O Legado de Tio Walt - parte 15: Profundidade
Se não leu o artigo anterior,
clique aqui.
Ou
clique aqui
para ir pro começo da série.
Uma nova era começava na Walt Disney Company. Com Michael Eisner fora de cena,
seu sucessor, Bob Iger, agora teria sua chance de brilhar, mostrar a que veio.
E ele começou reconstruindo pontes antes de serem queimadas.
A princípio, Steve Jobs voltou a conversar com a Casa do Rato, porque algumas
pessoas simplesmente carregam um rancor maior que Robin Williams carregou (você lembra disso). Ou talvez fosse uma estratégia do Trampos pra forçar a mesa de diretores a
chutar Eisner, vai saber.
O fato é que Eisner já estava dando sinais de cansaço corporativo, talvez
sendo engolido pelo monstro que ele mesmo criou, algo que ficaria ainda maior
e mais ingovernável nos próximos anos.
Mas, por enquanto, temos filmes programados pra lançar. A Pixar continuava
sendo a galinha dos ovos de ouro da companhia, o que poderia ou não ser
prejudicial pra Disney Animation, que mostraria uma influência corporativa
ainda maior, perdendo o posto de jóia da coroa pro novato com mais energia e
mais sustança, igual o frango Dudico.
O pior é que, graças a Chicken Little, a Disney Animation já começou a fazer
filme em 3D igual a Pixar, então… ficou aquela coisa esquisita. Eu vivi essa
época de transição, e a diferença gráfica entre os dois estúdios sempre foi
muito clara pra mim, até o momento que a Disney começou a fazer animação 3D
também e agora tudo parece uma coisa só.
Ainda ia levar um tempo pros dois estúdios se entenderem, mas até lá, vamos
vendo como as coisas andam.
Ou se dirigem.
Carros (2006)
A proposta da Pixar sempre foi diferente da Disney, e fora o fato de ser
computação gráfica e não 2D tradicional, era uma das coisas que diferenciava
da Casa do Rato. Claro, tem o fator “e se X tivesse sentimentos?” que é uma
punchline recorrente e ainda usada pela Pixar até hoje, com Elemental. Os
únicos que escapam desse clichê que eu lembre são Onward, Turning Red, e Soul.
Carros é um dos filmes mais pessoais que o estúdio já fez, sem levar pro lado
tão específico a ponto de ser um filme autista onde ele só faz sentido e só
importa na cabeça de quem fez, como
Turning Red. Pelo
menos Elemental parece ser um retorno maior a essas raízes, mas Carros é um
primor de exemplo do melhor uso dessa filosofia da Pixar.
Ratatouille seria o melhor, mas me adianto.
Caso você seja um porco imundo herege que reclama da aba Jobs do eX-Twitter e
nunca tenha visto a obra-prima de John Lasseter, Carros conta a história de
Relâmpago McQueen, um carro de corrida atrevido, egocêntrico, narcisista, cuja
única ambição na vida é vencer a Copa Pistão, que deve ser o equivalente à
Copa do Mundo num mundo onde não existe Rocket League. Ou talvez seja o
equivalente do mundo Pokémon, que tudo gira em torno das competições do
elemento em abundância no mundo.
Design de mundo é um trabalho ingrato às vezes.
Após um empate com outros dois veteranos, um desempate é marcado na
Cawifoonia, quando ainda não era tão suja e cheia de mendigos quanto o Centro
de Fortaleza. Porém, Montgomery McQueen acaba se perdendo no meio do caminho e
acaba indo parar em uma cidadezinha no meio do nada chamada Radiator Springs,
na Rota 66.
Sim, o nome real do Relâmpago McQueen é Montgomery. Tem em uma adaptação
novelizada de Carros 3.
A propósito, a bandeira da Califórnia aqui tem um urso do nosso mundo.
Eu só queria notar isso antes de prosseguir.
Só que Monty não só foi parar em Pirapora do Passa-Quatro, ele ainda acabou
destruindo parte da rodovia principal, e foi sentenciado a consertar a estrada
antes que pudesse ir embora. Nisso, ele é forçado a ficar um tempo na cidade,
treinar pra grande corrida final, e acaba fazendo amizade com os locais e
aprendendo a desacelerar a vida.
Trocadilho intencional.
Uma das regras quando se escreve uma narrativa, é que cada diálogo/cena precisa avançar a história, ou mostrar algo sobre um dos personagens. Desse jeito, evita-se que a história se torne monótona ou pointless tal qual um filme da GoodTimes. Carros é basicamente um filme sobre a segunda alternativa.
O grosso do longa pouco avança a história, mas conta muito sobre os
personagens, não só o protagonista, mas os habitantes de Radiator Springs. É o
que a gente chama de ensemble, cada um tem características identificáveis,
gostáveis, únicas e tem sua chance de brilhar. Isso é reforçado a cada momento
onde os personagens reagem ao novo visitante, com diversas reações e
desenvolvimentos ao decorrer da história, de repulsa, tirar sarro, aproximação
cautelosa, até chegar na amizade real.
Isso é reforçado de maneira extremamente sutil pela fotografia do filme, cuja
paleta de cores, ângulos de câmera, e o foco em certos aspectos muda no
decorrer do filme à medida que a cidade e McQueen começam a se aproximar
mutuamente. E também não é algo tão rápido, alguns personagens tem mais
facilidade de simpatizar e ajudar McQueen, enquanto outros demoram um pouco
mais.
Esse é um dos grandes projetos pessoais de John Lasseter, que une suas duas
grandes paixões e os dois lados de sua família. Sua mãe era uma artista, e seu
pai vendia peças de carro numa autorizada da Chevrolet. Por isso, a atenção
aos detalhes é algo fantástico, e deve ser extraordinário pra quem gosta de
carros.
Eu acho. Eu não sou ligado em carros de maneira geral, então eu não saberia explicar metade das piadas nem se o modelo do Fiat Thunder 1978 ou seja lá como se chame tá fidedigno ao original.
