Next Gen


Vamos supor o seguinte cenário: a DreamWorks vai produzir um longa animado baseado nas tiras do Gaudêncio do AhNegão. Todo o trabalho de storyboard e roteiro vai ser feito no Brasil, só a animação e trabalho de marketing que será feito nos EUA.

Mas como a DreamWorks basicamente virou uma subsidiária da Netflix, o filme vai ser lançado na plataforma de streaming. E o filme embora tenha pouco a ver com os quadrinhos originais, continua fiel à sua essência e tem um design visual mais próximo dos longas americanos do que as rage comics propositalmente toscas.

Foi mais ou menos assim que Next-Gen nasceu.




A capa da webcomic
Por mais retardado que essa história possa parecer, é verdade. O filme é baseado numa webcomic chamada 7723, criada por Wang Nima. Nima é o criador do site Baozou, que a princípio abrigava rage comics. Caso você não tenha acompanhado a internet no começo de 2010, rage comics são tirinhas rápidas sobre coisas cotidianas usando desenhos propositalmente toscos e universalmente compreensíveis, geralmente representando emoções únicas.

Ao contrário do que o degenerado do Cauê Moura vá cantar, não, o nome daquilo não é “meme”. Tampouco “meme” é só “piada de internet”. É uma informação que se propaga com força própria, pelo boca a boca, tal qual lendas, fofocas, ou cultura de um modo geral.
Mas eu divago.


Baozou com o tempo se expandiu pra vídeos (tanto live actions como animações em flash e stop motion), aplicativos, e aparentemente também fazem filmes. Pelo que eu entendi, hoje o site funciona mais ou menos como o Cheezburger, num formato mais colaborativo.

Em algum momento alguém achou que seria uma boa idéia fazer um filme baseado nessa webcomic sobre um robô que tem que escolher que memórias apagar e que memórias guardar. O roteiro ficou a cargo do próprio Nima e dos diretores Joe Ksander e Kevin Adams. Kevin já trabalhou em filmes como Hércules, Nova Onda do Imperador, Tarzan 2, Nem que a Vaca Tussa e Fantasia 2000. Joe tem em seu currículo filmes live action que usavam SFX, como Crônicas de Nárnia, Pacific Rim, Transformers 16: Bundas Explosivas, e... Zé Colméia: O Filme. Porque todo mundo tem conta pra pagar.

Mas foi durante a produção do filme 9 que eles se conheceram, e esse filme é a estréia dos dois como diretores, que até aqui só trabalharam no departamento de animação. A produtora executiva, Olivia Hao, chamou os dois pra ajudar a escrever o roteiro, e aparentemente eles tavam com problemas de comunicação. Culturas diferentes, etc. Até que ela perguntou como fariam se fosse um filme do jeito deles, e assim eles se tornaram diretores de Next Gen.


O filme trata sobre uma guria chamada Mai, que após seu pai abandonar o lar, iniciou uma fase rebelde em sua vida; e como vivemos em “Blade Runner Feliz”, sua mãe acaba tentando preencher o vazio deixado por seu marido com robôs domésticos da Apple. Digo, Apple. Digo, Apple. Digo, Grande Empresa Millenial de Tecnologia Genérica.

Porcausa disso, Mai odeia robôs e como eles tão incluídos em tudo em sua vida, como miojos, escovas de dente, portões e a caixa do correio. Sua mãe a arrasta pro lançamento da nova geração de robôs domésticos pelo CEO da empresa, Steve Jobs de Coque Samurai. Mai se perde propositalmente de sua mãe e acaba encontrando um robô diferente dos outros, que ainda não foi lançado. Mas no tumulto ela perde sua mochila e o robô resolve devolver pra ela, e Mai percebe que talvez possa usar o robô pra se vingar de bullies na escola. Enquanto isso, o robô precisa apagar memórias toda noite pra não sobrecarregar seu sistema e pifar. O que vai ser um problema, já que Steve Jobs de Coque Samurai tem um plano DUMAL com a nova geração de robozinhos caseiros.


