Noelle


Eu tenho um fraco com filme de Natal, cês sabem. Por mais brega, antiquado, uber-açucarado ou clichê que seja, é difícil um filme Natalino não tirar um sorriso genuíno de mim. Há exceções quando o produto final é mal acabado demais ou simplesmente fracassa no tentar me fazer se importar com os personagens, mas no geral eu sempre fico com aquele sentimento quentinho no eco em meu peito.

E um dos meus subgêneros favoritos de filmes natalinos são aqueles sobre Papai Noel. Não exatamente com ele, mas onde o filme explora a mitologia do personagem. Pode parecer bobo, mas tem muita coisa daora que pode ser feita: ele pode ser imortal, ter uma linhagem, ou ter regras que envolvam homicídio, e sempre é interessante encaixar uma história absurda em conceitos e regras de mundo palpáveis.

Noelle basicamente mistura Meu Papai é Noel, Um Duende em Nova York, Encantada e bota uns granulados de Black Mirror só pela segurança de alguém fazer essa piada em resenhas desse filme.



Desde que anunciaram o filme lá no começo do ano, eu fiquei empolgado. Parece ser um conceito absurdamente divertido e relativamente novo, e... bom, NATALINO. Nos temas, nos conceitos, tudo nele tinha aquela química específica típica de filmes de fim de ano.

A história começa quando Nick, o próximo Noel da linhagem, começa a treinar pra substituir o falecido pai na tradição anual de invadir casas de desconhecidos, entregar presentes, e pilhar o leite com biscoitos que ficam na mesa entregues às baratas.

Mas o maluco não tem tino pro negócio e acaba se estressando mais do que deveria, e sua irmã Noelle sugere que ele tire um fim de semana de folga pra desopilar. O que ela não esperava é que o maluco desse um chá de sumiço, e depois de perder o cargo da família pro primo geek tecnológico que mais tarde ia usar um coque samurai, ela decide ir atrás do irmão Noel no mundo dos humanos.

Ela se encontra com um detetive particular divorciado que tenta o máximo possível se ligar a seu filho, mas tem dificuldade em conhecer os gostos do moleque. Com a ajuda do detetive, ela vai procurar o irmão e restaurar a ordem da família Kringle e ajudar quem ela puder no meio do caminho, enquanto os irmãos descobrem suas verdadeiras vocações.


O plot em si é algo familiar mas ao mesmo tempo novo. Já tivemos filmes focados na filha do Papai Noel (doisde fato), mas a dinâmica de irmãos ainda é uma novidade. Digo, sim, Fred Claus fez isso, mas era um relacionamento diferente com personagens diferentes. Fred Claus vai pela rota mais realista e dramática, enquanto Noelle tenta ser mais cartunesco e fantasioso, mas ao mesmo tempo lidando com problemas reais e verossímeis. E os atores conseguem ter uma química divertida e crível ao mesmo tempo.

Nick é aquele irmão mais velho que parece enjoado demais de tudo, mas no fundo ele simplesmente não sente que se encaixa no que esperam dele e no que ele treinou durante toda a vida. Noelle é o extremo oposto: ela é animada, espevitada, e encarna a alegria e diversão do Natal em cada movimento que faz. Eles tem uma dinâmica que brinca bem com as personalidades um do outro, ao mesmo tempo em que eles tentam compreender as diferenças de filosofias e estilos de vida.


E a atuação também é bem executada, porque seria muito fácil fazer Nick um cara constantemente mau-humorado ou ranzinza, mas não, o cara que fez o Medo em Inside Out e o Wanderer em Dark Crystal consegue fazer um-pera ELE FEZ O WANDERER EM DARK CRYSTAL COMO ASSIM? E O ALPHA DE POWER RANGERS 2017?

MAS É UM MALABARISTA DA VOZ!

Enfim, ele consegue passar um personagem que não se encaixa, mas faz o melhor que pode pra atender às expectativas que todos tem dele. Constantemente ele quer desistir, mas ao mesmo tempo ele reconhece e respeita as tradições de sua família, é um equilíbrio bacana.

Noelle também poderia ser facilmente intragável com o excesso de alegria, mas a Anna Kendrick (que eu não conheço de canto nenhum exceto de Into the Woods, Trolls da DreamWorks e Pitch Perfect, mas eu nunca vi nenhum desses filmes então wathever) consegue transparecer uma simplicidade e genuinidade à personagem que é fantástico.