Mas dá pra ver o nível de cuidado e detalhes nos documentários de making of,
onde eles entrevistam e consultam não só experts em carros de corrida, mas
narradores, diretores de transmissão de eventos, e até o maior historiador da
Rota 66.
Nunca fui de gostar de carros, meus HotWheels favoritos sempre eram os mais
engraçados, fora do comum ou cujo design era futurista demais. Eu tinha pelo
menos dois carros cujas rodas traseiras eram cartunescamente maiores que as
frontais, um gárgula, o Batmóvel de 89, e um que parecia um vírus de Megaman
NT Warrior. Fora meu apreço pela série da Majorette baseada nos heróis da
Marvel, da qual eu tinha o
Hulk.
Tinha alguns que eram mais comuns, mas porque minha mãe mesmo escolhia alguns
pra me dar na época que eu fazia Kumon e era uma absoluta tortura pra mim em
todos os sentidos possíveis. Receber um Hot Wheels (que na época custava
míseros 5 reais) era um verdadeiro presente que compensava todo o labor
análogo à escravidão.
Ainda assim, Carros era um dos filmes que eu mais gostava quando moleque, a
ponto de eu ir no cinema assistir e ter um diecast do McQueen que até hoje
senta na minha mesa, porque não se fazem mais diecasts de Carros, por algum
motivo.
Digo, até fazem, mas não vou gastar 50 conto num carrinho.
Sim, eu sempre deixo ele junto da Sally, mas ela é de plástico e veio num ovo
de páscoa, na época que ovos de páscoa tinham brindes legais.
Pelo amor do Roberto Figueiroa, que época desgraçada que vivemos.
Com isso dito, o que eu gostava da parte estética de Carros era… a estética. A
iconografia de corrida é algo que me atrai muito, as logos e uniformes,
principalmente. Não sou um grande conhecedor, mas sempre que vejo uma camisa
de manga longa com algo escrito ao longo da manga, eu já acho daora, assim
como os uniformes civis de Go-Onger.
E não só isso, o aspecto rural americano é algo que evoca uma nostalgia muito
forte e estranha, tal qual o japão dos anos 80.
Talvez não tanto o rural puro americano, mas esse rural Americana, de cidades
do interior que evocam um aspecto de velho oeste mas com um avanço tecnológico
claro. Fora o aspecto de uma cidade que parou no tempo, nos anos 50-60 e que
preserva placas, prédios, e até um pouco da cultura daquele tempo. Tudo isso é
parte primordial da identidade de Carros, e ajuda a criar essa aura que evoca
a mensagem principal do filme.
Algo que John Lasseter sentiu na pele.
Se você leu as outras partes dessa mesma retrospectiva, sabe que John Lasseter
sacrificou muita coisa pra fazer a Pixar funcionar e se erguer, desde dormir
no escritório e passar o dia animando até ter que refazer Toy Story 2 quase do
zero. Fora o lance do backup numa época que não existia a cultura de fazer
backups tão forte quanto hoje.
E sim, o backup que resgataram era da versão que acabaram descartando, mas
ainda assim, o estresse deve ter sido grande.
Depois de Vida de Inseto, a mulher de Lasseter fez ele tirar umas férias e
voltar a ter um ritmo de trabalho normal de gente normal, porque a produção e
o tour de Vida de Inseto tomou muito tempo e energia de Lasseter, e ele
realmente precisava de uma pausa e não a teria, a menos que a patroa tivesse
forçado. Quando ele voltou pra Toy Story 2, tava uma bagunça misturada com
desespero, que novamente o obrigou a tomar as rédeas do filme.
Depois de Toy Story 2, ele fez uma road trip com a família porque a sua esposa
disse que um dia seus filhos estariam indo pra faculdade e ele não teria
aproveitado o suficiente. Alguns relatos soltos fazem soar como se ele tivesse
feito a road trip depois de Vida de Inseto, mas eu creio que tenham sido dois
momentos diferentes mesmo, mas wathever.
O importante é: John já queria fazer um filme sobre carros desde os anos 90,
quando a idéia era sobre um carrinho amarelo movido a gasolina num mundo de
carros elétricos.
Mas, depois da road trip com a família, sua idéia mudou. Sua perspectiva
mudou.
John era tal qual McQueen, muito focado na carreira (trocadilho
não-intencional), e em ser o melhor, e num ritmo frenético sem pausa, só que
sem a arrogância característica do personagem, porque não é um filme de
esporte com arco de redenção se o protagonista não for um big-shot arrogante
forçado a ser humilde.
Mighty Ducks, A Hora da Virada, Um Toque no Coração, e Doc Hollywood tão aí que não me
deixam mentir.
Sim, medicina é um esporte. Se golfe pode ser considerado um esporte, fazer
uma cirurgia nos pâncrea também é.
John vivia na velocidade, não de corrida, mas do trabalho. Produzindo filmes, organizando artistas e mentorando-os, além de co-supervisionar a Pixar de maneira geral, e fora as brigas políticas com a
Disney que deviam acontecer de tempos em tempos. Essa road trip o ensinou a
apreciar a vida com mais calma, viver mais devagar, tal qual McQueen. E pelo
andar da carruagem (HA!), Carros parece ter uma mensagem que deveria ser mais
vivida hoje: toque grama.
Ou areia, sei lá.
Eu gosto muito de Carros. Talvez não seja objetivamente o melhor filme da
Pixar, mas tá tudo bem, não precisa ser o melhor. Só precisa ser divertido e
agradável, e John Lasseter consegue, nesse filme, passar uma experiência de
vida pessoal de maneira lúdica, prática, emocional e divertida, ao invés de
ser antagônica e absurdamente específica sem se importar com quem vai
assistir, como aconteceu em Turning Red.
Pelo menos Soul e Luca também seguem o nível de personalização e qualidade que esperamos da Pixar.