Eu já ia resenhar esse filme quando abri o RARB... digo, quando eu fui na minha... uh... locadora... virtual... sim, isso. Pra baixALUGAR, alugar Vida de Inseto pra continuar o Legado de Tio Walt. E eu vi o pôster, gostei do visual, e baixei. Pouco tempo depois, o PanPizza fez um vídeo sobre o filme, e só então eu fiquei legitimamente curioso em ver. E não fui decepcionado.
...sim, tem na Netflix BR. Eu baixei porque foi impulso do momento, talvez não tivesse e eu preferi garantir. Enfim.

A história pega vários elementos familiares, especialmente de filmes como Big Hero 6 e Gigante de Ferro. E se tu não conhece Gigante de Ferro, pare imediatamente o que está fazendo e VÁ ASSISTIR GIGANTE DE FERRO. É uma pérola da animação dirigida por Brad Bird (o cara de Os Incríveis e Ratatouille; vamos esquecer Tomorrowland, ok?) e que merece ser vista e revista.

A menos que tu esteja lendo isso no ônibus ou metrô ou na sala de espera do dentista. Nesse caso guarde o celular pra não ser roubado.


Mas ao contrário de um filme raso, Next Gen não tenta fazer o mesmo trope de “esconder algo difícil de esconder usando comédia pastelã/disfarces”; Mai é uma guria esperta e com outras necessidades. Tipo de treinar o robô pra se vingar de bullies e de todos os robôs, causando destruição e pânico por onde passa. Todo adolescente passa por uma fase assim né.

...né?

Mai é uma personagem identificável, tu consegue entender a dor que ela passa ao perder o pai dessa forma. Ela foi abandonada por ele, mas não quer que ele morra ou algo assim: ela quer ele de volta. Ela sente saudade e quer que a vida volte a ser o que era antes. E esse dilema é o que a aproxima de 7723, que é usado como analogia pra ela superar o passado e seguir em frente.

O robô em si é uma das melhores coisas do filme. Ao contrário de Baymax, ele tem uma personalidade mais definida, mas com essa base ele consegue te passar mais emoção.


Ele é simplesmente um robô com uma AI hiper desenvolvida, o que permite que ele aprenda coisas novas e desenvolva uma personalidade. Mas no fim do dia, ele ainda é um robô com limitações de sistema. Ele tem uma personalidade gostável e até meio humana, e tu não percebe de primeira, mas ainda é uma personalidade falsa.
Mas isso nos permite nos aproximarmos dele, ver que há de fato um crescimento no personagem, e ele termina o filme diferente de quando começou. Ok, não literalmente, mas a forma que o filme termina era necessário pra que Mai pudesse crescer junto dele.

E ela cresce, e é satisfatório, e a mãe também aprende a lição. De uma forma muito óbvia e relativamente forçada, mas vai saber o que acontece depois de um trauma desses. Às vezes o sujeito precisa levar uma mãozada pra cair em si.
Alguns momentos do filme são bem óbvios no que tenta fazer, mas os personagens são tão cativantes que não dá pra não gostar.


Agora, cês me conhecem há algum tempo, sabem que eu gosto de ver coisa que visualmente saia um pouco do padrão. Tem uma ou outra coisa na Netflix que eu preciso ver ainda, porque eu tenho minhas prioridades, como Clone Wars e Elena de Avalor. Mas eu gosto de ver coisas com estilos diferentes, como Kubo ou Tout en Haut du Monde

Next Gen à primeira vista parece muito genérico. Mas se tu parar pra analisar, ele tem algumas particularidades. Por exemplo, os robozinhos lembram muito a EVA de Wall-E, mas os olhos e boca deles são feitos mais pra lembrar aquelas telas de LCD quadriculadas usada em Tamagochis; e os personagens embora tenham um estilo bem próximo do que a Disney tem feito desde 2010, eles também tem uma carga forte do estilo oriental. Passa um tempo vendo artes originais no Pixiv ou nos boorus da vida que tu vai entender bem.

