umas parada no computador".


Ao contrário de filmes mais tradicionais, artesanais, onde nós temos uma idéia melhor de como fazer, como fantoches ou animação tradicional. Nós nos impressionamos mais facilmente com a animação desenhada à mão quadro-a-quadro de Branca de Neve do que com a forma que o olho de Mike Wazowski foca nas coisas. Somos tentados a nos admirar mais com o stop motion de Nightmare Before Christmas e Kubo do que com o Thanos em Treta sem Fim.

E com Toy Story não é diferente. Mesmo com esses pequenos defeitos vez ou outra, ainda ficamos impressionados simplesmente com o que eles conseguiram fazer e disfarçar os pequenos possíveis defeitos. Como todos os humanos são variações do Andy, por exemplo. Era uma necessidade, porque renderizar e modelar humanos era trabalhoso e caro.

Aliás, a modelagem do filme em vários caros era feita escaneando modelos de argila, que é o que derruba a narrativa de ser o primeiro filme totalmente em CG. Esse mérito é do brasileiro Cassiopeia.


Mas o que realmente faz o filme ser memorável não é só a tecnologia pioneira, mas o roteiro. John Lasseter sempre deixou claro que os computadores eram meras ferramentas, quem faz o filme mesmo são os artistas por trás. E embora a forma que eles tratam os temas do filme tenha ficado ligeiramente antiquada, a narrativa do filme é fabulosa. Tu se importa com esses personagens, se identifica. Eles não são ruins, só tomaram decisões erradas, como todos nós em algum momento de nossas vidas.

O lance de relacionar os brinquedos aos seus donos ainda não é bem explorado (iria ser na sequência, mas já chegamos lá), o foco aqui é entre dois personagens que não conseguem se entender. E claro, o fato de Buzz achar o tempo todo que é de fato um patrulheiro espacial e a sua queda de ficha são engraçadas e dramáticas, mas servem pra contrastar com o realista Woody.


E todos os outros personagens são memoráveis e tem ao menos uma fala engraçada e um propósito na história. E o grande lance é que eles não são engessados nos mesmos moldes que a Disney fazia nos longas animados. Não tem um personagem que tu olhe e diga "esse é o sidekick engraçado, esse é o vilão, esse é o personagem que ninguém vai lembrar nem dar valor até o momento que a Disney começar a explorar a imagem dele em bonecos e mochilas", etc.

Todos os brinquedos são concebidos de uma forma natural, até por alguns serem reais, como o Cabeça de Batata, a Tela Mágica, Slinky, etc. Alguns levemente alterados pra combinar melhor com a voz ou a personalidade, mas ainda assim são conceitos básicos que eram comuns. Tem o robô japonês cheio de luzes e sons, a cobra de plástico com dobradiças que eu tenho certeza que tu teve em algum momento da vida, o boneco super articulado de wrestler, brinquedos educativos da Fisher-Price...


E isso é sensacional, dá uma sensação orgânica ao mundo construído. É bem a cara da Pixar, na época um estúdio independente e pequeno, fazendo o filme que eles queriam fazer, sem muita amarra a moldes pré-estabelecidos.

A Disney até queria que fosse um musical, mas como Joss Whedon (sim, ele trabalhou nesse filme) disse, é um filme de comédia de parceiragem. Os personagens são aqueles bróder, parça, mano, ou seja lá que gíria usem por aí. Eles não cantam, eles dão uma rasteira no outro, riem junto, falam, "meu bróder!", o que derrubou ajuda o outro a se levantar, que por sua vez derruba ele também e ambos riem.

Ok, ele não disse com essas palavras, mas é por aí.

Mas sim, tem músicas.

E são... Ugh.

O Andy tem a mesma estrutura óssea
de um personagem do Garras da Patrulha
Digo, You Got a Friend in Me é excelente, resume perfeitamente o tema fundamental do filme (e consequentemente da franquia), mas... Randy Newman é um compositor meio pobre.

A segunda música (Strange Things) é uma daquelas músicas que tu não precisa ser um especialista pra perceber que ela é mal composta. Raio, EU percebi isso no primeiro verso, onde Randy fala tipo 5 palavras ao mesmo tempo pra tentar encaixar na melodia. E falha miseravelmente nisso. Em outro momento na mesma música ele repete a palavra "friends" sem necessidade umas 3 vezes.

Eu sempre achei que a zoação do Nostalgia Critic na resenha de James e o Pêssego Gigante era exagerada, mas depois dessa... É. Não dá pra defender.

A terceira música (que o Buzz cai sem voar) é... ok, existe e funciona.


A versão brasileira é realmente a melhor. Considerando que eu nunca ouvi nenhuma das outras (imagino que japonês soe daora), mas ok. Mas veja bem, ao menos o Zé da Viola cantou de um jeito que encaixava na melodia original, o que já é melhor do que o que Randy fez enquanto cochilava nas gravações. Embora a versão brasileira de You Got a Friend in Me não tenha o mesmo impacto da original (e até uns versos meio nadavê), ainda é uma boa versão. Não é nível "eu vou usar isso no meu casamento", mas é válida.

Zé da Viola na real foi pro estúdio gravar um CD e os caras fizeram um teste com ele, e a Disney aceitou, especialmente porque o timbre dele era idêntico ao de Randy. Até hoje o Zé é conhecido pelas músicas de Toy Sory (e Vida de Inseto e... pera ele fez James e o Pêssego também? Enfim) e toca num bar do Rio de Janeiro.