E John Lasseter teria MUITO com que se preocupar. No futuro. Mas, no presente,
Michael Eisner.
...
Michael Eisner teria muito que se preocupar. Digo, teve, no passado, porque ele foi chutado em 2005. Acho que não ficou claro. Enfim.
Como a maioria de vocês deve estar careca de saber (HA!), na época Michael
Eisner se tornou persona non-grata na própria Casa do Rato a qual ele ajudou a
construir como está hoje. Sob sua gestão, a Disney ressurgiu das cinzas, e
conseguiu seguir o legado de Walt Disney sem se perguntar constantemente “o
que Walt faria?”, cuja mentalidade estava atrasando a companhia.
Ao mesmo tempo, foi quando a Disney se tornou o mega conglomerado que
conhecemos hoje, comprando empresas e emissoras de TV e subsidiárias como
Miramax e Dimension Films.
Foi em sua gestão que a Disney lançou inúmeros sucessos, não só de bilheteria,
mas de público e crítica. Tampouco eram limitados à animação, vide os filmes
da Touchstone, Miramax, e até do próprio banner Walt Disney Pictures, que teve
alguns remakes como 101 Dálmatas e Operação Cupido, mas também filmes
originais diversos que iam de comédia a dramas inspirados em histórias reais
como Diário de uma Princesa, The Rookie, Max Keeble’s Big Move, e Remember the
Titans. Se não foram sucesso de bilheteria, pelo menos tiveram uma pequena
sobrevida em home video e reprises na televisão, que sempre ajuda o financeiro
de algum jeito.
Fora os experimentos como adaptações de rides dos parques, como
Misson to Mars,
Country Bears,
Haunted Mansion, e Piratas do Caribe, que foi o que deu mais certo do grupo.
Na televisão foi onde a Disney mais sofreu pra se estruturar direito, já que a ABC mais perdia dinheiro do que ganhava, e só foi ter algum sucesso com Who Wants to Be a Millionaire?, mas decisões criativas terríveis quase levaram a emissora à ruína a longo prazo.
A aquisição da Fox Family foi uma excelente jogada. De tabela, pegaram a Fox
Kids e a Saban Brands, que detinha os direitos de animações japonesas, Power
Rangers e similares produzidos pela Saban, fora alguns filmes produzidos por
eles tanto como Saban quanto como Libra Pictures.
Mas isso só tornou Eisner ainda mais distante de todo mundo. Não só de seus
colegas de trabalho e subordinados, mas do meio do entretenimento em geral.
Michael Eisner estava perdendo seu tino comercial e criatividade.
Por exemplo, ele deixou passar séries como CSI, alegando que ninguém estaria interessado em ver uma série policial do tipo, e ainda tirou sarro quando viu a notícia que a série, ainda jovem, já era um sucesso.
Claro, a ABC tinha Millionaire e Desperate Housewives, ambas sucesso. Mas não era suficiente pra emissora número um da América (em ordem alfabética).
Lloyd Braun era o presidente da ABC que, durante um encontro com os diretores,
pitchou a idéia de “Náufrago - A Série”, que devia mostrar pessoas tentando
sobreviver numa ilha. Alguns diretores riram, comparando a Gilligan’s Island,
uma série bem cartunesca dos anos 60. Outro diretor achou a idéia fantástica
caso fosse hiperrealista, comparando a O Senhor das Moscas.
Tudo é questão de saber interpretar uma idéia, crianças. Aprendam.
Depois de várias reescritas, ele demitiu o tal diretor, Jeffrey Lieber, que nunca soube exatamente o motivo de ter sido demitido. Ele então passou o cargo pra JJ Abrahams. Ele aprovou o piloto, o mais caro da história da emissora, o que fez que Iger e Eisner ficassem furiosos, e após uma série de discussões, demitiram Braun (outros contam que ele mesmo se demitiu).
Eisner disse que LOST nunca ia funcionar. Iger disse que era uma perda de
tempo.
O negócio já ia ser rodado anyway, a ABC exibiu como um filme pra TV, e o
resto é história.
Lloyd Braun foi convidado por Abrahams pra narrar “Anteriormente, em Lost”,
algo que foi descoberto pelo radialista e maluco em tempo integral, Howard
Stern, que era um amigo pessoal de Lloyd.
It’s a small world, after all.
Tudo isso também afetava indiretamente a Pixar e John Lasseter, e
especialmente Steve Jobs, que na época era CEO da Pixar. O contrato com a
Disney estava prestes a acabar, e era um dos motivos de eles terem adiado a
estréia de Carros, pra ver o que a Disney faria em relação a Chicken Little.
Mais do que isso, Estêvão Trampos se RECUSAVA a conversar com a Disney sobre a
Pixar enquanto Eisner estivesse no controle. Após a trágica morte de Frank
Wells, Eisner nunca mais foi o mesmo, se tornando gradualmente amargo com
todos que encontrava pelo caminho, descumprindo promessas e mostrando desgaste
criativo.
Embora tivesse tomado algumas acertadas decisões corporativas (como já
mencionei antes), uma das coisas que irritava muito o Sr. Trampos eram os
direct to video que a Disney produzia, algo que, segundo ele mesmo dizia,
minava e desgastava a marca.
Algo que os remakes recentes só agora estão fazendo, e só recentemente estão começando a sofrer da síndrome Simpsons, que pedimos "pelo amor de Deus acabe com essa franquia morta" e eles respondem "o quê? querem mais uma temporada nova?"
Produtores de Hollywood são bem mais parecidos com a Velha Surda do que você imagina.
O que prova que você pode
botar glitter num pedaço de bosta que os consoomers vão comer e achar uma
maravilha e ainda vão puxar briga com você por ter OUSADO discordar deles.
Isso e o estúdio vai acabar criando páginas e usuários falsos pra dar a impressão de que o filme obviamente ruim tem algum apoio popular, dando mais base pra teoria da Internet Morta.