E a estrutura dos personagens é um pouco mais cartunesca que os da Disney costumam ser, que geralmente são sim cartunescos, mas pendem um pouco pro realismo, pra tornar aqueles personagens visualmente atraentes. Aqui eles são um pouco mais geométricos, e funciona.


E o design futurista mas não-depressivo funciona bem. É literalmente Blade Runner Feliz, como a produtora descreveu. É cheio, a tecnologia faz parte intrínseca da vida dos habitantes, mas não é sombrio, o que é algo que já é batido demais. E mesmo sendo tão avançado no futuro, ainda tem elementos comuns a nós, como as casas que ainda são bem tradicionais em termos de localização e até um pouco na arquitetura.

Aliás, o filme todo é feito no Blender. É, aquele programa de modelagem e programação de jogos que é semi-gratuito até onde eu lembre. O mesmo programa foi usado pra fazer Mineirinho Adventures
Já dizia John Lasseter, "não é a ferramenta que faz o filme, e sim os artistas".


O uso do Blender justifica o orçamento do filme ser ridiculamente baixo, aproximadamente 20 milhões de dólares. Os longas recentes da Pixar chegam na casa de 200 milhões brincando. A animação toda foi feita no Canadá, por um estúdio chamado Tangent que até agora só fez um filme em co-produção com a Espanha, chamado Ozzy.  Pelo trailer parece fraco, tanto em roteiro quanto em animação. Mas justificável, primeiro filme dos caras usando um programa pouco usual pra filmes.

E o filme vai ser distribuído pela Disney/Buena Vista.

Disney é a verdadeira Mão Invisível do Mercado.


Mas o grande trunfo de Next Gen é a história e sua moral. Gigante de Ferro tratava sobre bravura e dever de fazer a coisa certa, e Big Hero 6 tratava de firmar a Marvel como subsidiária da Disney. Next Gen trata sobre valorizar boas memórias, e de superar traumas. E funciona fantasticamente bem, pra um filme-família. Não é uma fórmula mágica que vai resolver tudo, mas traz um excelente conceito.

E a forma que eles fizeram é matadora. Durante uma luta no clímax (que aliás é sensacional e 10 vezes melhor que seja lá o que Big Hero 6 fez; até o plot twist é feito de uma forma melhor elaborada), o robô vai passando a moral pra Mai, tentando dizer coisas importantes pra ela, e ele tá à beira da morte lutando contra o... chefe final, e tu já sabe como vai acabar e o filme vai te apunhalando pouco a pouco.

Mas o final é heartwarming e satisfatório, do jeito que Don Bluth ensinou tantas vezes.


Next Gen é um filme único. Seu visual é meio clichê a princípio, mas é simpático e criativo. Sua história parece ser batida (com similaridades a Big Hero, Wall-E, Eu Robô, e Gigante de Ferro), mas há uma mistura de elementos novos e peculiaridades que tornam tudo uma coisa única e não muito vista em filmes mainstream do tipo.

É um filme tocante, bonito de ver, narrativamente fácil de acompanhar mas com surpresas interessantes, e insanamente divertido. E mesmo que não tenha praticamente nada a ver com o quadrinho original, ao menos ainda mantém a essência do plot. Ao contrário de crimes ambientais como Bela e a Fera e Riverdale.
Ou talvez ele tenha, talvez nunca saibamos porque não tem como ler o quadrinho em inglês.

Enfim, Next Gen é basicamente Big Hero 6, só que bom. Se ainda não viu, vá ver, vale a pena.
E veja Gigante de Ferro também. Eu nem sei se tem na Netflix, mas vez ou outra passa no TCM.

TCM ainda existe ou minha operadora que tirou do ar, aliás? Nunca mais eu achei o canal de novo.


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4 comments

  1. =Kapan, tenho que te contar algo:

    Acabou de sair o segundo trailer do filme Mary Poppins Returns e está um primor de qualidade!!