Uma vez eu tava escovando os dentes
e lembrei aleatoriamente dessa cena.
Eu ri que quase me engasguei.
Toy Story é um filme sensacional. Não só pela técnica usada, mas pela forma que usaram, pelos personagens memoráveis e identificáveis, a narrativa fácil de acompanhar e intrigante. É praticamente uma fábula moderna: usa objetos comuns como analogia pra humanos e vemos refletidos neles nossas qualidades e defeitos, e eles conseguem passar uma moral. Mas eles fazem isso sem soar forçado, eles nos ganham ao nos mostrar cenários familiares e divertidos e só então nos mostram a moral.

Ainda assim é um filme cujos conceitos poderiam ser refinados, mas não nesse filme. Ele é ideal do jeito que é. O que poderia ser refinado, porém, ainda estaria por vir num futuro próximo.



E outra coisa que eu queria comentar. Eu peguei uma versão de Blu-Ray do filme, e a abertura não tinha o castelinho da Disney feito em CG pela Pixar, mas a vinheta tradicional e sem graça que usam em todos os filmes, até nos clássicos. Ao invés de ter isso, temos a versão genérica e comum, o que eu vejo como desrespeito ao filme original. Essa abertura feita pela Pixar é incrivelmente emblemática, já que era o primeiro filme da Pixar e os caras "ow bora fazer o castelo da Disney na vinheta" e fizeram.

Se lascar com essa mania de ficar botando esse castelinho atual em todos os filmes.

Aliás, teve uma reciclagem de assets
loca aqui hein? Não só a moça de Knick-Knack,
mas o urso da propaganda da Toys R Us.

Mas hey, essa coisa coloridinha e até meio melosa é bem a cara da Disney né? Eles queriam algo mais edgy porque não sabiam exatamente o estilo da Pixar, mas queriam que fosse algo distante do que a Disney já fazia. Sabe o que combina perfeitamente com a Casa do Rato? Catolicismo, abuso de poder público, luxúria, e filosofias de vida depressivas!

...

PORQUE NÃO?

...Corcunda de Notre Dame.


Durante a produção de Pocahontas, o projeto de Kirk Wise e Gary Trousdale era o de fazer uma versão do mito de Orfeu, mas com uma baleia jubarte. (É irônico porque a palavra“humpback” pode significar “corcunda” ou "jubarte")

Durante esse estágio embrionário do filme, Jeffrey (obviamente antes dele vazar da Disney e criar seu plano de derrota do Rato) liga pros caras e diz “OW LARGUEM TUDO CÊS VÃO TRABALHAR EM CORCUNDA AGORA”. Do ponto de vista artístico, Wise disse que o projeto tinha “um grande potencial.... Grandes personagens memoráveis, um plot realmente incrível, com potencial pra visuais fantásticos e muita emoção”.


Enquanto isso, no departamento de Marketing, o pessoal tava correndo pelos escritórios berrando o hino do Grêmio em tailandês, botando fogo nos banheiros, chorando em posição fetal e escrevendo testamentos com o próprio sangue enquanto balbuciavam “ME PERDOE MÃE, EU FALHEI NA VIDA”

Tipo isso só que com o Seu Cebola
e o Cássio correndo em círculos balbuciando
"O QUE TÁ ACONTECENDO?"
Até que se levanta algum herói desconhecido, ele ergue sua voz em meio ao caos e declara "e se a gente fizer propaganda só da festa e ocasionalmente algum momento de ação?"

Uma das funcionárias que se preparava pra jogar o computador pela janela o abraça e o pede em casamento. Todos comemoram, se cumprimentam como se fossem cientistas da NASA, enquanto seu Roberto, o zelador, canta Ode to Joy e todos comem bolo. O marketing do filme tá salvo.


Esse filme é um excelente caso pra estudar tons diferentes na mesma história, além de como adaptações funcionam e mudam no decorrer do tempo. Tem um vídeo inteiro da Lindsay Ellis sobre isso, então eu não vou me demorar muito. Mas vamos lá.


A história começa com o juiz Frollo na sua missão de livrar Paris da escória da sociedade: criminosos, arruaceiros, ladrões, feiticeiros, jornalistas, e membros do MST. Em uma perseguição a uma família de ciganos, ele acaba matando a mulher que havia chegado na catedral, a catedral de Notre Dame (Kyrie Eleison). Ele se justifica ao arcebispo, que o adverte que ele jamais poderá fugir dos olhos, os olhos de Notre Dame (Kyrie Eleison). O sacerdote então sugere que Frollo cuide do filho dos ciganos, que por pouco também não é assassinado por Frollo, já que o moleque é deformado.

Frollo aceita a sugestão, nem que seja pra limpar sua barra com as estátuas dos reis de Israel. Mas o moleque vai viver na catedral e Frollo vai tirar um tempo do seu dia pra passar com o guri e ensinar tudo que ele precisa pra pensar como ele.


Anos se passam, Frollo tem uma relação de superioridade em relação ao corcunda (que, como diz Clopan na abertura, recebeu um nome cruel, Enzo Quasímodo). Enzo vive preso na catedral, com o trabalho de tocar os sinos da igreja e milagrosamente não ficar surdo, como no livro. Ele tem como hobby fazer miniaturas de madeira da catedral e dos passantes, o que pode ou não configurar um nível acima do aceitável de stalker, mas divago.

Até que chega o Festval dos Tolos (ou seja lá como se chame na dublagem) e os gárgulas o aconselham a ir ao festival mesmo com seu mestre Frollo o proibindo de sair da catedral.


Na real não são gárgulas; o termo mais correto seria "grotesco". Gárgulas são os escoadouros de água que sim, tinham rosto de demônios e monstros. Tipo o que acaba por matar Frollo no final do filme e é até citado por Enzo na versão teatral, no trecho "If I were senseless, I'd prefer it/Another gargoyle in this turret/Spitting rain down to the stones below".