Ela usa termos natalinos como "oh my garland" ao invés de "oh my God", mas não é usado em excesso e esse traço da personalidade dela é espalhado ao longo do filme. Embora dê pra traçar comparação com Encantada, nunca chega a ser cartunesco, e Noelle parece que poderia viver bem em nosso mundo.

E eu simplesmente gosto da energia dela, dos trejeitos adoráveis, de como ela consegue detectar quem é bom e quem é levado, ou aprender outras línguas instantaneamente, e ela é tão inocente que não percebe que ela é que deveria tomar o lugar do pai, e não Nick.

Eu sei que ela parece antipática nas fotos,
mas em movimento funciona, eu juro.
O filme tenta subverter a expectativa das tradições (mais ou menos como Santa Baby 1 e 2 fazem) , e embora à primeira vista pareça uma propaganda lacradora, o filme nunca toma ares panfletários e se mantém na zona da inocência. Sim, pode ser visto como um filme "empoderador para meninas", mas no fundo é mais uma história sobre achar o seu lugar, achar sua vocação, e isso vale pros dois irmãos. O arco narrativo é tanto de Noelle como de Nick, e ambos aprendem a lição ao final do filme e encontram seu lugar.

Claro que isso vai dar um pouco de dor de cabeça pra quem quer que vá traduzir pra português ou espanhol, mas é o de menos. Ainda é um filme legitimamente divertido.


Meu único problema (e isso é mais uma cata-piolhagem), é na representação da vila do Pólo Norte e dos elfos. Tem uma piada curta sobre como os elfos são representados de forma errônea no nosso mundo, e isso porque os elfos aqui são multi-raciais (porque provavelmente a Disney tem que cumprir alguma cota pra ganhar prêmio trabalhista ou algo assim) e representados mais como humanos comuns de orelhas pontudas.

O que eu tou totalmente de boa, mas se já mencionaram algo e fizeram uma piadinha sobre concepção errada sobre os elfos, poderia ter sido expandida. E os próprios elfos na vila parecem menos mágicos do que deveriam, eles podem ser mais humanos, mas nos dê algo a mais que indique que eles são de outro mundo, que eles são seres mágicos, qualquer coisa serve, uma maquiagem a mais, um trejeito mais estranho, sei lá.


Aliás, o lance dessa imagem acima aí. Eu gosto que esse playset realmente existe e com esse exato nome. Eu sempre me incomodava em filmes de Natal onde eles não podiam mencionar certos brinquedos por nome e acabavam criando alguma coisa imbecil que nós crianças olhávamos e dizíamos "esse brinquedo nunca iria existir de verdade, é muito imbecil pra ser aprovado".

O fato de Noel ter que saber os nomes (e provavelmente detalhes) de todos os brinquedos existentes é interessante, mas o fato de ser um brinquedo real que tu pode comprar torna a imersão um pouco melhor acabada.


O filme também tenta tomar ares de Operação Presente, como eu mencionei, com o Noel substituto fazendo um sistema de entrega por drones ou até pela Amazon Prime (e sim eles mencionam o serviço por nome). O problema é que as regras dele são bem mais rígidas, como não arrumar a cama direito ou não comer todos os vegetais.

O que parece ok, mas a rigidez das regras se esquece de que todo mundo erra e etc. mas o lance dele era diminuir o volume de presentes pra que não tivessem tanto trabalho em cima da hora, tal qual um engravatado demite funcionários e barateia custos pra margem de lucro ser maior. O filme nunca chega a ser crítico do sistema em si, mas mais da rigidez das regras.
De fato, uma das piadas recorrentes envolve um grupo de cantores, e em certo momento eles fazem isso:


Sério, tem um monte de piada assim que vem absolutamente do nada e te pega desprevenido. Eu mesmo vendo os prints pra fazer esse artigo fiquei rindo sozinho às duas da madrugada.

Noelle não é nada mais do que uma Sessão da Tarde bem aproveitada. É criativo, interessante, tem umas piadas pontuais e recorrentes sensacionais que te pegam desprevenido, tem um pouco daquele humor peixe fora d'água com uma execução que evita que seja clichê, e tem um legítimo coração nesse filme. Eu amo a forma que Noelle aprende a lição que ela tira após a jornada ao mundo dos humanos, é uma lição já batida mas ela passa de uma forma diferente, mais palpável. Eu gosto muito.

Dá uma baixada aí pra ver com a família no Natal, se eles quiserem ver com legenda. Valeu muito a pena esperar por esse filme.


Ah sim. E tem uma rena usando um óculos de VR.
Sei lá, talvez seja o ponto alto do seu dia hoje.

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Sério, já viu o preço do salmão? Pois é.


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