Sério, já existe página de "apoio" ao Parda de Café com a Rachel "Broaca" Zegler e a Gal Gadot. É um esforço risível, eu imagino o Bob Iger tendo que salvar imagem do Pinterest em baixa qualidade pra dar veracidade ao negócio.
Lembrando que (supostamente) a Viacom fez algo parecido em sua feud contra o YouTube.
Até que finalmente aconteceu. Roy Disney Jr. (que não é Junior, mas nunca
lembro se ele é o Roy E. ou Roy O., mas é o filho de Roy, o irmão do Walt) fez
uma nova campanha Save Disney, dessa vez não a favor de Eisner, mas para
chutá-lo.
Eisner foi essencialmente impeachado, onde os acionistas votaram pela sua
demissão. Acionistas esses que não se limitavam aos figurões da bolsa de
valores e mesa de diretores, mas cada trabalhador e funcionário Disney que
recebesse ações da empresa como parte de seu salário e/ou plano de
aposentadoria. Todos eles tinham poder de voto nesse caso e a maioria votou
pela saída de Michael.
Ele acabou saindo por vontade própria, mas né.
E só com a saída dele e com a instalação de Bob Iger como CEO, é que Steve
Jobs aceitou voltar a conversar com a Casa do Rato, até vender a Pixar pra
Disney.
O momento em que Iger e Jobs se juntaram pra avaliar os prós e contras é um momento não só histórico, mas profético. Dentre os contras, Jobs listou "a cultura da Disney vai destruir a Pixar" e "distrações vão matar a criatividade".
Só faltou dizer o resultado do jogo do bicho.
Sim, eu sei, eu contei essa história no final do último artigo, mas agora eu
dei mais detalhes e contextualizei dentro de Carros, me processe.
Enfim, agora que a Disney tinha o poder do 3D em mãos, iria usá-lo… de alguma
forma.
Meet the Robinsons (A Família do Futuro, 2007)
A Família do Futuro é… um filme estranho. Em todos os aspectos.
Vamos falar um pouco de branding. O que vocês me diriam que é o branding da
Disney? Como a marca Disney™ era reconhecida nos anos 2000?
Essa é uma pergunta interessante, porque nem a Disney conseguia responder a
essa questão nessa época. Claro, eles sabiam como vender os filmes clássicos e
da Renascença, mas quanto ao futuro do estúdio… o negócio era um cavalo de várias cores.
Depois que a Casa do Rato comprou a Pixar, John Lasseter passou a ser o
presidente da Disney Animation e da Pixar Animation. Embora isso pudesse
tornar os filmes de ambos estúdios muito similares, não foi isso o que
aconteceu. Muito pelo contrário, Lasseter era um apaixonado pelo estúdio
principal, e foi um dos que lutou pra que eles voltassem a fazer animação
tradicional.
Mas isso é história pra depois.
É apropriado que Meet the Robinsons seja um filme baseado em livro, como de
costume do estúdio, mas também o autor do livro é um ex-Pixar, tendo
contribuído com artes conceituais de Toy Story e Vida de Inseto.
O estranho é que a proposta inicial é que fosse um live action a ser produzido
pela Walt Disney Pictures, e não uma animação. A gerência decidiu depois que o
filme combinaria mais como animação, e o projeto foi movido da Pictures pra
Animation.
Talvez eu seja purista demais, mas a idéia de jogarem um roteiro no colo da
Disney Animation ao invés de partir do próprio estúdio me soa errada. Nesse
caso, no entanto, foi um movimento certo, porque a Disney tinha o roteiro em
mãos e tinha que fazer alguma coisa com ele, e o melhor lugar seria a Disney
Animation. Mas ainda assim, abre um precedente estranho, talvez um sinal que
as coisas iam ficar corporativas demais no futuro. Digamos... dentro de 20
anos.
Pelo menos o autor do livro é um velho conhecido da Casa.
William Joyce é um prolífico autor e ilustrador de livros infantis. Dentre
outras coisas, ele também foi responsável por co-produzir Robôs, que
curiosamente agora está sob a guarda do Rato também. Assim como Epic, que…
também não deu lá muito retorno.
Família do Futuro é baseado em um livro dele,
Um Dia Com Wilbur Robinson, que é
bastante diferente do resultado final em vários aspectos, mas é inegável a
influência narrativa, criativa, e até estética. Dá para notar essa mesma
estética em outras obras derivadas de livros dele, como
George Shrinks.
É a nave retrofuturista, com certeza.
A história do livro é sobre o protagonista, o Menino Loiro Sem Nome, que vai
visitar seu amigo, Wilbur Robinson, onde eles são incumbidos de procurar a
dentadura do avô, e o próprio avô, e conhecem toda a família com interesses
extremamente específicos e dinheiro de sobra.
A história no filme é ligeiramente diferente. Ok, tem algumas batidas
narrativas do livro, mas ei, é um picture book, a adaptação do filme é
basicamente o que filmes baseados no Dr. Seuss fazem desde O Grinch com Jim
Carrey.
A diferença é que aqui, a história tem mais apelo emocional.
Lewis é um órfão que desde pequeno tenta ser inventor, mas suas invenções
sempre saem errado, como é de costume nesse clichê. Com isso, ele nunca é
escolhido pra ser adotado, mas nada o impede que ele tente criar uma máquina
de memórias pra ver o passado e lembrar do rosto de sua mãe.
É uma direção interessante, já que ele sabe de suas limitações e não tenta fazer uma máquina do tempo
pra voltar no passado, por exemplo.
Enfim, ele encontra Wilbur durante a feira de ciências, que tem uma real
máquina do tempo capaz de voltar no passado.
Huh.
Obviamente, mexer com o fluxo do tempo é perigoso demais, e após uma série de shenanigans eles acabam indo pro futuro, onde Lewis conhece a família de Wilbur que é
basicamente igual ao que vemos no livro, incluindo o pacing extremamente
rápido com gags visuais que não nos permitem desenvolver uma ligação emocional
com os personagens.