MAS... eu divago.


Durante o festival, Enzo conhece Esmeralda, uma cigana linda que não parece ter medo de sua aparência horrenda. Mas durante o festival ele é humilhado publicamente, Esmeralda é jurada de morte por Frollo, e acaba se abrigando na catedral, a catedral de Notre Dame (Kyrie Eleison). Nisso, ela e Enzo começam uma amizade, mas Enzo vai precisar se aliar ao concorrente romântico de Esmeralda, o capitão da guarda Phoebus, pra proteger Esmeralda e os outros ciganos de Frollo.


O Corcunda de Notre Dame é uma das histórias mais... complicadas... pra adaptar, especialmente se for um filme pra família. Piora quando é a freaking DISNEY. Muita coisa teve que ser mudada, como transformar Frollo de arcebispo pra um juiz, Esmeralda ser mais amigável com Quasímodo, Phoebus não é mais mulherengo, e o final não é igual ao livro, obviamente.

Caso esteja se perguntando, no final todo mundo morre, o marido de Esmeralda é forçado a escolher entre o bode e a guria. O bode sobrevive.

...WHEN YOU WISH UPON A etc.


Agora, pra ser justo, o filme não se baseia tanto no livro e mais na adaptação de 1939, que por si só era remake de um filme mudo baseado no livro. E as liberdades que ele toma são baseadas em outras interpretações da mesma história feita pelo autor original, Vitor Hugo. Transformar Frollo de um sacerdote pra um oficial de justiça blinda a Disney de críticas da comunidade católica, mas também tem base em escolhas feitas pelo próprio autor.

Era comum em adaptações da época mesmo os autores mudarem as próprias histórias. Como a peça teatral de Mágico de Oz, que teve uma versão gravada em 1910 e teve TANTA coisa alterada e misturada de outros livros que é basicamente uma colcha de retalhos.

Essas mudanças acabam por melhorar o filme, no final. Frollo ser um sacerdote não teria o mesmo peso nem ele poderia ser tão objetivamente cruel como no filme. Frollo era uma tentativa da Disney de mudar a idéia de que ser vilão era "cool", trazido especialmente por vilões recentes como Úrsula, Scar, e Gaston. Frollo é o vilão que faz com que qualquer um desses se pareça com a Whoopi Goldberg em Mudança de Hábito.

Se bem que em Descendentes 2 a Úrsula é interpretada pela Whoopi. Enfim.


Frollo é terrível, mas não é um vilão simples. Ele sabe que o que faz é errado, mas sempre se justifica de alguma forma. Normalmente pela arrogância e prepotência. Ainda assim, é um homem religioso e teme a punição de Deus (ou de Maria, ou de Notre Dame), e até se justifica nesse sentido. Ele não é necessariamente mal por prazer, como os outros: é uma maldição, mas ao mesmpo tempo é quase um dever. É um personagem fantástico.

Phoebus e Esmeralda são basicamente opostos, mas conseguem ser interessantes por si só. Esmeralda é a cigana criada nas ruas, inteligente, sagaz, e com uma forte consciência social. Phoebus é um soldado que acabou de chegar da guerra e nem pôde descansar, que Frollo já o coloca pra trabalhar e encontrar o esconderijo dos ciganos. De uma forma... zoada, os dois acabam se apaixonando.


Não é necessariamente muito desenvolvido, ainda é o Romance de Três Dias Disneyano, mas... sei lá, acaso. A vida é louca, num dia tu tá fazendo pole dance na frente do juiz e no outro a cidade tá pegando fogo igual Roma. Acontece.

Quasímodo também é complexo. É alguém que viveu a vida inteira presa na catedral, mas sempre observando as pessoas lá embaixo, tendo alguma noção do que é viver como alguém normal. E por passar tanto tempo isolado, ele acaba conversando com as estátuas.

Aliás... É. Falemos das estátuas.


Quando Pequena Sereia explodiu de bilheteria, ficou claro que havia batidas muito específicas que o público amou. E nos anos seguintes, a Disney iria tentar continuar batendo nas mesmas notas, com alguma variação. Como por exemplo, um sidekick animal, um vilão vaudevillianamente vilanesco, números musicais estilo Broadway. Corcunda vai mais pro lado pop opera (ta qual O Fantasma da Ópera), mas algumas coisas são evolução de outros filmes.

No caso de Corcunda, o mais notável é a evolução do Gênio, de Aladdin. Todo o cenário desse filme era mais realista. Fantástico, mas cada coisa parecia no seu lugar. O Gênio era o único elemento que fazia referências modernas porque ele era um ser mágico, logo era justificável. Aqui, o equivalente são as estátuas.

Eles fazem piada de peido no sovaco, o tom de seus diálogos é mais solto e menos rebuscado, e tem um número musical inteiro onde eles extrapolam referências modernas.

Do nível "vamos botar as estátuas dos reis de Israel estalando os dedos no ritmo da música".


E... eu compreendo 100% a decisão de botar essa cena. Eles tinham de botar algo mais leve e divertido pras crianças (ainda mais porque a situação na narrativa nesse momento tava tensa; é uma decisão arriscada, mas eles não tinham muita opção), a sequência serve pra desenvolver um pouco o arco de Quasímodo, e funciona a favor do conceito de que é tudo imaginação dele.

Depois que acaba o número as coisas tão tudo no lugar, mas realistas, roídos pelo tempo, sem vida. É um conceito SENSACIONAL e faz totalmente sentido dentro do filme e tá dentro do conceito do livro (que menciona Quasímodo conversando com as estátuas e desabafando pra elas).


