O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos



Ok, eu confesso que não sou muito próximo da história do Quebra-Nozes. Mas assim como a maioria, eu conheço algumas batidas narrativas e temas clássicos e recorrentes da história.

Uma guria ganha um quebra-nozes de natal, e acaba se envolvendo numa guerra entre os brinquedos e os ratos e ganha um interesse amoroso na vida real parecido com o soldado do queixão. A versão original tem mais elementos e personagens e lugares, mas no geral, é isso aí.

Eu resenhei um filme aqui ano passado baseado na história  que tomava ares históricos e sci-fi. O filme é uma bagunça, mas uma bagunça interessante de se ver pelo absurdo da justaposição de conceitos. Mas tem uma pancada de versão interessante, como um curta feito pro Mickey Mouse Works e o filme da Barbie.

Que eu não vejo desde moleque então não posso dizer que é uma boa versão, mas ao menos é melhor do que aquela que a Disney fez ano passado.

...

Sim, é sobre essa desgraça bonitinha que falaremos hoje.



A história começa com Clara e seu irmão pequeno fazendo peraltices com uma máquina de Rube Goldberg pra capturar um rato no sótão, estabelecendo que essa Clara é uma guria com tendências mecânicas/físicas/inventivas. Ela precisa ir pra uma festa de Natal organizada pelo seu padrinho, Morgan Freeman, mas ela absolutamente não quer ir porque ainda sente muito a falta da mãe, que falecera há pouco tempo.

Mas ainda assim ela vai, porque sua mãe deixou presentes pra família antes de falecer. Clara ganha um negócio que parece um ovo de Fabergé se tivesse sido projetado pelas divindades nórdicas da Marvel, e precisa de uma chaves muito específica pra ser aberta. Morgan Freeman que fez a parada e Clara espera ter algumas respostas ou ao menos a chaves pra abrir o ovo e

Durante a festa, o padrinho de Clara faz sua tradição um tanto quanto criativa e prática de distribuir presentes, considerando que tem trocentas pessoas convidadas: cada um segue uma linha com uma etiqueta com seu nome, e todas partem de um mesmo ponto (aquela parada que a Liesl e o Rolfe ficam na cena de Sixteen going on Seventeen, esqueci o nome).


Enfim, Clara segue sua linha até chegar em... Nárnia... onde encontra a chave no final. Ao invés de se perguntar como RAIOS o padrinho dela fez um corredor onde imagens de coruja viram ratos e construiu um galpão de neve incrivelmente realista dentro do castelo, ela reage com:


...é, Clara é meio tonta.

Enfim, a chave de Clara é roubada por um ratinho, e ao persegui-lo, ela encontra um guarda Quebranozes, que jura lealdade a ela e juntos vão libertar os quatro reinos da Mãe Ginger ou seja lá que nome deram pra ela na dublagem.

Sim, tem um vilão de plot twist, porque DISNEY.

SIM, É SPOILER, EU NÃO ME IMPORTO.

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O filme tenta se desfazer de algumas convenções de histórias baseadas no Quebra-Nozes. Algumas delas são por ter o Padrinho e o Quebra-Nozes sendo negros pela primeira vez, o que no caso do Drosselmayer ou seja lá o nome, levantaria alguns questionamentos históricos, mas é uma fantasia então wathever. Mas o resto das convenções que o filme ignora são mais... questionáveis.

Vejam, um dos principais aspectos da história do Quebra-Nozes é o do boneco ser um soldado/rei/principe/wathever amaldiçoado a ser um boneco, e só a guria pode quebrar o feitiço. Tem também o lance do Rei Rato, que quer tomar o Reino dos Brinquedos ou qualquer outro nome que dêem pro lugar.


O filme joga tudo isso pela janela ao não ter nem a maldição, nem o Quebra-Nozes ser um boneco, nem ter subplot do Rei dos Ratos, nem nada que lembre a peça original além de nomenclatura. Agora, sim, é interessante ver uma tentativa de se basear em algo conhecido mas tomar liberdades suficientes pra que seja uma história nova com alguma semelhança com o material original.