    Fiquei pensando aqui nos nomes de outras atrizes que poderiam interpretar a Mary Poppins (depois pesquise sobre cada uma no google e dê o seu parecer entre as que eu mencionei, qual se aproximaria do perfil de Mary Poppins):

    1) Gwendoline Christie (Brienne de Tarth de Game of Thrones);
    2) Gal Gadot (Mulher-Maravilha atual);
    3) Rachel McAdams (a namorada do Dr. Estranho em seu filme solo);
    4) Alicia Vikander (a nova Lara Croft);
    5) Katheryn Winnick (Lagertha de Vikings).

    Obs: ao meu ver, caso os diretores do filme Mary Poppins Returns quisessem colocar o ator Michael Rooker (o Yondu de Guardiões da Galáxia 1 & 2) nesse filme, eu faria assim.

    Na cena final quando a Mary Poppins está se despedindo das crianças, a porta da casa dos Banks se abre com uma fumaça bem clara e dessa fumaça aparece o Yondu dizendo "I'm Mary Poppins Y'all", com os pais das crianças, as crianças, os empregados e a própria Mary Poppins (principalmente ela) olhando para o que acabou de acontecer com surpresa e daí o filme acaba, dando o gancho para uma continuação.

    No mais, aguardo resposta e continue com os ótimos artigos!

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    1. EU VI
      Pela primeira vez em anos eu consegui me empolgar com um trailer, sensacional. Eu lacrimejei quando vi desenhos 2D, sério.

      O problema é que o pré-requisito pra ser Mary Poppins (ou Bert) nos filmes ou Broadway, até onde eu sei, é que eles sejam nascidos britânicos. É uma exigência da PL "Amarga" Travels depois do Grande Parto Pra Fazer Mary Poppins. É complicado, tinha rumores que a Anne Hathaway seria Mary mas... Né.

      Also, essa cena seria engraçada num material bônus, e só. E talvez algo diferente funcione melhor, como Yondu chegando no final do filme e ninguém entendendo nada, talvez uma fala engraçadinha das crianças.

      Eu tenho quase certeza que vai ter uma esquete do SNL baseada nisso, aliás.

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  2. +Kapan, torço muito para que esse filme seja além de uma grande homenagem ao original, uma continuação digna, no mesmo nível de O Poderoso Chefão 2 e Guerra nas Estrelas: O Império Contra Ataca, segundo muitos críticos de cinema, as melhores continuações cinematográficas já feitas.

    A trilha sonora (não confundir com as canções oficiais do filme) tem de marcar o público de maneira definitiva, de forma semelhante a que a trilha sonora do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço e a trilogia do Senhor dos Anéis, de forma que a primeira coisa que vier a cabeça quando lembrar dessas músicas de fundo, for esse filme.

    Ouso dizer que, caso esse filme vá muito melhor do que as expectativas, pode acabar sendo considerado o melhor filme infantil/fantasia dos últimos 30 anos, talvez emocionando tanto quanto o filme do E.T.: O Extra Terrestre.

    Obs: existe algum impedimento para situar uma continuação de Mary Poppins Returns nos anos 1980, com todas as referências dessa década possíveis (ex: o Bert dirigindo a Super-Máquina, a Mary Poppins experimentando os cortes de cabelo e o vestuário da década e as crianças ao entrar em um desenho na rua, acabam parando em Greyskull em uma das várias aventuras do He-Man e da She-Ra)?

    No mais, continue com os ótimos artigos e aguardo resposta!

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    1. Eu digo mais, o filme precisa ser ao menos no mesmo nível do original, que já estabelece um nível muito alto em todos os sentidos. Vai ser difícil, mas com esse último trailer tou botando mais fé.

      O design de produção parece que vai seguir mais o que a Disney vem fazendo nos outros remakes, mas eu não consigo dizer o quão ruim isso seja. Eu gosto bem mais do design de produção do original, cenários de cores muito vívidas, sets realistas mas sem exagerar em detalhes visuais. Returns parece mais triste, melancólico, cores frias. Talvez isso até reforçe a moral e a história, sei lá.

      Mary Poppins nos anos 80 só funcionaria numa esquete do College Humor auehauehaue

      Also, outra coisa que eles absolutamente precisam ter em mente em Returns: Mary Poppins é misteriosa e deve permanecer assim. Não respondam perguntas que não queremos resposta.

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