Até que chega o clímax e... As estátuas tão lá. Vivas. Lutando contra os soldados, jogando catapultas, agindo como metralhadoras, e criando uma geração de gente que vai quotar errado o Mágico de Oz pro resto da vida.

SIM DEIXA EU FALAR DISSO SÓ POR UM MOMENTO OK? Eu quero falar sobre isso há ERAS e AGORA EU VOU ABRIR UM PARÊNTESE SÓ PRA ISSO.

OK? Ok.


No clímax, em um momento a estátua Larvene invoca os pombos pra atacar os soldados. A fotografia da cena é exatamente igual à da Bruxa Má do Oeste em Mágico de Oz de 39, inclusive a música é igual (se não for exatamente a mesma). Nesse momento a estátua diz "Voem, meus bebês! Voem! Voem!" ("Fly, my pretties! Fly! Fly!") Sendo que no filme, a Bruxa só diz "Fly! Fly! Fly!" Então, toda vez que alguém referencia a cena com "Fly, my pretties!", tá na real referenciando Corcunda de Notre Dame referenciando Mágico de Oz.
Ou Os Simpsons, já que a mesma fala aparece no episódio The Last Temptation of Homer, de 1993, três anos antes de Corcunda.

É que nem quando geral faz uma esquete de terror onde um grandalhão com máscara de hóquei e uma motossera. Jason usava um facão, motossera era o Leatherface que usava. As duas coisas juntas vem de National Lampoon's Christmas (Férias Frustradas de Natal).

COM ISSO DITO, voltamos à programação normal.

E você achou que eu tava zoando.

Enfim, não só as estátuas legitimamente ajudam na defesa de Notre Dame, como também há vários momentos onde o grotesco/gárgula dublado pelo careca de Seinfeld interage com o bode de Esmeralda.
O único argumento em defesa disso seria usar a morte de Frollo, onde a própria Notre Dame (Kyrie Eleison) parece querer se livrar/vingar dele. Já que antes dele morrer, um gárgula se mexe bem na cara dele.

Ou seja... A catedral é viva...? Nunca explicam isso, e mesmo com essa explicação... a cena musical em si pode incomodar por um tempo.

Outro problema que outros tem e que eu também tenho é como os ciganos são retratados. Digo, ok, tem uma pesquisa medonha pra fazer os personagens, em especial Esmeralda, mas o negócio é... confuso.


Frollo explica seus motivos pra querer expurgar os ciganos, e ele tem até razão. De certa forma alguns representam um perigo pra sociedade e deviam ser tratados como tal. Mas alguns são meros artistas de circo, como Esmeralda, que representa a idéia de que "nem todos os ciganos são maus".

Ok.

Aí lá na frente encontramos o Palácio dos Milagres, onde os ciganos se escondem e escondem as coisas roubadas do pessoal da superfície. Eles nunca explicitam isso, mas ainda assim... Soa estranho.

Mas é só um trecho e todo o resto do filme compensa. E como compensa.




Olha esses cenários, olha essa animação, olha como esse filme é gigantesco, atmosférico, e como a música complementa isso. É sensacional como Bells of Notre Dame consegue soar tão grande e imponente como a própria catedral, que é uma maravilha arquitetônica. Mas como também consegue descrever os elementos menores ao redor, como os habitantes e passantes.

Os contrastes melódicos também são óbvios, mas funcionam a um nível de perfeição. Heaven's Light vem antes de Hellfire e ambas são uma descrição perfeita de seus personagens.


Corcunda de Notre Dame é um filme exepcional, não só pros padrões Disney, mas pra animação em geral. Olha o nível de detalhe dos cenários, olha como a animação dos personagens é sutil e emotiva, a mistura de CG com 2D, especialmente pra mostrar multidões e a catedral em movimento, como na cena que Quasímodo salva Esmeralda.

É legitimamente um estudo de personagem, uma fábula moderna que merece ser revista sempre que possível, e sempre que possível veja com o melhor equipamento de som e na maior tela que puder. É um filme obrigatório não só pra fãs do estúdio, como do cinema como arte.




E parece que Eisner tava decidido a continuar com a campanha pra tornar os vilões Disney menos maneiros e mais legitimamente ameaçadores, já que o remake de 101 Dálmatas tenta fazer exatamente isso.

Claro, tem o criador de Esqueceram de Mim na produção e roteiro, mas... é. Ok.


Se vocês lembram da minha resenha do original, é um filme tão meh que eu nem consegui escrever direito sobre ele. Não me causou uma impressão muito grande e nem é algo que eu veria com muita vontade.

O live action parece ter vindo tentando mudar isso... De alguma forma. Ok, eu tou me perdendo de novo, qual a história?


Lóide é um designer de jogos que tem um dálmata, uma descrição que funciona tão bem quanto o de compositor porque a menos que tu tenha sorte, nenhum dos dois trabalhos te rende tanto quanto deveria, e o cidadão comum ainda te pergunta "tá, mas pra ganhar dinheiro, cê faz o quê?".


O moleque responsável por dizer qual jogo vai ser popular ou não disse que o jogo dele é um lixo e xinga a mãe do designer. Desanimado e desiludido, Lóide tá pronto pra terminar a noite enchendo a cara e cantando Stand By Me no karaoke do bar local. Mas seu cão se apaixona por uma cachorra e segue seu instinto, fazendo com que Lóide se encontre com a dona da dálmata, a fofuxa Anita.

Ela é designer de moda trabalhando pra Cruela DeVil, uma excêntrica fashionista. Mais rápido do que cê possa dizer "O Diabo Veste Prada", Lóide pede Anita em casamento.

