O Homem que Inventou o Natal


Embora eu passe minha vida usando métodos científicos aplicados a entretenimento, o fato é que arte é uma parada incrivelmente subjetiva. Uma grande história pode vir em um estalo instantâneo, mas também pode vir com inúmeros bloqueios criativos. Não existe um único método correto pra se criar algo, e por isso é interessante ver como grandes histórias foram concebidas.

Claro, versões ficcionalizadas de como tais histórias sugiram quase sempre exageram eventos ou simplesmente distorcem as coisas. Às vezes pra simplificar algum momento, ou pra tornar aquele momento mais impactante (como o clímax de Saving Mr. Banks), ou pra puxar a sardinha pro seu lado (como o final de Saving Mr. Banks).

O Homem que Inventou o Natal faz quase isso, mas de uma forma que equilibra os fatos reais com a narrativa engajante.



A história acompanha Charles Dickens e seus desafios como escritor tentando fazer um livro de sucesso em menos de 6 semanas, praticamente independente, enquanto acumula dívidas e lida com a inesperada chegada de seus parentes em sua casa.

O filme começa mostrando o sucesso que ele teve com Oliver Twist, sendo até chamado pra uma turnê nos Estados Unidos como uma alta celebridade, mas os próximos 3 livros dele seriam um fiasco, o que coloca seu crédito com a editora em cheque. Aos poucos, se inspirando em pessoas que encontrava e elementos de seu passado, ele começa a construir Uma Canção de Natal, que é provavelmente sua história mais conhecida.

Enquanto ele luta contra os bloqueios criativos, interrupções e ansiedades, Charles precisa buscar em si mesmo e em seu passado as respostas que precisa pro livro e pra mudar sua vida.


A narrativa em si só funciona se já conhecermos a história original, já que as referências que eles fazem são tão na cara que em certos momentos eles só faltam piscar pra platéia. O que por um lado, é uma vantagem, porque essa é uma daquelas histórias que todo mundo parece conhecer por osmose. Ao mesmo tempo é uma desvantagem, porque em certos momentos parece te tirar do filme por um instante.

Por exemplo, Charles encontra um velho ranzinza que não gostou de Oliver Twist, e ele recita palavra por palavra das falas de Scrooge sobre "reduce the surplus population". Se fosse um pouco mais dissolvida, ou dita de outra maneira, seria mais interessante, seria algo familiar mas novo e veríamos Charles tentando lapidar os termos usados pelo velho pra formular as frases icônicas.

Mas esses momentos são poucos e espalhados, e parecem servir mais pra botar no trailer do que qualquer coisa. É sabido que Dickens ficou obcecado com Uma Canção de Natal, mais do que normalmente ficava com suas outras obras, a ponto de considerar os personagens mais reais do que aqueles ao seu redor.


E isso é demonstrado nas ótimas atuações, que foram dirigidas com uma precisão cirúrgica. Dickens parece um cara genuinamente gentil e carinhoso, mas explode assustadoramente quando o bloqueio criativo lhe sobrevém. Ele também fica imitando personagens tanto na postura física como na voz, o que é interessante. E vez ou outra tu consegue notar algum trejeito nele que dá pra dizer que ele notou algo de singular que talvez valha a pena usar na história.

O que vai realmente chamar atenção é o fato dos personagens do livro virem à vida e interagirem com Dickens, o que cria alguns diálogos no mínimo divertidos, como Scrooge zoando Dickens em alguns momentos. Charles mesmo disse que era assombrado pelos espíritos enquanto escrevia a história, e o lance de "conversar" com o personagem é uma técnica válida pra criar o personagem.

É um mecanismo narrativo incrivelmente eficaz, especialmente porque alguns personagens são interpretados por gente do convívio de Dickens, o que, de novo, tá de acordo com o método criativo dele.

Also, Scrooge é interpretado pelo Capitão Von Trapp de A Noviça Rebelde. Ele é um EXCELENTE Scrooge, e eu espero um dia ver uma adaptação da história com ele no papel principal. Coisas assim não podem ser desperdiçadas.


E sim, o filme passa pelas mesmas batidas narrativas de Uma Canção de Natal, mas muito vem do fato de o arco narrativo de Scrooge ser muito semelhante com o próprio arco de Charles nesse filme, tendo que lidar com seu pai viciado em criar dívida, seus problemas financeiros, suas dificuldades relacionais, etc.

Uma Canção de Natal é uma história que nos fala profundamente até hoje, porque muitas vezes agimos como Scrooge mesmo sem perceber, e foi isso que fez a história ser um sucesso em sua época e inclusive criar ou popularizar tradições natalinas como a árvore de Natal, o cardápio da ceia, a própria valorização da festa (que caiu em desuso um tempo antes, mas na época voltou a se popularizar; o livro ajudou a cimentar o status quo da festa), etc.


É um excelente filme, eu quase não consigo fazer piada sobre ele, por estar realmente interessado na narrativa, mesmo que seja exagerada em vários pontos. E olha que Dan Stevens fez o Zé Colméia. Ainda é um filme divertido de ver e é bem fundamentado o suficiente pra conhecer o autor da história.

Dê uma olhada, é obrigatório.



****

Esse post foi feito com o apoio dos padrinhos João Carlos e Cauã Alves. Caso queira contribuir com doações pro blog, dá um pulo lá no Padrim, que cê vai poder dar pitaco nos artigos futuros, ler artigos assim que forem terminados, e mimos aleatórios na medida do possível.

Ou dá uma olhada nas camisas, travesseiros, adesivos e outros produtos da loja, tem camisa com o símbolo do blog, designs exclusivos de Disney e Archie, etc. Also,aceito sugestões de ilustrações ou temas.

Se quiser dar uma doação random de qualquer valor sem compromisso ou assinatura, escaneia o código aí. Qualquer valor já ajuda a manter o blog e impede que o Joshua morra de fome.
Sério, já viu o preço do salmão? Pois é.


You May Also Like

0 comments