Mas tudo bem, porque o foco é realmente em Lewis e Wilbur
tentarem consertar a máquina do tempo pra voltarem ao passado (o presente de
Lewis), enquanto fogem do Homem de Chapéu Côco, que também quer usar a máquina
do tempo para seus fins perversos.
Eu tinha escrito brevemente sobre esse filme
antes, e agora parece ser um bom momento pra expandir com calma. Na review
original, eu meio que apressei os pontos e descrições porque… É um filme
apressado, ainda. Eu consigo entender melhor, uma vez que eu li o livro, mas
ainda assim, não deixa de ter problemas.
Não sei como raios eles poderiam corrigir, tho. O livro é idealizado pra que
cada membro da família não seja mais do que uma única coisa de cada vez, e
embora o filme tente expandir e reorganizar (no livro é o avô que comanda os
sapos cantores, por exemplo), ainda acaba com aquele sentimento de "tem alguma
coisa faltando".
Há essa tentativa de expandir com a cena do jantar, onde vemos um pouco mais
dos membros da família, do clímax onde cada um usa alguma coisa própria pra
derrotar o T-Rex. Mas ainda assim, eu sinto que talvez uma justificativa
melhor pra conhecer os membros desse uma liga a mais. Algo que ligasse com a
máquina do tempo, talvez.
No livro, os meninos vão perguntando a cada familiar se eles viram o avô ou
suas dentaduras, que é... uma justificativa. No filme, eu não consigo lembrar
bem se havia algo assim, e se havia… não foi bem explicado. Eu só lembro de
flashes e indo de membro em membro mostrando o que cada um faz, já com o avô,
inclusive.
Embora a piada com Tom Selleck seja engraçada.
Raios, verdade, tem até uma cena onde Lewis meio que revisa quem é quem e quem
faz o quê, literalmente soa como dever de casa. Eu senti algo parecido vendo
Coco, e talvez seja um dos motivos de eu nunca querer ver Loud House ou Oye
Primos.
Quando o plot não dá essa brecada brutalmente brusca, no entanto, é bastante
divertido. Os plot twists que acontecem podem ser previsíveis, especialmente
se você tem alguma experiência com histórias de viagem no tempo, mas é tudo
bem montado. E mais importante, os personagens são divertidos e engajantes.
O Homem do Chapéu Côco ainda é muito divertido, ele tenta ser ameaçador e um
grande vilão vaudevilliano, mas ele acaba sendo uma figura trágica ao final. E
só conseguimos simpatizar o suficiente com ele porque o vemos sendo um tonto
que segue ordens de seu chapéu robô.
Tudo que é criado ao redor do plot que o livro dá é interessante, é divertido,
é algo que dá gosto de acompanhar, e é basicamente o que a Disney sempre foi
boa em fazer: pegar histórias conhecidas e adaptar de uma maneira única e
preencher com elementos interessantes com uma execução divertida que vale a
pena ver onde a história vai dar.
Basta ver franquias como Herbie e
Flubber, que são baseadas em historietas de uma coletâna de crônicas de uma cidade
fictícia, mas que criaram tanta coisa ao redor da idéia principal que
conseguem existir como entidades separadas de suas fontes.
Quando eles fazem isso, é muito bom. A história e os personagens tem charme o
suficiente, e é um filme muito engraçado quando quer. É mais ou menos como A
Nova Onda do Imperador, é uma piada atrás da outra, constantemente, o que…
pode ser cansativo e te fazer querer voltar ao plot principal. Mas o filme tem um senso de humor e
timming pra certas piadas que funciona bem o suficiente na maioria das vezes, sem contar que, no final, toda a família usa suas habilidades pra conter as ameaças, então tem setup e payoff, ao menos.
Quando se assiste solto, definitivamente não é um tempo ruim. É divertido, é
engajante, tem drama, viagem no tempo, voltas e reviravoltas, e um senso de
humor competente. Quando visto no grande esquema… É notavelmente um filme
“stepping stone”.
Não é o melhor que o estúdio consegue fazer, definitivamente. A filosofia de
trabalho gerada e aprimorada pode ter se perdido um pouco ao tentar agradar
muito aos engravatados e departamento de marketing que guiam suas vidas por
gráficos. Esse é um extremo que fazia mal à Disney da época, que tentava
buscar aquele estilo próprio clássico, mas adicionando coisas novas.
Não é à toa que eles fizeram um pouco de malabarismo narrativo (considerando o
material original) pra justificar usar o quote do “Keep moving foward” de Walt
Disney. É perfeito demais, encaixa bem demais. É como se o estúdio estivesse
dizendo “é… os últimos anos tem sido meio turbulentos, mas ei, com os
fracassos, a gente aprende com eles e segue em frente”. Algo que parece ter
sido esquecido pela Disney atual… pelo menos a primeira parte.
Aprender com os erros? Pfft, isso é coisa de homem.
…essa piada talvez não faça sentido quando você ler, mas é o que a própria
Disney tem feito nos seus últimos filmes. Enfim.
E a marca registrada da Disney de usar IPs recém adquiridas junto de IPs da
casa já estabelecidas tem o seu início aqui, com um poster de Toy Story 2
aparecendo durante o jogo de basbeall. Piscou, dançou, é um detalhe bem
pequeno, mas essa marca ficaria mais forte com o passar dos anos. Big Hero 6
não me deixa mentir.
Mas sabe quem já tinha encontrado o estilo próprio que era basicamente… fazer
o que dava na telha? Eles mesmos, a gangue da lâmpada.
Ratatouille
A idéia pra Ratatouille começou nos anos 2000, partindo do diretor de Geri’s
Game, Jan Pinkava, que estava na época, como se diz, chutando a idéia daqui
pra lá. O conceito básico do rato que quer ser cozinheiro, o set da cozinha, e
até os designs de personagem iniciais surgiram com ele, que, segundo dizem
seus colegas (ou foi o Brad Bird, agora não lembro), tinha um ótimo olho pra
escultura.