E sim, é rápido assim. Eles se encontram, notam que os cachorros deles não vão conseguir viver sem o outro, aí ele pede ela em casamento. Toda a história do romance deles faz com que Cinderela se pareça com A Noviça Rebelde.

ACREDITE NO SEU POTENCIAL

Enfim, o resto da história tu já sabe. Cruela contrata Dr. House e seu comparsa pra sequestrar os filhotinhos, mas acabam sendo enganados por todos os animais locais em armadilhas humilhantes numa casa projetada por MACAULEI COOKING.

E por mais retardado que esse conceito possa parecer... C'mon, é 101 Dálmatas. E o filme sabe disso e não tenta ser mais que isso. Na verdade, nesse sentido, é um remake incrivelmente competente do desenho. Não que isso signifique alguma coisa, mas me acompanhe.

-Essa cidade precisa de um herói...
-Pongo, volta pra casa, tá de noite já.
-EU SOU A NOITE!

O longa animado veio num período onde o estúdio tava fazendo filmes mais fáceis de vender e que não tinham tanto aquele apelo atemporal dos outros clássicos (Jungle Book e Aristogatas pegavam muito no jazz, por exemplo). O remake live action faz exatamente a mesma coisa, sendo um filme família onde temos a receita ideal pro público médio dos anos 90: 1-temos animaizinhos fofinhos fazendo coisinhas fofinhas/ou que nem os humanos; B-vilões incrivelmente malvados e conhecidos sofrendo armadilhas juvenis e cartunescas; e tomate-a marca Disney.

E o filme entrega exatamente o que o público queria na época. Mas assim como o original, ele não envelhece tão mal, mas porque ele melhora a história do longa animado.


Os animais não falam, mas tu pode entender o que tá acontecendo pelos gestos deles, mesmo sem ter visto o filme original. Com isso, os humanos tem mais espaço pra serem desenvolvidos. Lóide é um herói loser simpático, Anita é a moça-de-bom-coração-blablabla, e Cruella... Oh, dear.

É a melhor coisa desse filme.


Ela continua com aquele conceito icônico do desenho, mas o filme explora mais o lado rainha fashion dela, e até a relação dela com Anita. No desenho, Cruella é uma amiga de faculdade de Anita; aqui Anita trabalha pra Cruella, que ama os designs da moça. O gosto de Cruella não parece ser necessariamente nas manchas, mas mais nos contrastes, no preto e branco, bem como na extravagância das peles. E essa extravagância também é refletida no design do escritório e de sua casa, que é exatamente como eu imaginaria a casa de Cruella.

Se ela vivesse nos tempos modernos noventistas e não na Inglaterra dos anos... 30? 40? Enfim.


E a atuação de Glenn Close é excelente. O diretor (que é o mesmo de Três Mosqueteiros, aliás) queria algo mais original, mas Glenn pegou muita inspiração no desenho, e brincou com o conceito.

Aparentemente mais do que devia, já que os animais no set ficavam com medo real dela. Eu não os culpo, a Cruella de Glenn Close é MUITO pior do que a do desenho. No desenho ela é cartunesca, engraçada. Maligna, mas... cartunescamente maligna. Aqui ela é realisticamente maligna, as formas que ela sugere que matem os filhotinhos repetidas vezes te faz realmente odiar e ter medo dela. Odiar porque em filme os animaizinhos sempre são os protegidos. Tu pode fazer o que quiser com os protagonistas, desde que BOOMER VIVA.

Duas pessoas vão pegar essa referência.

E medo porque... Ela é louca. Pirada. Lelé da cuca. Doida. Maluca. A mulher gargalha e imita um latido só de pensar em usar um casaco com o pelo da Perdita. NA FRENTE DA ANITA. E essa loucura permanece na personagem durante todo o tempo de tela dela, que é bem mais do que o desenho, ainda bem. Eu quero ver mais dela, odiar mais ela, e o filme me dá o suficiente pra isso. Tem até momentos que eles referenciam visualmente o desenho e é sensacional e até sutil, se não prestar atenção.


E claro, o clímax é basicamente Esqueceram de Mim, só que acidental. Os cachorros não planejam nada, obviamente: fora os esquemas de salvamento e humilhação sistemática em momentos oportunos pra slapstick, os animais agem como animais reais. E... enquanto slapstick estilo Esqueceram de Mim... é aceitável. Não é o foco do filme e só tá lá o suficiente pra fazer crianças com menos de 5 anos rirem até roncarem leite pelo nariz, e cumpre bem seu papel de entreter moleques abobados com problemas de respiração.

No final das contas, o filme é simplesmente um filme família abobado feito pra preencher um eventual espaço vago na grade do SBT. E ele não tenta ser mais que isso. Os efeitos visuais (CG provida pela ILM e fantoches/animatrônicos pela Jim Henson's Creature Shop) não tentam te convencer e: porque raios deveriam?

É 101 Dálmatas, tu sabe EXATAMENTE o que esperar disso: entretenimento rápido, fofinho e passável. Se tu gosta de animais fofinhos e slapstick, vai gostar desse filme. Se não, nem a excelente atuação e direção de arte relacionado a Cruella DeVil vai te fazer se interessar por esse filme.


Aliás, notável mencionar: o jogo que Lóide faz no filme existe mesmo e tava à venda na época do filme. Parece ser um point and click incrivelmente monótono e esquecível, mas é legal ver que teve algum esforço dos produtores ao de fato entregar o produto igual ao filme.

Falando em produtos, John Hugues fez mais dinheiro com esse filme do que todos os outros que já trabalhou, porque ele ganhava uma parte dos lucros de merchandising.