Alice do Syfy fez isso, Oz The Great and Powerful fez isso, e Mickey Donald e Pateta em Os Três Mosqueteiros fez isso. Mas o que esses filmes fazem direito é contar uma história nova que seja interessante, com personagens identificáveis o suficiente pra que entendamos seus dilemas e que tenham um arco narrativo satisfatório, rodeado de temáticas, iconografia e outros elementos familiares, mas não destoantes entre si.

O que Four Realms absolutamente não faz.


Cada personagem é tão complexo quanto um miojo, suas motivações são básicas, clichês ou simplesmente pouco exploradas. Ao final do filme, eu não senti que aprendi nada sobre os personagens, esse mundo, ou tive nenhum insight interessante; e fora uma ou outra coisa dos visuais, eu não consigo me lembrar de muita coisa.
Clara é basicamente uma Mary Sue, uma guria que entra num mundo fantástico, encontra um potencial interesse amoroso mas que nunca se concretiza; é alguém importante em seu reino por ser filha da rainha e cuja responsabilidade de trazer paz ao mundo reside em suas mãos e...

...

Sim, eu também percebi. ESSE FILME É BASICAMENTE UMA RELEITURA DE ALICE DE TIM BURTON.

AAAAAARGH! Acho que perdi uns dois neurônios agora.


Mas ao menos a protagonista parece se importar um pouco com o que acontece. Digo, o material que entregam pra ela é uma desgraça, mas ela faz o melhor que pode, porque esse filme pode ser a porta de abertura dela a projetos maiores e mais importantes. Ao contrário de um ator experiente com a vida ganha como Morgan Freeman, que parece querer que a sessão de gravação acabe o mais rápido possível pra voltar a jogar Candy Crush.

A única coisa que se salva nesse filme são os visuais, e até isso é muito 8 ou 80.

Quando eles fazem o balé é espetacular, tem inclusive uma referência nada sutil a Fantasia, mas funciona porque mesmo sem ter visto Fantasia, não soa deslocado. O filme tem muito esse tom mais "artsy" e pode se safar dessas coisas.

E se você não viu Fantasia, VÁ VER AGORA, SEU SEU BABUÍNO FARISAICO.


O design dos reinos também é interessante, mas o problema é que passamos mais tempo em só dois deles: o dos doces e o assombrado banido. Temos literalmente uma cena pra cada outro reino e não dura mais que 30 segundos, provavelmente.

Mas o que colabora pra que toda a magia do lugar perca seu encanto é que enquanto estamos no "mundo real", a cidade parece tão mágica e surreal quanto no mundo dos reinos. É bizarro demais.


É como se os dois mundos pudessem coexistir, ao contrário do que acontece em Nárnia, ou Oz, ou Labirinto, que tem designs e regras de mundo específicas pra cada mundo.

É um filme imbecilmente vazio, mas bonitinho de se olhar. É um caça-níquel tão desgraçado que eu quase cogitei em ver isso no cinema só pelas cenas do balé, que realmente pareciam ser a melhor coisa do filme. Spoiler: sim, são. Mas não valem o preço de um ingresso.


Eu não consigo me importar com os personagens, suas histórias, seus arcos, seus dilemas, suas lutas. É mais um filme de alto orçamento da Disney feito no automático, e o que ainda me anima é saber que o filme acabou perdendo dinheiro.

O nome desse filme deveria ser "Clara na Inglarussia - Talvez Tenha uns 2 Reinos Mais ou Menos Mágicos e com Sorte um Quebra-Nozes Eu Sei Lá". É maçante, desinteressante, vazio, e tu termina o filme com uma sensação de que passou duas horas encarando uma tela em branco.

Dispense esse filme com a força de mil sóis, não vale o seu tempo. De fato, tu teria um aproveitamento melhor do seu tempo vendo o balé do Quebra-Nozes.
Com Macaulei Coulkin.
Sim, isso existe, vamos deixar pro ano que vem, sim?

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Sério, já viu o preço do salmão? Pois é.


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