Mas naturalmente, a história teve dificuldades de progredir e fluir
apropriadamente, e o projeto foi passado a Bob Petersoon, que vocês devem
conhecer como a voz de Roz de Monstros S.A. e um cachorro em um mini
documentário da ESPN sobre um time de baseball da little league. Mesmo tendo
trabalhado em outros roteiros de outros filmes da casa, o projeto seguia tendo
dificuldade, e foi em 2004, recém-saído de Os Incríveis, que a Pixar deu o
projeto pra Brad Bird.
Qual foi o processo exatamente, eu não sei, mas Brad simplesmente se apaixonou
pela idéia, e se esforçou o máximo que pôde pra fazer o negócio funcionar.
Dizer que funcionou seria um eufemismo.
A história conta sobre Remi (ou Remy, sei lá, ratos são analfabetos e não tem
registro em cartório), que tem um talento natural pra farejar comida com
riqueza de detalhes, e com isso passa a se interessar mais pelo tipo de coisa
que ele come, e não suporta o lixo que sua espécie come aos tubos.
Naturalmente, seu pai o bota como fiscal de veneno, mas Remi (ou Remy) sente
que pode fazer mais do que ser um detector de morte certa. Após uma série de
desventuras, acaba caindo em Paris, que outrora era a cidade das luzes, cidade
do amor, mas hoje é um lugar que a família de Remi está bem à vontade
passeando em suas ruas.
Mas divago.
Remi acaba no restaurante de seu ídolo, o chef Gusteau, que passa por grandes
problemas após receber uma crítica ruim de Anton Ego, um crítico culinário tão
cartunescamente exagerado que ele faria o Undertaker parecer com o o Figurante Narigudo.
A crítica ruim é suficiente pra fazer com que Gusteau tenha um
ataque cardíaco (ou algo igualmente forte e dramático) e morra, deixando o restaurante à
míngua sem saber exatamente o que fazer agora, se relegando a produzir filmes
direto-pra-vídeo e remakes que não precisavam existir pra poder sobreviver.
Digo, comida congelada e sem valor. Isso.
A partir daí, Remi acaba se juntando com Linguini, o garoto do lixo que tem
tanta habilidade culinária quanto a Chimoltrúfia tem de canto, e através de
uma série de eventos, descobre que consegue cozinhar através do magrelo
narigudo puxando os fios de cabelo como se fosse um marionete, e Remy sendo um
daqueles caras que mexem os marionetes.
Essa é uma das gimmicks narrativas do filme, que funciona tanto como comédia
física, mas também pra desenrolar o plot. E acontece tanta coisa, que eu não
conseguiria descrever tudo de maneira satisfatória. De verdade, é
impressionante como esse filme consegue juntar tanto plot e subplot de maneira
tão natural, tão fluida, que é basicamente uma aula de narrativa em tempo
real.
É como se ele tivesse quatro ou cinco atos ao invés dos tradicionais três. Um
arco narrativo acaba, outro começa, com o começo ligado ao fim do último.
Talvez seja até uma decisão ousada por parte do Brad Bird e da Pixar, mas é
basicamente pra isso que o estúdio existe. Ou pelo menos, é pra isso que ele
servia.
Deus, que depressão me bate cada vez que eu vejo no que a Disney transformou a
Pixar.
Não é um filme que se guia muito no “precisamos ter uma cena de ação aqui
senão vamos perder a atenção das crianças”, ele meio que não se importa com
esse tipo de nota de estúdio. Ok, tem muita comédia, mas não é o tipo de
comédia que criança gostaria, é um pouco mais sutil e moldado na história.
Raios, eu acho que é a primeira e única vez que vemos álcool em um filme da
Pixar, sem contar o Buzz “bêbado de chá” em Toy Story.
Aparentemente tem tequila em Coco, mas se eu lembrar de alguma coisa além dos
visuais brilhantes e de duas músicas, eu lembrei demais, então… sei lá.
Talvez se você colocar as cenas do filme organizadas em um gráfico vai poder
apreciar melhor a ordem de eventos, e como esses eventos acontecem, e o tanto
de cuidado e detalhe que é colocado. Eu sempre sou meio que pego de surpresa
quando Remi faz o café da manhã pra ele e pro Linguini, mas o humano logo vê
que estão atrasados, engole a omelete e puxa Remi consigo pro restaurante. A
harmonia entre eles não funciona, e quando Linguini começa a ralhar com Remi,
somos lembrados que Remi está com fome.
O mundo se sente mais real e verossímil com esses pequenos detalhes, e ainda
servem pra construir um relacionamento maior de camaradagem entre os
personagem. É muito bom, muito bem pensado.
Também é um detalhe legal que, entre os plots do filme, somos lembrados na
hora certa que Anton Ego existe e ainda tem uma rixa com o restaurante,
especialmente com a filosofia de Gusteau de que “todo mundo pode cozinhar”.
Temos outro arco, e quando ele aparece, não é do absoluto nada, foi preparado
antes de maneira rápida, mas marcante e eficaz.
Mas a narrativa não funcionaria tão bem se não fossem os personagens
extremamente carismáticos e memoráveis. Provavelmente poderíamos ter uma série
de curtas focando nos funcionários do restaurante, e eu tenho quase certeza
que cada curta teria alguma coisa engraçada, memorável, ou que adicionasse
algum nível de complexidade nesses personagens que, a priori, servem pra fazer
o plot e o mundo funcionarem.
São caricatos, curiosos, mas o filme também mostra que são humanos, e pelo
pouco que nos contam e mostram, dão pano pra manga pra uma eventual produção
sobre eles ser character driven.
Dentre eles, temos Colette, que pode admitir, você também era apaixonado por
ela. Ela é meio esquisita, mas ela tem um... como eu posso dizer... um ja ne sais quoi.