E por falar em lucros de Merchandising...


Musker e Clements foram mais uma vez pedir a Katzemberg (que ainda estava à frente do estúdio na época; lembremos que esses filmes demoravam mais pra fazer, logo isso aconteceu bem antes dele vazar) que pudessem fazer ILHADOTESOURONOESPAÇO. Katzemberg respondeu "caras, não, sério, faz só essa parada aqui com o Hércules que eu prometo que cês vão poder fazer issae".

Tal qual um moleque que faz o dever de casa rápido só pra poder brincar com seus Transformers, a dupla fez Hércules e...

...é uma bagunça. Mas uma bagunça LINDA e divertida. Mas uma bagunça.

Ok, deixa eu explicar melhor.


Hércules conta a história de Hércules, claro. Quem tu esperava? Adamastor Pitaco?

É festa no Olimpo e Zeus tá feliz feito Walt Disney com um filme de sucesso em plena crise de guerra, já que é o chá de fralda do seu primogênito, que nessa versão é filha de Hera sim.

E se tu for reclamar “ain mas não é fiel que filme merda” eu quero te perguntar se seria legal que em Cinderela as irmãs cortassem os dedos; ou se em Peter Pan o moleque voador matasse os Meninos Perdidos por pura diversão em guerra contra os índios; se em Enrolados Rapunzel terminasse grávida de Eugene e o rapaz ficasse cego e vagando pelo mundo até encontrar a guria e seus dois filhos gêmeos; ou se em Branca de Neve a Rainha Má oferecesse o coração cozido de Branca pro pai dela comer?

Se sua resposta for “AIN NÃO MAS A MITOLOGIA” eu quero que você enfie seu livro de Percy Jackson na sua garganta até que você se engasgue e vá pro inferno.
Ou Hades, sei lá.

Revisionismo histórico é uma das marcas registradas da Disney e necessária pra adaptar histórias.

Ok? Ok.

...

...ENFIM.



O chá de fralda é interrompido por Hades, que vai pra festa só pra dizer que foi e logo depois vai embora. Ele tem um encontro com o destino. Ou as destinos... Moiras... Em inglês é mais engraçado.

As velhas então revelam a profecia de que em 18 anos os planetas vão se alinhar e vão abrir o portal dos Titãs, mas Hércules irá impedir Hades de libertar a banda do Paulo Miklos. Mas sendo o adovgado maquiavélico que é, Hades tem um plano.

Veja bem, os deuses do Olimpo são imortais. Logo, Hades precisa tornar o pequeno Herc num mortal comum. Assim, ele tem uma poção que transforma deuses em mortais. Uma poção que ele tinha durante esse tempo todo e nunca usou em outros deuses, especialmente Zeus. E ele pega essa poção em uma sala construída especificamente pra guardar essa poção, que aliás, nunca é explicada como ou daonde ela veio a existir.

Vai saber se precisava fazer uma sala
especificamente assim pra fazer uma poção, né.

Ele manda seus minions raptarem Hércules e dar a poção pra ele beber. Como eles são sidekicks alívio cômico, eles não terminam o trabalho e falham em dar a última gota que tornaria Hércules 100% mortal. O pequeno Herc é encontrado por um casal de fazendeiros estéreis e velhos, que adotam o moleque, que cresce e fica forte e desengonçado como a maioria dos adolescentes.

Assim, ele descobre que ele é filho de Zeus e precisa provar seu valor como herói pra poder voltar ao Olimpo. BLablabla Hades Megara atleta sacrifício lucros.


Um dos maiores problemas do filme é também o seu trunfo. Ele mistura vários estilos diferentes e que de certa forma, não combinam muito entre si. O estilo de arte foi inspirado pelo mesmo cara que fez as ilustrações de The Wall (digo, ele realmente fez os designs primordiais, mas adaptaram pra que ficasse melhor de animar e vender), o estilo de música proeminente é o gospel raiz (também conhecido como "gospel de negão"; se tu viu Todo Mundo Odeia o Chris sabe do tipo de música que eu tou falando), e ele enfia tanta, mas TANTA referência moderna que faz com que Corcunda de Notre Dame pareça uma adaptação verbatim do livro.

É o Efeito Gênio em ação, eles precisam ter um personagem que faça essas referências modernas, e eles tem Phil (que se substituíssem pelo Danny DeVito vestido de cabra eu não veria diferença), que é o treinador de heróis e que faz aquelas piadas rápidas que às vezes tu não pega de primeira.

Agora, pra ser justo, ele não é um personagem ou ator do mesmo calibre de Gênio/Robin Williams. Ele não fica fazendo imitação de gente famosa da época, ou não faz explicitamente referências e piadas e termos e frases dos anos 90. Ao invés de ter um personagem pra fazer referências modernas, esse trabalho é do mundo em que eles habitam.


Hércules se passa em um mundo que funciona virtualmente como o nosso, mas é todo baseado na Grécia antiga. Por exemplo, Thebes é basicamente New York, com a correria, taxistas mal-educados e aborrecidos, tem o apelido de "Grande Azeitona" assim como a "Big Apple" (já que Thebes era famosa pelas azeitonas ou algo assim sei lá), e com os habitantes comuns, como o cara que aparentemente é um flasher exibicionista mas na real tá vendendo relógios; ou o cara seminu que se cobre com uma placa de "O FIM DO MUNDO ESTÁ PRÓXIMO" e apregoa o lançamento de Malévola 2.