Sim, ela tem uma cara de bolacha Trakinas. Tudo bem, e daí? Sim, ela tem um nariz
maior do que o normal e que poderia furar seu olho sem querer. Tudo bem, e
daí? Ela é francesa...
…
…
Enfim, Colette é uma baita personagem. Ela tem essa casca-grossa no exterior,
dá seus motivos, mas ainda assim, gradativamente amansa sem perder parte dessa
personalidade forte que tem.
Ok, “gradativamente” é um termo meio forte, tem uma montagem de trechos
curtíssimos onde ela ensina Linguini sobre como se portar na cozinha e como um
ambiente profissional funciona, bem como apresenta os outros cozinheiros. A
cena em si não dura mais que 5 minutos (talvez menos, mas quem tá checando?),
mas é suficiente pra que Colette se transforme de opositora, rival, pra uma
aliada, amiga de Linguini.
Igualmente, o protagonista (ou deuteragonista, sei lá) passa por uma transformação, sem perder muito do
que torna ele… ele.
Linguini é destrambelhado, perdido, mentalmente inapto a fazer qualquer coisa
mais perigosa que amarrar os próprios cadarços, ou até mesmo terminar frases
coesas. Mas há certos momentos em que há uma chama de bravura, ou
agressividade, ou de simplesmente fincar o pé e manter sua posição. E às vezes
ele faz isso e tem que parar e entender a situação, como na já mencionada cena
do freezer.
Isso serve muito pra uma comédia verbal meio física e dirigida pelos
personagens, tipo Looney Tunes. Ele tem que esconder o rato do chef Skinner
(de todo mundo, na real) e tem que inventar alguma desculpa pra justificar
suas ações cartunescamente exageradas.
A comédia física que o personagem protagoniza também ajuda a criar alguma
simpatia por ele, é claro. E a forma que ele foi animado pode não parecer, mas
é um bocado difícil de animar, seria muito simples fazer ele como um literal
marionete, mas o personagem tem peso próprio, o corpo segue os comandos de
Remy, mas também luta um pouco contra elas em certos momentos.
Até a dublagem foi feita diferente, animando primeiro algumas cenas (como
quando Linguini passeia pela cozinha procurando temperos) e o ator de voz (Lou
Romano, artista técnico) ia improvisando à medida que via a cena.
Por falar nisso, Peter Sohn dublou o Emile, irmão do Remy, e ele dirigiu O Bom
Dinossauro.
Eu ia fazer alguma piada muito maldosa, mas ele parece um gordin gente boa,
então deixa pra lá. Até pra zoar gordo tem limite.
Remy é interpretado por Patton Oswalt, que eu só conhecia de cabeça de Três
Mosqueteiros (o primeiro filme da Disney a ter um suicídio on screen e que eu
resenhei
aqui), e como um vilão de
Kim Possible. Mas o legal é que, assistindo ao filme, ele passa uma sinceridade tão
grande e uma personalidade carismática tão certeira, que eu sempre esqueço que
um nome tão reconhecível é o protagonista do filme.
Aí eu vejo o IMDB dele e tudo faz sentido, maluco é versátil demais.
Infelizmente eu não tenho tempo pra ver mais dele, mas ele tá em uma pancada
de coisa que eu já vi e nunca tinha notado. Huh.
Claro que, sendo um personagem mudo durante boa parte do filme (já que humanos
não o ouvem), a animação gestual é bastante expressiva, eficaz e, acima de
tudo, simpática.
O design dos ratos foi bolado de uma maneira muito cuidadosa, ao torná-los
amigáveis, mas sem deixar de lado o aspecto mais naturalmente repulsivo dos
animais. Eles ainda precisam vender pelúcias, brinquedos e lancheiras com o
rosto do Remi e do Emile, mas o filme ainda consegue ter seus momentos pra nos
lembrar de que são ratos de esgoto.
De fato, Ratatouille toma grandes distâncias que, talvez, em outros tempos, a
Disney mesmo faria, mas que nos anos 2000 seria impossível executar, como
mostrar ratos mortos em fileiras de ratoeiras. Raios, eles dão um close em um
rato morto numa ratoeira, é uma cena potencialmente pesada pro público mais
novo, mas eles mantiveram no filme porque a Pixar ainda tinha colhões na
época.
Também há um esforço em diferenciar o ambiente próprio dos ratos e dos
humanos, e meio que subliminarmente a gente começa a enxergar Remi como o Riku
em Kingdom Hearts, aceitando o caminho da penumbra sem pertencer ao lado da
luz ou lado da escuridão completamente.
Remi poderia fazer uma torta pra envenenar Xenahort, mas Riku não poderia
fritar um ovo.
Eu também gosto muito de como a perspectiva entre os personagens ratos e
humanos aqui é perceptível também. Em alguns momentos os humanos parecem
normais, mas a câmera dá um pan e foca nos ratos, e há técnicas forçando a
câmera virtual pra parecer que realmente eles são pequenos, e o fundo fica
desfocado, exatamente como quando cê bate uma foto ou filma algo pequeno em
foco. A gente já viu algo parecido em Toy Story e Vida de Inseto, mas nada tão
natural como aqui.
E sim, também tem as cenas onde o filme te descreve sabores de maneira visual,
onde Remi mistura alimentos que não deveriam ser misturados, mas quando o são,
formam poesia gastronômica.
Mas quando eu boto ketchup no sushi é nooooossaaaa olha lá o Kapan.
Vocês não viveram até comer um sushi com um ketchup Heinz de picles, bando de
FARISEUS!
…caham.
Mas o que todo mundo se lembra realmente é do monólogo do final. A piece de
resistance, o real clímax do filme, algo que é… totalmente incomum pro tipo de
mercado que a Disney almeja.