Isso sem falar que os heróis são tidos como atletas do nosso mundo. Ao menos nosso mundo nos anos 90, onde as propagandas eram mais legais. Hércules mora numa mansão com no mínimo 4 jardins, tem propaganda do Air-Herc, de bebida na praia, e até o pergaminho "Bunda de Bronze", que eu tenho certeza que é referenciando algum livro do ARNOLDO ESUASNEGA e cujo título "Buns of Bronze" eu não consegui traduzir direito.


E o filme todo tem um tom mais de comédia. O pacing, o ritmo, as músicas, tudo tenta ser mais divertido, mesmo quando tá desenvolvendo os personagens. E eu genuinamente aprovo, na maior parte do tempo funciona. Mas ainda assim... é uma bagunça.


O tom do filme muda constantemente e drasticamente; temos momentos dramáticos e genuinamente tristes, pra logo em seguida ter alguma piada boba e rápida, pra voltarmos pro triste e sério. É estranho demais.

Mas eu, particularmente, não me importo com essa mudança de tom. Eu realmente não faço idéia do motivo, mas provavelmente são os personagens.

Eu gosto do Hércules, gosto da Meg, gosto do Hades e... das Musas...
...é, só.
...eu realmente não tenho muito argumento pra defender, mas vamo lá.



Hércules é um personagem interessante, mas mais pela perfomance do que pelo personagem em si. Ele é simpático, jovem, faz besteira, mas consegue sucesso e ainda assim não consegue seus objetivos. Isso porque ele tem objetivos e necessidades que não se complementam. Ele quer ser um herói pra voltar pro Olimpo, pra isso ele precisa descobrir o que é ser um herói. Ele é adorado pelo povo, salva a galera, faz boas ações, tem bonequinho, mas ainda assim, não é um herói. No final, ele descobre que ele precisava colocar os outros acima dele mesmo pra ser um herói... ou algo assim.

Mas isso nunca é explicitado, no sentido de que Hércules não necessariamente aprendeu uma lição, ou corrigiu uma falha. Ele já era o Mr. Nice Guy no começo do filme, e termina sendo essencialmente o mesmo cara, só que bombado e com uma lição de vida aprendida. E eu nem digo que ele precisava ser um babaca como Kuzko, mas o mesmo desenvolvimento poderia ser mostrado de outra forma, ou talvez só intensificando algumas das filosofias dele enquanto herói.

Vemos que depois que ele atinge fama, sucesso e status ele dá piti com o Phil perguntando qual o propósito disso tudo. Eu não sei, do jeito que tá eles conseguem passar a mensagem que querem, mas o personagem em si não tem esse crescimento muito nítido, que é um ponto contra. Quando vemos os heróis com falhas, podemos nos ver nessas falhas, e ao vermos eles superando isso aprendendo a mudar, de certa forma podemos ser motivados a mudar também.


Outro ponto que o filme falha é em estabelecer uma rivalidade entre Hércules e Hades. Passamos o filme todo com Hades, e ele é um vilão divertido, fala rápido e usa palavras específicas que nem um advogado ou empreendedor ou agente de pirâmide. Mas também pode ser ameaçador quando precisa ou quer.

E durante todo o filme vemos Hades sabotando Hércules e falhando miseravelmente a um nível que o qualifica pra ser vilão de Super Sentai. Mas nunca vemos Hades e Hércules estabelecendo uma inimizade ou rixa até o terceiro ato. Se PELO MENOS Hércules soubesse da existência de Hades (já que ele é seu tio, segundo a série animada) e ele não se apresentasse como vilão mas no final veríamos Hércules juntando as peças e "waaaaaaait a minute YOU'RE THE BAD GUY", seria mais satisfatório do que o produto final.

Quando tiver um remake live action de Hércules provavelmente veremos algo assim.

Não ajam como se não soubessem, mais cedo ou mais tarde VAI acontecer e provavelmente vai ser uma desgraça que vai nos fazer apreciar muito mais o original, por mais falho que seja.


E Meg é a melhor personagem do filme e a melhor Princesa Disney. Meg é uma personagem fantástica pra um filme familiar: ela tem um problema que não é muito tocado em filmes do gênero (como desistir de relacionamentos por medo de ser traída após fazer um sacrifício; literalmente, nesse caso), e vemos como ela progressivamente muda suas crenças, dá outra chance, e tenta mudar a si quando percebe que o que tá fazendo é errado.

No caso, sendo a advogada do diabo.
Ou mensageira, sei lá


Eu consigo me identificar muito mais com Meg e seu desenvolvimento do que com o personagem título, e lembremos que ela se sacrificou pelo herói, que é uma grande prova da mudança de caráter dela. Só que dessa vez ela tem retorno disso, já que Hércules se sacrifica por ela também, sem saber que esse ato o tornaria imortal.

...wait a minute.

...

Se o Hércules tinha que se sacrificar por alguém pra se tornar novamente um deus do Olimpo... e Meg se sacrificou por Hércules... Presumindo que todos os deuses do Olimpo tiveram que fazer alguma prova do tipo pra se tornarem deuses, então isso tornaria Meg AO MENOS uma semideusa, não? Foi o sacrifício dela que fez com que Hércules voltasse a ter a superforça e salvasse os deuses e impedisse o plano de Hades. É uma atitude tão nobre quanto de Hércules, ela não deveria ao menos ter algum posto de importância?

Oh well, ao menos ela se casa com Hércules, o filho do rei do Olimpo, que é tecnicamente realeza, logo ela é princesa E realizou um ato de bravura E tem uma personalidade e backstory de fato relevante, identificável e com alguma moral.

Ao contrário daquele desperdício de celulose e tinta guache que é a Aurora.