E isso é muito legal. Não é um filme infantil, mas não é um filme que crianças
não possam ver. É o tipo de coisa que dá gosto de assistir, e de rever,
porque… O que Ego diz pode ser um pouco complexo e com muitas nuances, ou pelo
menos foi a impressão que eu tive a cada assistida, e a cada assistida, eu
entendia um pouco melhor o que Ego e Brad Bird tentavam dizer ali.
Digo, eu sou um crítico, numa posição fácil (exceto que isso aqui me rende
muito menos do que deveria pra eu considerar “fácil”, mas ok), mas ao contrário de Ego, eu já estive do outro lado.
Raios, talvez eu ainda esteja,
porque eu ainda escrevo contos e romances (dá uma olhada neles, inclusive).
Então, eu sei como é difícil ser criativo e produzir uma obra. Mas sei também
que é muito fácil assistir algo como Mac and Me e tirar sarro das falhas do
filme o tempo inteiro.
Mas ele também coloca numa perspectiva mais de crítico, uma profissão que (até
um tempo atrás), era um ponto final de uma conversa. Um autor produzia algo, o
crítico consumia, regurgitava sua opinião, e ficava por isso mesmo. Não haviam
canais do YouTube dissecando sua análise, fazendo comentários à forma que o
crítico escreve, e (gasp!) opiniões de gente comum que às vezes tinha mais bom
senso e estudo que os críticos fazendo um trabalho melhor que eles e
rebuttando suas opiniões.
Ego é claramente uma caricatura de um crítico, mas que muitas vezes encarna em
críticos ditos profissionais, que de tanto consumir aquele tipo de produto já
sentem que sabem de tudo e agem como se fossem os literais donos da razão
sobre tudo, até sobre o que não fazem parte.
Talvez meu ponto aqui seja de que, pra criticar algo, você também precisa
fazer aquele algo. Estudá-lo a ponto de entender a cabeça de quem faz o
produto. Com o YouTube, chegamos ao ponto em que as próprias críticas podem ser consideradas um produto por si só, o que é meio surreal às vezes.
Talvez o que faltasse pro Ego (e pra muito crítico profissional) seja
o botar a mão na massa (HA-HA), a voz contrária batendo de frente com ele, algo que o próprio Linguini faz em sua inocência em
um momento.
Mas, ainda assim, é um monólogo que te coloca pra pensar, pra inspirar, e que
fecha bem os temas da narrativa que vem se construindo até aqui.
Eu só não sei se engulo a teoria que o Remi cresceu na casa em que Ego viveu
quando moleque. Faz sentido demais, mas seria muita coincidência, sei lá. Não
é uma teoria sem fundamento, só não explica como Remi sabia que Ego iria
gostar de Ratatouille.
É difícil escrever uma review de Ratatouille, porque… todo mundo já disse tudo
sobre o filme. Talvez até mais e melhor que eu. Mas só eu te faço pensar em
SUSHI COM KETCHUP.
De nada.
Ratatouille talvez não seja um marco histórico na Pixar (além de quase ter uma
linha de vinhos com o rosto do Remi, que foi vetada porque não pegaria bem
bebida alcoólica com o rosto de um desenho da Disney), mas é um marco moral
pro estúdio. Parecia que eles poderiam fazer o que quisessem, agora que
ganharam a confiança da Casa do Rato e John Lasseter estava à frente dos dois
estúdios de animação.
E Lasseter usaria de toda sua influência e reverência ao legado de Walt nos
próximos anos.
Mas antes, uma pausa, porque no próximo artigo, veremos três tipos de live
actions icônicos que a Disney produziu nessa época: um cash-grab, uma
tentativa de reviver o passado glorioso, e a mudança definitiva na atitude
geral do estúdio em relação a eles mesmos.
Também conhecido como A Morte Moral dos estúdios Disney.
***
Se você se interessa pela arte e história da Pixar, tem dois livros bons na
Amazon, tanto sobre a história como com artes conceituais comentadas. Clique
nas imagens e ajude o blog a se manter, comprando por aqui:
***
Se você quiser contribuir para o blog, dê uma olhada no Post Blogum. Tornando-se um assinante pago, você terá acesso a textos e conteúdo exclusivo, além de poder ver vídeos e ouvir os podcasts antes de todo mundo.
E mesmo sendo um assinante free, você tem acesso a textos complementares direto no e-mail, além de receber atualizações de artigos do blog e outras coisas legais que eu ando fazendo:
Ou dá uma olhada nas camisas da loja, tem camisa com o símbolo do SRT, designs exclusivos de Disney e Archie, e uma pancada de adesivos, bottons, posters e cadernos.
Também dê uma olhada nos livros originais do grupo SRT, ou livros em geral com o Kindle Unlimited, que é basicamente uma Netflix de e-books. Tu paga uma mensalidade e pode ler quantos livros quiser, no kindle, tablet, celular, computador, e até mandar a Alexa ler por ti, caso cê seja preguiçoso demais ou esteja ocupado lavando louça.
Clica na imagem e faz um teste de graça por 30 dias, na moral.
Ou se tu preferir filmes e séries, dá uma chance pro Prime, que tem alguns filmes diferenciados e no mínimo, curiosos, mas também te dá acesso ao Prime Reading, Prime no Amazon Music, sub na Twitch, etc.
Inclusive o Prime Gaming dá jogo de graça todo mês, vez ou outra aparece umas pérola tipo arcade da SNK, point and click da LucasArts, jogos de Star Wars, e sei lá, o jogo de Dark Crystal, além dos pacotes pra uma PANCADA de jogo online.
Tem filmes clássicos também, tipo os da Pantera Cor-de-Rosa e Secret of NIMH.
Se não gostar ou não quiser continuar com o(s) serviço(s), só cancelar a qualquer momento, sem besteira.
Cê também pode ajudar compartilhando os artigos do blog nas redes sociais, pros amigos que também possam gostar, etc. Manda pro teu amigo e termina a mensagem com "se tu não mandar pra mais 5 pessoas tu vai pegar cirrose no dedão do pé".
0 comments