AURORA NEM É GENTE E EU VOU DEFENDER ISSO ATÉ O FIM DA MINHA VIDA


Ok, mesmo com o filme tendo tanto problema, porque raio eu gosto tanto dele? Os personagens são meio mal planejados, o tom do filme é inconstante, e a narrativa tem problemas básicos. O que torna ele tão divertido?

Sei lá, provavelmente tudo na primeira camada.


A direção de arte é sensacional, as músicas são divertidas, e o filme em si tem referências mitológicas conhecidas, mas faz uma mistura com cultura pop americana que funciona quase como uma sátira, que por algum motivo, é divertido de ver e não soa clichê nem forçado. O mundo deles é baseado nisso, logo não soa fora de lugar nem forçado.

A ação é divertida (em especial a sequência com a Hidra, que é uma das poucas vezes que a Disney mostra sangue, mesmo que seja de outra cor; e que foi censurado em Kingdom Hearts porque motivos), a comédia e comicidade são divertidos de ver; e o final é tão bem fechadinho e satisfatório que eu não consigo evitar a não ser sorrir de leve feito bobo. Eu aprendi a me importar com esses personagens, e torcer por eles, e ficar feliz por eles. É simplesmente um filme insanamente divertido.

Em resumo: Hércules é um filme sobre Superman infinitamente melhor que Homem de Aço.


E se tudo der certo, semana que vem, a última parte da Renascença Disney, fechando essa leva de resenhas.



***
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4 comments

  1. +Kapan, gostei bastante da resenha dessa semana!

    Sim, eu entendi a referência do Boomer vai viver (Nostalgia Critic).

    Quando estava lendo a resenha na parte do filme Hércules, lembrei de um personagem da DC Comics chamado Shazam (anteriormente conhecido como Capitão Marvel). S de sabedoria de Salomão, H de força de Hércules, A do vigor de Atlas, Z do poder de Zeus, A da coragem de Aquiles e M da velocidade de Mercúrio! Seria interessante um crossover entre esses dois personagens (até porque, a maioria dos poderes desse personagem são oriundos dos deuses do Olimpo, o que caracteriza uma certa semelhança entre Hércules e Shazam.

    Mas o melhor de tudo será um crossover entre Hércules, Shazam, Mulher-Maravilha e os Novos Deuses, que surgiram devido a morte dos Velhos Deuses, ocorrida no arco Ragnarok, das revistas do Thor.

    Só imagine várias figuras mitológicas em um único filme: Hércules, Shazam e a Mulher-Maravilha (na cronologia dos Novos 52, ela é a filha de Zeus e em alguns casos, as amazonas tiveram um arranca-rabo gigantesco com Hércules) representando os deuses gregos (aqui nesse contexto seria os Velhos Deuses) e Sr. Milagre, Grande Barda, Órion e Pai Celestial (Izaya) de Nova Gênese e Darkseid, Vovó Bondade, Virman Vundebarr e Kalibak de Apokolips, no caso, os Novos Deuses batalhando entre si!

    Obs: se possível, poderia resenhar junto com a sua assistente do blog que gosta de quadrinhos, a Hq Crise Final, que pega toda a mitologia dos Novos Deuses criada pelo Jack Kirby e eleva a um novo nível (garanto que você não vai se arrepender)!

    No mais, aguardo resposta!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado1

      Pior que eu tenho quase certeza que a DC também tem sua versão de Hércules... que eu acho que seria um trabalho desgraçado pra fazer um filme, ia ser o caos pra marketear e fazer o filme diferente de outras interpretações do mito. Isso porque eu não vi o filme com o The Rock nem versões antigas (de cabeça eu lembro de Fúria de Titãs e Jasão, que tinham cenas em stop-motion, mas não sei se envolviam Hércules)

      O conceito de ter um herói mitológico brigando com heróis modernos é MUITO daora, certeza que já fizeram trocentas vezes nos quadrinhos mas seria interessante de ver agora num filme.

      E eu lembro da Mulher Maravilha dos Novos 52, único título que eu tive saco de ler muito. Tava uma história interessante, o conceito de Percy Jackson só que feito de uma forma mais engajada. Eu tenho a teoria de que em história assim a gente se apega menos aos personagens e mais a história em si, mas sei lá.

      Ainda ver com ela como anda a agenda dela, a gente tem outros planos que envolvem super heróis pra resenhar

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  2. +Kapan, tenho mais sugestões de pauta para o blog:

    1) Comparar os estilos literários do Dr. Seuss e do Monteiro Lobato, bem como a influência na literatura infantil que esses homens possuem em seus respectivos países;

    2) Uma lista das 10 melhores séries animadas dos últimos 30 anos (ex: Batmam: A Série Animada, Superman: A Série Animada, Liga da Justiça: A Série Animada, Liga da Justiça Sem Limites, entre outras);

    3) Comentar sobre os filmes Homem de Aço e Batman vs Superman: A Origem da Justiça e sobre toda a polêmica envolvendo a versão de Liga da Justiça com a visão do Snyder (se possível, procure no youtube vídeos falando o que tinha nas cenas deletadas desse filme, como por exemplo, um melhor desenvolvimento do personagem Ciborgue).

    Obs: sim, existe uma versão do Hércules na DC Comics.

    Aguardo resposta!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pior que eu realmente preciso ler Monteiro Lobato hauehauehauea eu li um livro dele quando moleque e só
      Se eu conseguisse achar o jogo que eu jogava quando moleque (que era mais um livro interativo) eu resenhava

      Talvez eu fale do Snyderverse no futuro, mas eu fiquei TÃO sem saco de fazer qualquer coisa com os filmes depois que eu vi BvS...

      Excluir